Há pouco mais de uma semana, a Executiva Nacional do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) publicou uma nota, em sua plataforma Revista Movimento, intitulada Nota do PSOL em solidariedade a Dora Maria Telles. No texto, o partido se solidariza com Dora Maria Telles, uma antiga militante do movimento sandinista que, na década de 80, participou da Revolução Sandinista na Nicarágua.
Na nota, a Executiva argumenta que a prisão de Telles, em conjunto com o que o PSOL considera como “outros militantes históricos e jovens ativistas nicaraguenses”, é um atentado à autodeterminação dos povos. A nota é finalizado com a seguinte mensagem:
“Nos solidarizamos com o povo nicaraguense que luta em defesa dos princípios originais da Revolução Sandinista.”
Entretanto, longe de ser uma luta pelos direitos democráticos, a perspectiva que o PSOL defende é, antes de qualquer coisa, um oportunismo barato que procura esconder a verdadeira história da revolução nicaraguense. Vejamos o porquê.
Quem foi Dora Maria Telles?
De fato, Dora Maria Telles foi uma militante revolucionária que, no final da década de 70, participou ativamente da Revolução Sandinista. Era, portanto, uma defensora árdua da revolução, pegou em armas para defendê-la. Todavia, em meados dos anos 90, a situação mudou completamente.
A revolução havia sido derrotada. Em 1990, a Frente Sandinista de Libertação Nacional, a FSLN, perdeu as eleições gerais para a chamada União Nacional de Oposição que, aliada ao imperialismo, superou o então candidato da FSLN Daniel Ortega.
O que faria, portanto, qualquer revolucionário sério frente a esse desastre? Analisaria os erros do movimento, procurando entender suas causas para, então, continuar lutando fervorosamente pela revolução socialista. Não tem outro caminho senão a insistência.
Entretanto, o que fez Telles? Se distanciou do Sandinismo numa guinada violenta à direita. Criou, então, o chamado Movimento Renovador Sandinista (MRS), uma oposição à política dita radical de Ortega que prometia se mostrar como uma alternativa realmente revolucionária. Algo similar com o que o PSOL fez após sair do Partido dos Trabalhadores (PT).
Aqui, é preciso traçar uma linha clara entre os acontecimentos. A Telles de antes dos anos 90, militante, revolucionária, morreu após o seu rompimento com o sandinismo. A partir de então, seria uma brutal agente do imperialismo na Nicarágua que trocou seu passado revolucionário para compor um movimento neoliberal contra-revolucionário.
Quem É Dora Maria Telles?
Desde sua fundação, o MRS, presidido por Telles, mostrou-se completamente alinhado com a política imperialista para a Nicarágua. Alguns anos depois, estes laços se concretizaram com o vazamento de diversos documentos americanos confidenciais por parte do Wikileaks.
Em 2006, durante as eleições gerais, documentos da embaixada dos Estados Unidos na Nicarágua revelaram que Telles e, de maneira geral, todo o MRS, estavam em contato direto com o imperialismo por meio do embaixador no local.
Telles, principalmente, liderou uma séria denúncia de que a FSLN fraudaria as eleições gerais do ano, pedindo uma intervenção por parte do governo dos EUA para que a família Ortega não retornasse ao poder. Ou seja, era uma solicitação formal de um golpe sob acusações absolutamente infundadas, algo que vimos ocorrer em basicamente todos os países da América Latina. No Brasil, por exemplo, isso tomou a forma da Lava Jato, Telles representaria, portanto, um Sérgio Moro nicaraguense.
Outro documento confidencial revela ainda mais o caráter reacionário do MRS. Intitulado MRS: “WE WANT TO BRING ORTEGA DOWN” [MRS: “QUEREMOS DERRUBAR ORTEGA”], elucida a mobilização dos principais dirigentes do MRS em conluio com os Estados Unidos nas eleições de 2006
O candidato do MRS, Edmundo Jarquim, representou um peão dos Estados Unidos que, segundo os documentos, apoiava firmemente o MRS:
“[…] a posição do governo dos Estados Unidos é que o MRS é uma opção viável e construtiva, com o qual os Estados Unidos manteriam boas relações”, escreve a embaixada em relatório vazado.
Mais à frente, o texto diz:
“Apesar de que as atuais pesquisas eleitorais coloquem Jarquin em terceiro lugar, se o MRS conseguir tirar votos da FSLN e angariar parte dos eleitores indecisos, ainda é [o MRS] uma opção viável – e pode ser a chave para prevenir uma vitória de Ortega”, escreve o embaixador.
Ou seja, acima de ser somente mais um grupo reacionário, o MRS é o principal partido dos Estados Unidos na Nicarágua. Um fidedigno representante da política golpista no país que é, antes de tudo, financiado diretamente pelo imperialismo.
