As palavras expostas pela escritora mineira Carolina Maria de Jesus continuam vivas. Infelizmente, neste caso, não na sua obra literária, mas da sua saga de vida. Apesar de toda sua importância literária, suas netas Lilam (48), Adriana (40) e Elisa (45), hoje passam necessidade, vivendo uma espécie de Quarto de despejo: Diário de uma favelada 2.
Elas são filhas de um dos três filhos de Carolina, José Carlos, que vivia em condição de alcoolismo e mendicância antes de morrer. As herdeiras amargam a invisibilidade a qual a sociedade brasileira destina aos pobres.
Como vivem os descendentes de uma respeitada e badalada escritora negra do Brasil?
Liliam diz que já chegou mesmo a ter de catar frutas na xepa da feira e a levar marmita com sobras de comida do trabalho para não faltar comida em casa. Ela hoje vive da renda de faxinas e bicos em restaurantes e pizzarias em Jaraguá do Sul (SC).
Adriana mora em São José dos Campos (SP), está desempregada e já viveu do auxílio emergencial e do salário de menor aprendiz recebido pelo filho, hoje vive de doações.
Elisa mora em Interlagos, na zona sul de São Paulo, é mãe de quatro filhos e diz que vive em situação um pouco melhor que a das irmãs, mas que para isso precisa contar com a ajuda da renda de seu companheiro.
As netas de Carolina contam que tentaram aproveitar a visibilidade que eventos poderiam proporcionar à sua situação. Numa live, apresentada pela Academia Francana de Letras, em homenagem à obra da avó escritora, porém, ao tentarem usar o evento para denunciar sobre as necessidades pelas quais passavam, foram excluídas e bloqueadas pela organização. A situação se repetiu poucos dias depois em uma live no Instagram da cantora Adriana Francisco, que também se recusou a dar voz a dura realidade vivida pelas netas de Carolina Maria de Jesus.
A direção do espólio deixado pela escritora, que é hoje considerada um dos maiores nomes da literatura brasileira e já teve sua obra vendida em mais de 40 países, concentra-se hoje majoritariamente nas mãos de sua filha mais nova, Vera Eunice, que se recusa a impulsionar um procedimento de inventário que leve ao compartilhamento da herança com as netas da escritora.
Respeito para Inglês ver
Carolina Maria de Jesus vem sendo atualmente bastante festejada pela burguesia, como não deixam mentir os eventos promovidos pelo Instituto Moreira Salles em homenagem aos 104 anos de seu nascimento.
Apresentado de forma castrada, ou seja, não como palavras de denúncia, não como parte de uma política, mas como um quadro que embeleza e suaviza a pobreza, o legado de Carolina Maria de Jesus cai como uma luva para a demagogia identitária.
A burguesia faz pose de tarefa cumprida para com os pseudo progressistas ao divulgar e aparentemente reverenciar o trabalho artístico de uma mulher pobre e negra. Ao mesmo tempo em que varre para debaixo do tapete o desprezo que dispensa a esmagadora maioria dessa parcela da população, que inclui os descendentes da própria artista a quem finge respeitar.