Mineiro de Boa Esperança, Nelson Freire morreu há 5 dias, no dia 1 de novembro de 2021. Considerado entre os mais geniais pianistas de todos os tempos ele aparece, somente depois de morto, com algum destaque na imprensa brasileira, depois de uma carreira brilhante mundo afora. Nelson tocou com as principais orquestras, ganhou diversos prêmios internacionais e se apresentou nas principais salas de concerto. Gravou diversos discos com as obras dos principais compositores de piano e em 2003 foi lançado um documentário contando sua trajetória prodigiosa.
O pequeno destaque dado ao artista no Brasil, quando vivo, tem explicações. Primeiro, não há interesse em difusão cultural no país, ficando a arte erudita restrita a círculos intelectuais.
Depois o período de sua juventude, quando impressionava plateias pelo virtuosismo precoce, o Brasil passava por uma ditadura que obrigou todos que podiam a procurarem refúgio fora daqui.
Nelson Freire impressionou a família aos 3 anos, quando tocou melodias que havia memorizado apenas ouvindo as aulas da irmã. Aos 5 anos deu seu primeiro concerto e levou a família a se mudar para o Rio de Janeiro em busca de professores que pudessem acompanhar o rápido aprendizado do garoto. Aos 12 anos ficou em 9º lugar em um concurso internacional de piano, apresentando um Concerto para Piano de Beethoven. Premiado com uma bolsa de estudos por JK ele partiu para Viena, daí sua carreira é uma sequência de feitos até o final da vida, sendo aclamado onde tocava.
Ao contrário do que diz o senso comum, que coloca a música erudita como sendo algo que apenas iniciados poderiam compreender e assim a burguesia tira o acesso dos trabalhadores à alta cultura, as apresentações de Nelson Freire comoviam tanto músicos e críticos especializados quanto o público leigo. Ouvi-lo tocar poderia provocar alguma dúvida se era realmente piano, tão único era o som que ele conseguia tirar do instrumento. Era praticamente uma unanimidade e não demonstrava nenhuma arrogância, tratando seu próprio talento com muita naturalidade, o que fica claro no documentário com seu nome.
Em 2016 foi homenageado pela UFMG, recebendo o título de Doutor Honoris Causa, quando o reconhecimento do saber é concedido pela honra, sem passar pela tradição acadêmica.
Seguindo a preferência pela presença do público como outras lendas do piano, como Sviatoslav Richter e Arturo Beneddetti Michelangelli, Nelson Freire era um músico de palco. Brilhava ao vivo, solo, em grupos pequenos, duetos ou acompanhado de Orquestra. Uma das suas parcerias mais destacadas foi com a pianista argentina Martha Argerich com quem ele se apresentou inúmeras vezes. Seus principais CD’s foram gravados ao vivo e só realizou gravações em estúdio depois de muita insistência das gravadoras, defendendo que a música só seria possível ao vivo.
Foi casado com o médico Miguel Rosário que morreu há alguns anos. Era parente de diversas celebridades brasileiras como Rubem Alves, Selton e Danton Melo, Wagner Tiso, Fátima Freire, Aureliano Chaves e outros. Mesmo assim, nunca foi tratado com destaque pela imprensa golpista brasileira, que dá atenção a tudo que é importado, mas ignorou um dos maiores pianistas do mundo, nascido no Brasil.
Já no exterior, Nelson Freire sempre foi aclamado como um dos maiores pianistas brasileiros provocando uma contradição que faz alguns estrangeiros pensarem que o Brasil tem uma tradição de Ensino de Música erudita bem estabelecida. Sendo na verdade a exceção que demonstra ser possível um garoto do interior de Minas desenvolver o domínio de um instrumento típico da música europeia com tanta genialidade mesmo sem acesso a escolas de música no Brasil.
Nelson Freire sofreu uma queda caminhando na calçada em 2019, quebrou o braço e não pôde voltar aos palcos por conta da pandemia de COVID-19. Os amigos próximos relatam que ele se andava muito triste, pois acreditava que nunca voltaria a tocar como antes.