Estamos nos últimos dias do primeiro mês de 2022 e um fato deixa a população trabalhadora cada vez mais atônita: a ausência das festas de carnaval. O carnaval que no Brasil não é uma festa única é, na verdade, um conjunto de festas que culminam numa convulsão social em finais de fevereiro, é responsável por trazer oportunidades únicas para a maioria da população pobre, a oportunidade de uma diversão autêntica, de trabalhar com prazer e até ganhar um pouco mais mas, principalmente, de ir pra e mostrar quem é e estar com quem quer.
Os decretos dos prefeitos e governadores foram bem rápidos em “determinar” o fim das manifestações com o fraquíssimo argumento da “disseminação da pandemia”, do aumento de casos, e pior, continuam culpando a população de ser responsável. Em completa contradição, por outro lado, vemos as festas privadas, as festas de camarotes, de clubes, de casas de shows, ambientes frequentados pela burguesia, plenamente autorizados e já acontecendo!
Esquecendo a política moralista e punitivista adotada pela esquerda, avalizando a direita já experiente na prática, vamos ao ponto central da problemática. Reprimir uma manifestação popular, a maior de todas, aquela em que o povo se prepara para agir de conjunto é um atentado completo aos direitos democráticos, ao direito irrestrito de pensamento e por conseguinte de manifestação – afinal de contas pensar e não poder expressar é o mesmo que não poder pensar.
As festas populares, aquelas que movimentam o setor mais oprimido e numeroso da população brasileira, são uma culminância do exercício das principal aspecto do que se conhece por “liberdades individuais” – que deveria ser irrestrito e inquestionável e resulta no direito democrático citado. As liberdades de livre pensamento, livre expressão, livre locomoção, que estão sendo sumariamente atropelados numa tacada só com a política anti-carnaval.
Para entendermos o tamanho do abuso, basta lembrar como a culminância do carnaval atual se desenvolveu. Foi nas ruas dos bairros operários, nas rodas de samba, nas festas de largo, nas festas religiosas, nas procissões e nas festas de bailes, por exemplo. Hoje, olhar para trás e pensar em proibir as pessoas de irem à rua – muitas vezes a rua de casa, a praça do bairro, a calçada dos vizinhos – de fazer qualquer uma dessas atividades parece ridículo, sem sentido e autoritário. Assim como querer proibir o próprio direito de estar na rua, de ir e vir, de estar em espaços públicos.
O que destaco é que, em primeiro lugar, as festas populares e, principalmente, o carnaval é uma manifestação das pessoas e não deve depender de autorização estatal. É como querer regular se você vai à rua para trabalhar ou para outra coisa como conversar com o vizinho, para sentar na calçada ou para “andar por aí” simplesmente. E não me venham com o argumento de “ah, é muita gente, é uma multidão na rua que precisa ser controlada”.
Usar esse argumento depois de dois anos de pandemia com ônibus, trens e metrôs lotados é um escárnio na cara do trabalhador pobre. Como acentuou um famoso meme “aglomerar no ônibus pode” ou, melhor, como deu o tom político adequado, os trabalhadores chilenos em 2019: se podemos trabalhar, podemos protestar!
Para completar, as festas de carnaval são para o setor mais pobre e explorado da população – aquele que está aos milhões sem emprego, sem auxílio social, morando em condições sub humanas – uma das poucas oportunidades do ano para juntar a família para tirar uma grana para garantir o sustento de alguns dias vendendo bebidas, alimentos, materiais recicláveis, fazendo um bico nas festas da burguesia. O que torna a política tocada por prefeitos e governadores praticamente de todo o país uma política criminosa que tira o sustento, ainda que parco, de milhões de pessoas nesses três primeiros meses do ano, e não coloca nada em seu lugar.
Como vimos desde o começo da pandemia, para evitar de gastar o orçamento público com o povo pobre trabalhador os governantes adotam uma política autoritária, repressiva e que solapa de vez o resquício de democracia que ainda existe no país. Vimos esta política ao não haver a compra e aplicação de milhões de testes para que o trabalhador que sempre esteve nas ruas e nas aglomerações do trabalho, pudesse testar e se cuidar, além do próprio governo poder criar meios de controle racionais, vimos essa política na não contratação de médicos e técnicos de saúde em uma quantidade realmente grande para agir diferente, já que se dizia que “estamos em guerra contra o vírus” (pura balela). Vimos essa mesma política para decretar o fim das parcas medidas de restrição, quando os empresários decretaram que não dava mais para aguentar as medidas, pois “não dava pra ficar pagando auxílio pra esse povo todo”. A política de não investir no povo e deixar os recursos públicos para serem consumidos pela grande burguesia, pelos monopólios, pelos latifundiários e especuladores financeiros (banqueiros) principalmente.
Querendo fazer, haveria incontáveis formas de garantir eventos em espaços abertos que representariam um risco muito menor, criando diversos pontos de festa pela cidade, reduzindo a capacidade, aumentando o número de funcionários públicos para orientar a população, organizando e dando condição aos trabalhadores, dando um sistema de transporte descente para os bairros periféricos em volume suficiente. Ou seja, muitas das condições que as festas privadas terão e que os governantes, os mesmos profetas da Covid que atacam diuturnamente o trabalhador de ser o disseminador do vírus, farão questão de não intervir.