Tanto o é que, mais recentemente, em janeiro de 2021, o MRS rompeu definitivamente com o Sandinismo, renomeando o partido para União Democrática Renovadora, ou UNAMOS.
E a lista não para aí. Ao longo dos anos, mais e mais escândalos envolvendo o MRS atingiram a superfície. Dentre eles, a organização das revoltas golpistas sanguinolentas que ocorreram em 2018 e da derrotada tentativa golpista nas últimas eleições na Nicarágua. Sem contar nas posições flagrantes contra Cuba e em prol dos golpes na Bolívia e na Venezuela, defendidas, também, por Telles.
Fica claro, portanto, que Telles usa seu passado revolucionário para confundir as massas e criar um clima de que sua oposição à Ortega seria uma oposição democrática e revolucionária, enquanto que Ortega seria o ditador. É exatamente o mesmo jogo que o imperialismo joga na Venezuela, em Cuba, na Rússia, na Bielorrússia e mais. Ela foi presa, ao lado de demais dirigentes do MRS, pois representam uma ameaça gravíssima ao governo eleito da Nicarágua e trabalham em conjunto com o governo dos Estados Unidos para desestabilizar Ortega.
As campanhas pró-imperialistas do PSOL
A partir daqui, fica mais do que evidente que a posição defendida pelo PSOL é, de maneira absoluta, uma posição defendida pelo imperialismo. Não é atoa que o último reproduziu em toda a imprensa burguesa quão grave seria a prisão de Telles.
Infelizmente, não é novidade que o PSOL, dito de esquerda, tenha defendido um golpe imperialista em determinado país. Também o fez no caso da Bielorússia, de Cuba, da Venezuela e da própria Nicarágua.
Ao leitor comum, salta aos olhos o fato de um partido brasileiro de esquerda defender tão sistematicamente reivindicações tão reacionárias quanto o próprio Bolsonaro. Entretanto, desde o final do ano passado, quando este Diário denunciou o envolvimento de Guilherme Boulos, principal figura do PSOL, com o imperialismo, tem ficado cada vez mais claro o porquê de tais posições.
Financiamento do imperialismo
Finalmente, o PSOL apoia o golpe na Nicarágua, pois seu patrão é o mesmo que financia o MRS. Além disso, e talvez mais importante, vemos a compreensão de um modus operandi comum entre o caso brasileiro e o nicaraguense.
O MRS é aliado ao Grupo CINCO que, por sua vez, é financiado pela USAID. Ademais, a ONG de Mónica Baltodano, que já foi deputada pelo MRS e continua dirigindo o partido, é apoiada pela União Europeia, ONU e mais.
Ao mesmo tempo, o principal representante do PSOL é empregado por Walfrido Warde, sinistra figura da política brasileira que possui laços claros com o imperialismo e com a extrema-direita nacional, por meio do Instituto Para Reformas Entre Empresa e Estado (IREE). Seguindo o fio, descobrimos que o IREE possui parceria com o Global Americans que é diretamente financiado pelo National Endowment for Democracy (NED), um órgão que, desde a década de 70, faz o papel sujo da CIA sob a fachada dos direitos humanos. Foi o NED que financiou o golpe no Cazaquistão, por exemplo, e que, também, injetou quantias obscenas na Nicarágua em 2021, durante outra etapa do golpe.
A nota da Executiva do PSOL é, portanto, ainda mais uma prova de como a direção do partido está completamente ajoelhada aos interesses do imperialismo. Afinal, têm medo de romperem com a política americana e, consequentemente, perderem a mesada do Tio Sam.
Um exemplo para o Brasil
No final das contas, o que o PSOL quer é reproduzir o que o MRS fez na Nicarágua no Brasil. Vale lembrar que eles apoiaram o Mensalão, as jornadas de 2013, o golpe contra Dilma, a Operação Lava Jato e, mais recentemente, impulsionaram a frente ampla no Brasil em 2020 e, agora, em ano de eleição, ainda não declararam apoio à candidatura de Lula.
Pelo contrário, assim como Telles, o Guilherme Boulos da Nicarágua, mostram-se defensores ferrenhos da política imperialista, tentando criar a imagem de que seriam uma alternativa revolucionária ao Lula. Obviamente, a realidade não poderia estar mais distante disso.
Fica clara a importância da polarização para a luta política revolucionária. Cada vez mais, fica claro quem joga para a burguesia e quem defende os trabalhadores. O PSOL, com isso, se coloca cada vez mais à direita e, no final, serve somente para confundir a luta das massas e facilitar, assim, a infiltração da burguesia no movimento dos trabalhadores.