Sob a neve, Joaquim e Pedro (agentes da ABIN destacados em Washington) descem do táxi na Pennsylvania Avenue em direção ao Edifício J. Edgar Hoover – sede do Federal Bureau of Investigation (FBI).
O prédio, de arquitetura brutalista, tem política de segurança absolutamente restrita: ninguém acessa sem solicitação e investigação prévia.
Mas não é assim com Joaquim e Pedro.
Ainda limpando a neve dos ombros, os agentes da ABIN atravessam o hall livremente em direção ao elevador. E não poderia ser diferente, pois é como se estivessem mesmo em casa – já que os equipamentos, veículos e o próprio edifício foram financiados pela agência brasileira.
Assim, os agentes brasileiros participam de reuniões, ditam linhas de investigação e até dão ordens aos estadunidenses.
Obviamente, como o leitor já percebeu, nada disso é verossímil e jamais aconteceu em Washington.
Em Brasília, sim.
A atuação livre de agentes da CIA no Brasil, bem como a ingerência da agência estadunidense na Polícia Federal (e nas instituições brasileiras, públicas e privadas) , financiando equipamentos e estrutura, são uma realidade que poucos encaram de frente – o silenciamento (e não raro a ridicularização de quem abre esse debate) é forte e garante o encobrimento.
Em 2009 a ABIN monitorava a atuação dos agentes da CIA Alejandro Nuñez e Guillermo de Las Heras. Oficialmente denominados diplomatas da Embaixada dos EUA, os espiões perceberam que estavam sendo perseguidos numa ação de contra-inteligência da agência brasileira.
O desfecho da história foi surpreendente e revelador: acuados, os agentes da CIA acionaram a Polícia Federal, que montou uma blitz e prendeu os agentes da ABIN.
Aliás, aparelhar e neutralizar a Inteligência brasileira vem sendo uma constante desde o golpe que derrubou a Presidenta Dilma.
Um relatório da ABIN, vazado pelo UOL em 2020, dava detalhes das suspeitas que envolvem a fortuna de Luciano Hang: o custo fixo mensal das lojas Havan era “cinco vezes maior do que o faturamento” da empresa – o que sugeriria uma fonte oculta de recursos.
Nenhuma investigação foi iniciada, a assessoria da Havan chamou o relatório de “fake news” e, por fim, a própria ABIN divulgou comunicado negando a existência do relatório.
Ao UOL, no entanto, as fontes da Abin, da PF e do GSI confirmaram o documento vazado.
Outro episódio significativo foi a queima do nome do chefe da CIA no Brasil através de um “descuido” na divulgação da agenda de um Ministro do governo Temer. O ocorrido foi noticiado pela imprensa brasileira como sendo uma “gafe internacional”.
Então, para a imprensa, o protocolo é manter a identidade e a atuação de ativos da CIA nas sombras?
Duyane Norman, o agente revelado e, portanto, desmoralizado da agência estadunidense, teve que deixar o Brasil e se aposentar. Hoje, dá entrevistas reclamando das dificuldades que os agentes dos EUA encontram para se manter ocultos face aos novos meios de comunicação digitais.
Às vezes, no Brasil, a burrice é mais eficaz que a contra-inteligência.