A Colômbia atualmente conta com quase 60 dias seguidos de mobilização da população. Com protestos em todas as regiões do país, nossos irmãos latinos tomaram uma decisão necessária frente à alta repressão da polícia e os ataques constantes do governo de Iván Duque: a formação de grupos de autodefesa.
Esses grupos têm a juventude como linha de frente e seu principal objetivo é resistir aos ataques da polícia na manifestação. De acordo com os dados completos mais recentes do Observatório de Direitos Humanos, o número de feridos atinge cerca de 2 mil, sendo 50 assassinados e 84 pessoas desaparecidas — esses números, entretanto, são maiores visto que, até o fechamento desta matéria, foram noticiados pelo menos mais dois manifestantes mortos durante as manifestações. Uma reportagem da correspondente do Brasil de Fato no país noticia que o número de mortos passa de 70 e que cerca 2800 pessoas foram presas arbitrariamente — ainda existem as dezenas de denúncias de estupro e de lesões oculares sofridas pelos manifestantes e causadas pela polícia.
“Escudos Azuis nasceu há mais ou menos um ano e meio, durante a outra paralisação nacional, no dia 21 de novembro de 2019. Nasce como uma chama que vinha sendo gestada há muito tempo, com as greves camponesas, indígenas, sindicais e populares. Tomamos a decisão depois da morte de Dilan Cruz, que foi como um símbolo muito importante no território colombiano, que nos leva a ir às ruas, a organizar espaços de resistência”, relata Juan Gonzáles, da organização Escudos Azuis, que resiste à repressão policial nas manifestações colombianas.
“Temos esperança com o fato de que a juventude começou a ocupar as ruas, acredito que a juventude sempre esteve muito presente. A juventude sempre foi precursora de movimentos sociais que impactaram o poder que se instituiu na Colômbia”, afirma.
A manifestação começou contra as decisões do governo de Iván Duque, até passar a ter o caráter contra seu governo como um todo, com as exigências de estabelecimento de um governo popular. O dito estouro da manifestação ocorreu após a morte de Dilan Cruz, assassinado pelo Esquadrão Móvel Antimotim (Esmad), principal responsável pela repressão das manifestações até os dias de hoje.
“O controle militar dos protestos foi focado nos jovens. Não é qualquer jovem, é o jovem pobre. São os moradores das comunas, dos bairros pobres que sofreram a maior repressão militar contra os atos”, relata o psiquiatra e membro da Rede Popular de Primeiros Socorros Juan David Páramo.
Recentemente vimos uma tentativa de frear os atos por parte das centrais sindicais que afirmaram que iriam abandonar a mobilização. Entretanto, seguindo a política aguerrida que vimos até agora, a população colombiana rejeitou esta ação e formou assembleias populares e decidiu pela continuação da mobilização, algo que efetivamente está sendo cumprido.
“Exigimos uma reforma policial e o desmonte do Esmad. Quando estou frente a eles sinto temor, mas não posso me render, porque sinto que o que estamos fazendo é histórico, estamos conquistando muitas coisas. Ainda que muitos nos chamem de vândalos, que não nos escutem, que nos tratem mal, eu não me importo. Sinto que estamos fazendo o que é certo, estamos construindo assembleias populares, estamos falando com as comunidades […] As instituições não devem decidir pelo povo, o povo deve decidir pelo próprio povo. Esse é o horizonte popular pelo qual lutamos.”, relata o manifestante da linha de frente, Luis Artigas.
As ações tomadas pelo povo colombiano devem servir de exemplo para nós. São quase dois meses seguidos de manifestações e os relatos acima são a prova de que o povo tem total capacidade de se organizar para se defender contra os órgãos repressores do Estado e as milícias paraestatais da extrema-direita.
Essas manifestações ocorrem em um cenário de crise em toda América Latina, quase todo o país do continente está convulsionado por algum motivo e isso foi agravado com o aprofundamento da crise causado pela pandemia, jogando esses países numa espiral de miséria, fome, desemprego e catástrofe.
A mobilização no Brasil está só começando e deve ter diversos destes aspectos em mente. Bolsonaro, assim como o resto dos golpistas e da burguesia, não vão ficar assistindo as mobilizações crescerem de braços cruzados — a repressão do povo pobre é diária, assim como pode ser vista no massacre do Jacarezinho e nas tantas outras vítimas da repressão espalhadas pelo Brasil, e tende a crescer com a radicalização da população.
É por isso que a esquerda deve ter como pauta a questão do armamento amplo e irrestrito. Além disso, é também necessário pedir o fim de todas as polícias — a população precisa ter o direito de se defender contra as forças de repressão, sendo ela responsável pela sua própria segurança por meio da criação de comitês de autodefesa, seguindo o exemplo dos colombianos. Assim como eles, é preciso formar esses grupos nas manifestações, para impedir a infiltração de elementos desestabilizadores da extrema-direita, os quais a burguesia tentar infiltrar nos atos para destruí-los.