Nenhum partido de esquerda teve a coragem de levar suas bandeiras para o comício eleitoral de João Doria no dia 12 de setembro. O que, no entanto, não impediu que seus dirigentes, especialmente os mais integrados ao regime, de irem e discursarem sob os aplausos do MBL e do Vem pra Rua.
É o caso do PSOL, que se fingiu de morto quando a sua deputada estadual Isa Penna (SP) subiu no carro de som ao lado de Kim Kataguiri, e do PCdoB, que viu Orlando Silva (SP) debochar de todos os militantes de seu partido que atuaram na luta contra o golpe. Um caso, no entanto, é ainda mais ridículo: o da União Nacional dos Estudantes (UNE).
A direção da UNE acumula décadas de tradição pelega. Mais recentemente, essa direção, ao se ver diante de uma mobilização gigantesca, que poderia colocar o governo Bolsonaro abaixo, que foram as manifestações do primeiro semestre de 2019, fez de tudo para censurar o “Fora Bolsonaro”, sentou-se à mesa com o ministro bolsonarista Abraham Weintraub e colocou tudo a perder.
Esse grupo político é comandado pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB). É uma burocracia, que conseguiu se acomodar no movimento estudantil em um período de maior refluxo.
Essa política direitista do PCdoB na direção da UNE tem levado a inúmeras crises no interior da entidade. A ponto de, embora fosse a política de setores dirigentes do PCdoB, a direção da UNE não conseguiu aprovar a participação da entidade nos atos de 12 de setembro do MBL e de João Doria. E o motivo é simples: a participação da UNE jogaria ainda mais lenha na crise em que a entidade se encontra.
A presidenta da UNE, no entanto, ignorou sumariamente a decisão da direção da qual ela faz parte. E não se trata de nenhuma liderança, que tenha uma voz importante no movimento estudantil. Não houve um racha no qual Bruna Belaz tenha expressado uma determinada posição. Ela é ninguém, é uma pessoa que ascendeu à presidência da UNE há menos de três meses. Nunca liderou uma greve, nem qualquer movimento: é uma pessoa de relativa confiança do PCdoB que foi colocada no cargo para garantir que os interesses de seus chefes sejam atendidos.
Embora tenha contrariado a decisão da direção, Bruna Belaz também não sofreu qualquer sanção da UNE, o que é absurdo. Afinal, sua atitude é de uma traição a todos os estudantes do País. Não é só que ela, por fazer parte de um grupo pelego, que controla a entidade por meio de mecanismos burocráticos e antidemocráticos, que não chama assembleias, que não discute com suas bases e que fez o seu congresso de forma virtual, tomou uma decisão contrária aos interesses dos estudantes. Ela, enquanto representante da UNE, rasgou todos os votos que supostamente os estudantes teriam dado à direção. Que legitimidade teria sua atitude?
O que esse exemplo deixa claro é que, em primeiro lugar, a direção da UNE não é uma direção séria de um movimento. Não está minimamente preocupada com os interesses de suas bases, nem mesmo se preocupa em convencer suas bases de que sua política pelega seria a melhor. É, neste sentido, uma burocracia que daria orgulho ao ídolo do PCdoB, o contrarrevolucionário Josef Stálin.
Em segundo lugar, que o PCdoB, que foi quem determinou a participação de Bruna Belaz no ato do dia 12, é um partido comprometido até a medula com a direita golpista. Um partido que não mede as consequências para fazer com que os interesses dos inimigos do povo sejam atendidos. De maneira totalmente irresponsável, é incapaz de colocar na balança: que consequências gravíssimas isso pode gerar no interior da UNE? Quantos e quantos militantes e dirigentes da UNE não ficarão desmoralizados porque sua representante está se confraternizando com quem defende a privatização das universidades, o fim das cotas etc.? Quantos estudantes não poderão abandonar a UNE e adotar uma posição política de direita por perder as esperanças na entidade que deveria lhe representas? Agora, no outro prato da balança, fica: o que efetivamente ganharam Isa Penna, Bruna Belaz, Orlando Silva e o PCdoB? Ganharam bilhões de reais, ganharam um ministério, elegeram uma bancada inteira de deputados? Não, apenas ganharam o sorriso amarelo de uns direitistas que não colocam 5 mil pessoas nas ruas em todo o País.
E mais: esses direitistas, que não têm nada de concreto a oferecer à esquerda, também não estão minimamente interessados em ajudar a esquerda. Nem mesmo fingem se importar com o povo ou estarem arrependidos: votaram, há pouco, a liquidação dos Correios.
O “lucro” de toda essa palhaçada só está nos bolsos de meia dúzia de dirigentes. Em troca da desmoralização de todo o movimento, vão, com muito esforço — e sem garantia alguma — arrancar algum elogio da Folha de S.Paulo que poderá ser barganhado, em 2022, 2024, 2026 ou seja lá quando por alguma esmola do regime golpista.
A terceira e última conclusão importante é a da farsa do identitarismo. A atual presidenta da UNE foi apresentada como a primeira “mulher negra” e “nortista” a se tornar a dirigente máxima dos estudantes. Seria uma “grande vitória”. Agora, vê-se que não há vitória alguma. Pelo contrário: a direção da UNE usou a “embalagem” da “mulher negra nortista” para ocultar o seu verdadeiro conteúdo. Isto é, que a sua nova presidenta é uma direitista, fantoche da burocracia, disposta a tudo por um cargo, inclusive pisar em cima de todas as mulheres, negras e nortistas que encontrar pelo caminho.