As contradições internas da burguesia podem e devem ser exploradas, mas é preciso ter uma política própria e independente para impulsionar a luta da classe trabalhadora. Um caminho certo para a derrota é ficar a reboque da direita, como muitos setores da esquerda têm ficado no atual cenário político. Uma hora, se alinham ao autoritarismo do STF, na outra, acenam para o chamado “centrão”, que reúne os setores mais tradicionais da burguesia nacional.
É importante ter clareza sobre o que está em disputa entre setores da burguesia nos embates atuais. Não se trata nem de longe, em uma oposição entre uma burguesia democrática e outra fascista. Bolsonaro é horrível, mas não é tão pior do que os outros capachos do imperialismo dos partidos mais tradicionais da direita. Esses políticos, que procuram se diferenciar do atual e ilegitimo presidente, atuam de forma quase igual ou pior e encobrem sua disposição fascista com discursos mais moderados do que Bolsonaro. Justamente por contar com uma base militante de extrema-direita, ele precisa fazer uso desses discursos mais agressivos. Na prática, porém, muito pouco muda.
O circo da atual CPI da Covid alimenta ilusões apenas para quem deposita suas fichas no setor mais poderoso e longevo da direita. Conforme avança esse processo farsesco, fica cada vez mais evidente que não existe uma disposição firme desse setor em derrubar sumariamente o atual governo. Se trata apenas da tentativa de emplacar um candidato menos problemático. Como ficou claro desde o começo do seu governo, Bolsonaro é uma fonte incessante de crises políticas e tende a desestabilizar o regime político.
Em 2018, os candidatos tradicionais da burguesia, mesmo com todo o dinheiro e tempo de exposição nos monopólios da imprensa, tiveram votação ridícula. Se não conseguirem emplacar ninguém até 2022, eles vão de Bolsonaro de novo. Não podemos ter dúvidas em relação a isso. Ignorar fatos tão recentes parece extravagante demais para a esquerda, mas nunca deixamos de nos surpreender. A esquerda precisa ter claros os seus objetivos políticos e a sua tarefa de impulsionar a luta popular contra o inimigo de classe do povo.
Lula foi impedido de participar na última eleição presidencial e pode ser impedido novamente se a esquerda ficar de braços cruzados. A disputa na burguesia vai definir o candidato que possa derrotar o PT. De preferência, alguém menos escatológico do que Bolsonaro, que aplique com menos turbulência o pacote de maldades da direita para o povo. Definido o representante eleitoral da burguesia, o PT voltará a ser intensamente atacado, pela imprensa, pelo judiciário e por todos os instrumentos de poder da classe dominante.
O abutre Ciro Gomes, que em 2018 apareceu como uma suposta alternativa de esquerda ao PT, mostra agora mais claramente para que veio. Herdeiro político da oligarquia cearense, procurou se apresentar como um candidato “progressista” e “desenvolvimentista”. Só compra quem não conhece. Como a pauta atual da burguesia é definir seu candidato para disputar as eleições no ano que vem contra o PT, Ciro deixa claro que está disposto a representar a burguesia nessa missão.
Assim como na Bolívia e no Chile, recentemente, os resultados eleitorais não vieram de acordos com a burguesia, apesar da tara que a esquerda parlamentar de todo o mundo nutre por esses acordos. Foi o povo mobilizado nas ruas, em duros embates com os órgãos de repressão, que puxou as votações para o polo oposto ao regime político. No Brasil, e em qualquer outro País, o mesmo fator ocupa espaço fundamental na estratégia da esquerda. Enquanto a burguesia escolhe seu candidato, a esquerda precisa garantir o seu.
É preciso garantir a candidatura da liderança mais popular do país nas ruas. Não existe disposição da burguesia, hoje, para deixar que o ex-metalúrgico volte à presidência. Sem mobilização, fica muito fácil utilizar um dos muitos processos contra ele para inviabilizar sua candidatura. Com o povo nas ruas, o jogo complica para a burguesia. E ela não cederá por pouco, é preciso impor a vontade popular, com todas as forças das quais dispusermos.
Não há tempo para ilusões. Enquanto a esquerda torce pelo STF ou pelo congresso, a burguesia prepara mais um ataque contra a esquerda nas eleições. Foi assim em todas as eleições por aqui e 2022 não será diferente.