Vinte e sete “criminosos” e um policial mortos. Esses são os números da chacina de Jacarezinho, no Rio. Curiosamente, a relação de 27 para 1 reflete com precisão a proporção entre o número de pessoas assassinadas pela polícia e o número de policiais mortos nacionalmente no ano de 2020, respectivamente 5.660 e 198.
A proporção de 27 pessoas assassinadas para cada policial morto se manteve em 2020 no Estado do Rio de Janeiro, onde 1.239 pessoas foram mortas pela forças policiais que perderam 44 de seus agentes naquele ano. O massacre ocorrido na semana passada nada mais foi do que a rotina das periferias de todo o Brasil, e dos morros e favelas do próprio Rio de Janeiro, condensada em umas poucas horas.
As estatísticas são do Monitor da Violência, cujos estudos foram divulgados a menos de um mês pela imprensa em um artigo avalizado por Renato Sérgio de Lima e Samira Bueno, diretores do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, e pelo jornalista Bruno Paes Mando, do Núcleo de Estudos da Violência da USP.
Mas, para a própria polícia, a realidade é outra: “’Pseudo entendidos’ de segurança pública criaram uma lógica de que, quanto mais inteligência, menor o confronto. Isso não funciona assim. Quanto mais precisa a informação, maior é a resistência do tráfico (…) A Polícia Civil não age na emoção. A operação foi muito planejada, com todos os protocolos e em cima de 10 meses de investigação“, disse Rodrigo Oliveira, delegado e subsecretário de Planejamento e Integração Operacional da Polícia Civil do Rio de Janeiro, no dia seguinte ao massacre.
A chacina de Jacarezinho mostrou que a morte não precisa pedir licença, isto é, não precisa de sentença, mandado, julgamento nem nada. A polícia decretou: eram todos criminosos. Foi o suficiente a ação da Polícia Civil do Rio, que provocou o maior massacre na história do Estado quando tinha mandado para prender 23 pessoas, das quais três foram mortas e outras três detidas. Os demais mortos tiveram o azar de cruzar o caminho dos policiais. Mas eram todos “criminosos”, nas palavras do vice-presidente, general Hamilton Mourão e, por isso, foram devidamente executados em uma operação “normal”, “corriqueira” e “perfeitamente dentro da lei”. E a lei é essa: a pena de morte legalizada na ponta do fuzil do policial que atirar primeiro.
Eu, você e todas os outros milhões de brasileiros que não temos por costume atirar pela costas das pessoas em uma favela podemos nos enquadrar nessa rubrica de “pseudo entendidos de segurança pública”. Os únicos especialistas em assassinatos são os próprios policiais.