Desde que a Rússia entrou no território da Ucrânia, mais uma vez, a imprensa imperialista escancarou sua face como um instrumento de propaganda do imperialismo, basta que o leitor ligue sua televisão e perca seu tempo com algum canal ligado ao grupo Globo, por exemplo, para se deparar com um universo paralelo em que Putin é um grande vilão e Zelenski um grande e nobre guerreiro que tem sido o bastião da esperança ucraniana frente à animosidade e à violência russa.
Trata-se, na verdade, de uma guerra defensiva por parte da Rússia. Desde o colapso da União Soviética em 1991, temos visto uma constante expansão da OTAN em direção ao leste e diversas mostrar de seu verdadeiro caráter como uma aliança militar que nada tem de defensiva, mas sim uma organização terrorista destruidora de países, para citar os exemplos mais famosos: Iugoslávia, Líbia e Síria.
Sergey Lavrov, o Ministro das Relações Exteriores da Rússia desde 2004, faz menção frequente ao princípio da indivisibilidade da segurança para demandar o fim da expansão da OTAN ao leste. Reproduzimos abaixo um breve trecho presente na “Carta de Paris por uma nova Europa” datado de 21 de novembro de 1990 da OSCE (Organização para a Segurança e Cooperação na Europa) que esclarece o que é o tal princípio.
Com o fim da divisão da Europa, nós nos esforçaremos por uma nova qualidade em nossas relações de segurança ao mesmo tempo que respeitaremos totalmente a liberdade de escolha dos outros neste sentido. A segurança é indivisível e a segurança de todos os Estados participantes é inseparavelmente ligada àquela de todos os outros. Nós, portanto, nos comprometemos em cooperar no fortalecimento da confiança e da segurança entre nós e em promover um controle das armas e desarmamento.
Encontramos muitos problemas de cara, é conhecido que governo algum na OTAN tem verdadeira liberdade de escolha: quem dá as cartas são os EUA, como diria Lorde Ismay, o Primeiro Secretário Geral da OTAN, a organização foi criada para “manter a União Soviética fora, os Estados Unidos dentro e a Alemanha subjugada” (“keep the Soviet Union out, the Americans in and the Germans down.”). Importante lembrar que este tratamento foi estendido aos russos no mundo pós-soviético: um jovem Putin em 2000 teria perguntado a Bill Clinton o que este achava da Rússia integrar a Organização do Tratado do Atlântico Norte para receber uma resposta naturalmente negativa. Na questão da liberdade de escolha encontraremos mais um agravante no caso ucraniano, na época em que a Ucrânia primeiramente demonstrou interesse em aderir à OTAN em 2007/8, governava Viktor Yushchenko alçado à presidência por interferência do Imperialismo na chamada “Revolução Laranja”. Tais demandas voltaram somente depois do golpe Euromaidan de 2014, novamente após interferência imperialista. É razoável esperar que uma monstruosidade belicista como a OTAN há menos de mil quilômetros de Moscou não seria vista como uma eterna ameaça à segurança russa?
Felizmente, no mundo do jornalismo independente, existem aqueles que têm um compromisso com a transparência (e que por vezes sofrem as mais diversas torturas por isto) como Julian Assange. Em um telegrama vazado na plataforma WikiLeaks datado do dia primeiro de fevereiro de 2008 e tornado confidencial por William J. Burns, embaixador norte-americano à Rússia de 2005 a 2008 e atual diretor da CIA, fica claro que o Imperialismo já sabia das consequências da expansão desenfreada da OTAN em direção ao leste, reproduzimos abaixo uma tradução livre do quinto item do telegrama com grifos nossos:
As aspirações da Ucrânia e da Geórgia em integrar a OTAN, além de ser um tópico sensível para a Rússia, engendram grandes preocupações com as consequências [da adesão destes dois países à OTAN] para a estabilidade na região. Além da Rússia reconhecer uma tentativa [da OTAN] de cercá-la e de minar sua influência na região, ela teme que as consequências [da integração da Ucrânia e da Geórgia à OTAN] sejam imprevisíveis e incontroláveis e que afetem seriamente os interesses de segurança [nacional] russos. Especialistas nos dizem que a Rússia está particularmente preocupada que as divisões internas na Ucrânia com relação à adesão à OTAN, a qual boa parte dos ucranianos etnicamente russos se colocam contra, possam levar a uma grande cisão envolvendo violência e, em pior caso, até uma guerra civil. Neste caso, a Rússia teria de decidir se interviria ou não; uma decisão que [a Rússia] não quer ter de fazer.
Fica também claro que o Imperialismo estava a par da preocupação por parte dos russos pelo crescimento de uma extrema-direita de características abertamente nazistas nos mais diversos países do leste europeu que aderiram à OTAN, produto de uma grande confusão entre anticomunismo, russofobia e estímulos do ocidente. Reproduzimos abaixo uma tradução livre parcial do terceiro item:
(…) havia um grande tendência entre os novos membros de fazer e dizer o que quisessem simplesmente estar sub o guarda-chuva da OTAN (como por exemplo as tentativas de alguns novos países membros de “reescrever a história e glorificar fascistas”).
A conclusão do telegrama talvez seja a parte mais importante, com grifo nosso:
(…) Enquanto a oposição russa à primeira onda expansionista da OTAN na metade dos anos 90 era forte, a Rússia agora se sente capaz de responder de maneira mais forçosa àquilo que percebe como ações contrárias a seus interesses nacionais.
Uma vez que os norte-americanos tinham total consciência das possíveis consequências catastróficas da continuada expansão às portas de Moscou, por que continuaram neste caminho? A resposta se encontra num relatório intitulado Extending Russia Competing for Advantageous Ground (Estendendo a Rússia, competindo por condições vantajosas), um tanto esclarecedor, de um think thank norte-americano chamado RAND Corporation. Trata-se de uma pesquisa feita com o intuito de enfraquecer (e idealmente até derrubá-lo) o governo russo tal qual ele existe hoje, melhor era ter um bêbado capacho como Yeltsin. O relatório dedica varias páginas a questão específica da Ucrânia, na página 99 encontramos:
Expandir a assistência norte-americana à Ucrânia, incluindo assistência militar de caráter letal, provavelmente aumentaria os custos à Rússia, tanto em sangue quanto em dinheiro, em manter a região do Donbass. Seria preciso mais ajuda russa aos separatistas e uma presença adicional de tropas russas, levando a mais gastos, maior perda de equipamentos, e baixas russas. Estas últimas poderiam se tornar controversas dentro da Rússia, de maneira semelhante a quando os Soviéticos invadiram o Afeganistão.
A pesquisa é recheada de ideias do tipo, a Ucrânia e o povo ucraniano nada mais são do que peças descartáveis na política genocida do imperialismo. Tal qual denunciado na Nota Oficial do Partido da Causa Operária em apoio às ações russas, o imperialismo se utiliza do povo da Ucrânia como carne de canhão para atingir seus próprios objetivos.