A morte não foi o final da controvérsia que cercou Abimael Guzmán durante toda a sua vida. Agora, o Peru debate o que fazer com o cadáver do fundador do grupo Sendero Luminoso, responsável pela oposição à ditadura imperialista imposta pelo governo Fujimori. A Promotoria decidirá por esses dias se entrega seu corpo aos seus familiares ou o reduz diretamente a cinzas. Os golpistas peruanos temem que o local em que seu corpo possa ser enterrado se transforme em um lugar de peregrinação.
Guzmán, um líder ideológico que planejou nas sombras centenas de incursões insurrecionais pelo país, morreu no sábado 11 de setembro aos 86 anos em uma prisão militar de segurança máxima em Lima. Estava preso desde 1992. Duas semanas depois de ter sido capturado, foi exibido publicamente em uma jaula, vestido com uma roupa listrada. Não se sabe quase nada de sua vida entre as grades. A última notícia dada foi de que sua saúde havia piorado no começo de julho. A autoridade penitenciária comunicou à época que ele se recusava a comer e a ser enviado a um hospital, mas aceitou por recomendação de seu advogado. Após alguns dias hospitalizado, voltou ao presídio. Dois meses mais tarde, morreu por pneumonia.
Oficialmente, o cadáver de um preso é entregue aos seus familiares após um promotor investigar as causas da morte. Mas não estamos falando de um caso qualquer. Guzmán foi taxado como terrorista no Peru, assim transformado na face do mal. Suas ações revolucionárias foram mostradas pela imprensa imperialista como algo horrível. Em uma ocasião mandou matar de pessoas a machadadas. A única familiar do morto é Elena Iparraguirre, esposa e número dois do Sendero Luminoso. Foram presos no mesmo dia. Ela continua presa. No domingo 12/09, uma amiga da viúva se apresentou com uma carta procuração na Terceira Promotoria de Callao para pedir que entreguem a ela os restos, ainda que tecnicamente deveria ter apresentado um mandato.
O governo prefere que o corpo seja cremado para acabar com o assunto de uma vez por todas, assim evitando qualquer tipo de incursão popular no país. O ministro da Justiça, Aníbal Torres, esclareceu que eles não têm atribuição sobre o caso, mas preferem que seja assim. “O Ministério Público deve analisar o ordenamento jurídico fazendo prevalecer a ordem pública e, desse modo, evitar que seja enterrado como qualquer outro preso, o que faria com que prestassem culto e homenagem a ele e isso seria crime de apologia ao terrorismo. Para isso deveria realizar a incineração do cadáver, para que encerremos definitivamente com isso”, comentou na rádio Exitosa.
Essa declaração deixa bem claro que o governo peruano, embora seja um governo de esquerda, não está disposto a bater de frente com o imperialismo. Em uma publicação em seu perfil no Twitter, o presidente do Peru escreveu: “Faleceu a cabeça terrorista Abimael Guzmán, responsável pela perda de incontáveis vidas de nossos compatriotas. Nossa posição de condenar o terrorismo é firme e indeclinável. Somente na democracia construiremos um Peru de justiça e desenvolvimento para nosso povo.”
Está bem clara a posição da política imperialista e de acordos com a burguesia e mais uma vez o povo é deixado de lado, esta declaração denigre todo o caráter revolucionário do Sendero Luminoso.
Por outro lado, congressistas de oposição e líderes de opinião exigem que o Executivo aprove um decreto supremo para desaparecer com os restos de Guzmán. A parlamentar fujimorista Rosangela Barbarán rechaçou a ideia que os joguem no mar. Um ex-ministro do Interior do Governo de Ollanta Humala concordou com ela: “Não devem contaminar o mar de Grau com suas cinzas”, disse na terça-feira na emissora Radioprogramas José Luis Pérez Guadalupe, que também é especialista em assuntos penitenciários.
Em paralelo, na manhã de segunda-feira 13/09, seis congressistas de partidos de direita foram à sede da Promotoria de Callao, onde está o cadáver de Guzmán desde sábado 11/09. Alguns deles espalharam no sábado a frase “Queremos ver o corpo”, enquanto no Facebook e aplicativos de mensagem algumas pessoas difundiam a versão de que um helicóptero havia levado Guzmán, vivo. A Promotoria comunicou a eles as diligências que realizou desde o envio do cadáver. Um dos porta-vozes da campanha de Keiko Fujimori sobre uma suposta fraude eleitoral também questionou a versão da morte de Guzmán, da mesma forma que políticos do partido Aprista. “Os peruanos começam a exigir que mostrem o corpo de Abimael Guzmán. Suspeitam que não é verdade que morreu e que este Governo o libertou”, tuitou Daniel Córdova, ex-candidato ao Congresso.
“Vemos que a Promotoria e o Instituto Nacional Penitenciário estão agindo apegados à lei, mas por outro lado os políticos em Lima e nas redes vociferam sem parar um minuto para pensar e respeitar a dor alheia. Por exemplo, os que foram vítimas do Sendero Luminoso em Huanca Sancos, após a morte de Guzmán continuam com sua vida: o silêncio diz mais sobre o incomensurável da dor que o vociferar”, comenta Ulfe. “Os que gritam sobre o corpo de Guzmán fazem como ele, ‘incendiar a pradaria’. O silêncio e a cautela seriam necessários nesse momento porque o clima político está muito polarizado: não há espaços de diálogo”, diz a pesquisadora.
Gisela Ortiz, irmã de uma das vítimas do destacamento do Exército Colina —criado durante o Governo de Alberto Fujimori para sumir com opositores— comentou que a morte de Guzmán evidencia a falta de uma legislação pós-conflito. “Como Estado não identificamos esses vazios legais em 20 anos. Como se procede, quem decide? Há o mesmo vazio à restituição de corpos enterrados não identificados”, afirmou.
A própria promotora-geral, Zoraida Ávalos, reconheceu na segunda-feira o vazio legal: indicou que não há um marco normativo para que o Ministério Público ordene a incineração do cadáver de Guzmán, mas disse que o promotor decidirá considerando o impacto social da questão.
Como parte da controvérsia, os opositores do Governo pedem que o Executivo envie uma mensagem mais contundente após a morte do chefe do Sendero Luminoso. Frequentemente, durante a campanha, seus inimigos tentaram identificar Castillo com o terrorismo, somente pelo fato de ser de esquerda. No domingo, em um ato em Cajamarca, o presidente Pedro Castillo afirmou que seu Governo continuará “lutando contra o terrorismo”.
Com todas estas declarações fica claro o trabalho do imperialismo no Peru, as pessoas entrevistadas e consultadas pelo periódico El país foram “escolhidas” assim transcrevendo somente o que é de interesse dos países imperialistas.
É preciso denunciar e não deixar que a imagem do Sendero Luminoso seja manchada, e que lembremos do caráter revolucionário do grupo em um momento de forte repressão no país.