Qualquer pessoa normal que visse um policial de dois metros de altura, armado até os dentes, espancando uma mulher indefesa, não hesitaria em tomar partido da moça. Se, na pior das hipóteses, não tivesse coragem de se indispor fisicamente com o valentão fardado, no mínimo torceria para que algum percalço acabasse libertando a vítima de seu agressor. Para uns lunáticos que se autodeclaram marxistas, no entanto, isso não seria tão óbvio assim.
Se estivessem diante da mesma cena, os “intelectuais” do PSOL, do PCB e demais facções da esquerda antipetista, perguntariam: “mas e essa moça, ela vale à pena ser defendida?” “Ouvimos falar que ela traiu o marido em plena lua de mel, não seria o caso de deixá-la apanhar mais um pouquinho?” “Ela esqueceu de dar a ração do gato persa dela na quarta-feira passada, ela tem que sofrer mesmo”.
Essa posição covarde e profundamente moralista veio à tona com a queda de Cabul para o Talibã. Dezenas de “marxistas” que confundem a luta de classes com Currículo Lattes deixaram de comemorar a vitória monumental do povo afegão sobre o exército imperialista norte-americano porque, supostamente, o grupo insurgente seria “misógino”, “homofóbico” etc. Largaram mão de celebrar essa que foi, provavelmente, a vitória mais contundente dos oprimidos contra o imperialismo do terceiro milênio, porque quem se revoltou contra os inimigos da humanidade não seriam puros como eles.
E de fato não são. Os guerrilheiros do Talibã nada têm a ver com os professores universitários do PSOL e do PCB. Não são pós-graduados, não leram Lukács e Foucault, não usam linguagem neutra, não falam alemão, nem nada parecido. Usam chinelos, mal têm o que comer e sua maior posse é um velho fuzil de assalto. São a expressão de um povo miserável, tribal, que sequer conheceu o modo de produção feudal.
Mas apesar de serem esses seres bárbaros, os guerrilheiros do Talibã fizeram aquilo que todos os verdadeiros marxistas deveriam aplaudir. Em vez de fazer discursos no parlamento ou piadinhas no Twitter, pegaram em armas e expulsaram de suas terras os maiores parasitas e inimigos do progresso, a burguesia imperialista. Já os mesmos “marxistas” não só não estão atuando hoje para derrubar o governo Bolsonaro — estavam todos eles, até maio deste ano, na política do “fique em casa” — como, pasmem, decidiram condenar quem fez aquilo que eles jamais tiveram a coragem de pensar em fazer.
O que aconteceu no Afeganistão é tão simples como a cena retratada no início deste artigo. De um lado, a polícia do mundo, o imperialismo, armado até os dentes, com um investimento de guerra de um trilhão de dólares. De outro, um povo miserável, cujo PIB é um pouco maior que o do Piauí. De que lado os “marxistas” decidiram ficar?
Defender o imperialismo e ainda dizer-se marxista é uma contradição insustentável. E é por isso que os intelectuais da esquerda pequeno-burguesa que capitularam diante do imperialismo no caso do Afeganistão tiraram da cartola uma explicação fantástica: não apoiam o imperialismo — pois seriam “marxistas” —, nem apoiam o Talibã — pois são muito moralistas. O que significa que apoiam uma força política no Afeganistão que é anti-imperialista e, ao mesmo tempo, progressista em relação às mulheres, aos homossexuais e às minorias. Mas essa força política não existe!
Ou seja, na luta entre o Talibã e Joe Biden, os “marxistas” do PCB e do PSOL apoiam o pato Donald. Ou o papai Noel, ou o coelhinho da Páscoa. Tanto faz. Apoiam algo que não existe, uma criação feita nos laboratórios de quem analisa a luta de classes a partir da Academia. E nem poderia existir: para que um país tão atrasado tivesse uma esquerda laica, civilizada e progressista em relação às mulheres, o país teria de se desenvolver bastante e se livrar da pressão imperialista.
Os “marxistas” moralistas não são cientistas de verdade. Não analisam os fenômenos de modo materialista, não examinam as relações concretas. Com tudo o que acontece, respondem com uma fórmula tirada de seus livros de feitiçaria. E é por isso que se dão ao luxo de serem tão moralistas: são inimigos ideológicos do marxismo, são xamãs do idealismo. E como todo idealismo, o moralismo dos “marxistas” do PCB e do PSOL serve à classe dominante: a defesa do partido do unicórnio é o mesmo que negar apoio ao povo afegão. É a defesa do imperialismo.




