Para quem acompanha a política mais de perto, não é possível deixar de notar que o quadro político nacional, sobretudo aquele que diz respeito à situação do campo das organizações operárias e populares, se apoia num grande mistério: por que a esquerda, não tendo nenhuma outra candidatura capaz de enfrentar Bolsonaro, não apoia a candidatura de Lula?
O Partido da Causa Operária (PCO) defende desde 2021 o lançamento da candidatura de Lula para enfrentar o regime golpista. Afirmamos há tempos que, para derrotar Bolsonaro e toda a direita golpista, a esquerda conta com uma candidatura poderosa. Propusemos essa política para toda a esquerda. No entanto, o que se percebe é que Lula encontra-se relativamente isolado. Estamos na reta final de fevereiro e, tirante alguns boatos e indícios vagos de apoio, praticamente ninguém se pronunciou definitivamente a favor de sua candidatura.
As últimas movimentações dos partidos da esquerda mostram para onde a coisa está indo.
O Partido Comunista Brasileiro (PCB), por exemplo, anunciou publicamente na semana passada que terá uma pré-candidatura própria para a presidência. O lançamento da pré-candidata do PCB veio acompanhada de uma interessante justificativa política que tem a vantagem de revelar a manobra que se opera no interior da esquerda. Eis o que diz a nota política do PCB, intitulada “Comunistas nas eleições: construir a independência política da classe trabalhadora”:
“A candidatura de Lula representa a principal possibilidade eleitoral (frisando muito: eleitoral) de derrota do bolsonarismo, sobre isso não existem dúvidas. Normalmente isso serve como argumento para o apoio irrestrito ao lulismo no momento das eleições. No entanto, subordinar todo o trabalho político à “derrota do bolsonarismo” é um equívoco muito grave. Não se trata de simplesmente derrotar o bolsonarismo porque essa tendência política é apenas uma expressão particular de um programa de classe, que dirige a política nacional desde o estrangeiro. Trata-se de evidenciar essa relação para derrotarmos o próprio programa da classe dominante e do imperialismo. Nunca basta bater nessa tecla: com o Bolsonaro derrotado a burguesia continuará promovendo o mesmíssimo programa.”
Lembremos que, até pouquíssimo tempo atrás, o que mais se ouviu falar no seio da esquerda era que a tarefa mais importante do momento era derrotar Bolsonaro. O PCB, porém, coloca o foco em outra questão política. Mais que derrotar Bolsonaro, o objetivo nas eleições é “construir a independência política da classe trabalhadora.” E destacam que “subordinar todo o trabalho político à ‘derrota do bolsonarismo’ é um equívoco muito grave.”
O que o PCB faz não é senão um malabarismo político. Prepararam o terreno para se colocar contra a candidatura de Lula.
O PSOL prepara uma manobra diferente, mais sofisticada, mas cujo resultado é o mesmo.
Sua política é manter o mistério no ar e postergar o quanto puder o apoio à candidatura de Lula. A direção do partido já declarou que só baterá o martelo em junho, ou seja, faltando cerca de três meses para as eleições. Enquanto isso, o partido discute formar uma federação partidária com a Rede Sustentabilidade, partido de Marina Silva e Heloísa Helena. Se o Psol está disposto a se juntar com a representante política de George Soros no Brasil, por que não se junta logo e de uma vez por todas com o PT?
Na hora H, é possível que tudo isso termine sem o apoio à candidatura do Lula. Mas mesmo se o PSOL confirmar o apoio a Lula em junho, não podemos deixar de caracterizar toda essa manobra como uma sabotagem.
Por que apoiar Lula só em junho, praticamente às vésperas da eleição? Qual o sentido disso? O objetivo é claro: desgastar a candidatura de Lula. Sem uma grande luta, sem uma grande mobilização popular, sem uma campanha que consiga colocar nas ruas os setores mais combativos do povo, a candidatura de Lula enfrentará sérios problemas. Um apoio meramente formal, como o PSOL eventualmente tende a oferecer, não é senão uma operação de sabotagem disfarçada, uma campanha, de fato, contra Lula.
O cenário político e eleitoral para 2022, como este Diário tem constantemente alertado, será de guerra. As fantasiosas expectativas de uma vitória de Lula a frio e ainda no 1º turno começam a parecer distantes mesmo nas mentes mais ingenuamente otimistas. A ditadura do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) dá indícios de que as arbitrariedades contra os direitos democráticos do povo chegarão a níveis nunca antes vistos. Censura e proibição de plataformas (como o Telegram), reduzidíssimo tempo de campanha eleitoral, regras draconianas para as campanhas de rua, urnas eletrônicas controladas por empresa ligada à direita golpista, impugnações de chapas em nome do “combate às fake news” ― o arsenal da ditadura da Justiça Eleitoral cresce a cada dia.
Para os setores realmente interessados na derrota de Bolsonaro, da direita e do regime golpista, não há tempo a perder. É preciso denunciar e superar a sabotagem da esquerda pequeno-burguesa e lançar imediatamente a campanha em torno da candidatura de Lula. Esperar até junho é aderir ao caminho da derrota. É preciso pôr em marcha a formação dos Comitês de luta em defesa da candidatura de Lula e mobilizar a população, ir aos bairros populares, às portas das fábricas, às escolas e universidades, pintar as ruas de vermelho e fazer uma campanha à altura dos desafios impostos pela luta de classes no país. Se queremos realmente a derrota da direita e da extrema direita, essa campanha precisa começar agora.