A prisão do ativista André Constantine, no Rio de Janeiro, e de um rapaz em Uberlândia por ter supostamente incitado a violência contra Bolsonaro deveriam deixar a esquerda de cabelo em pé. E de fato, esses casos devem ser energicamente denunciados como uma prova de que a ditadura no País do golpe avança a passos largos.
Mas alguns setores da esquerda pequeno-burguesa parecem não ter muita noção do perigo que estamos vivendo. Para entender isso, é importante recapitular alguns casos recentes que geraram polêmica entre a esquerda.
O deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ) foi preso após criticar o STF e dizer que sonhava o dia em que o ministro do STF, Edson Fachin, levaria uma surra. Outro ministro, Alexandre de Moraes, mandou prender em flagrante o deputado. Falou, foi preso.
O humorista Danilo Gentili, criticando a votação relâmpago na Câmara sobre a imunidade parlamentar, fomentada pela prisão ilegal de Daniel Silveira, afirmou em seus Twitter que o Congresso só teria jeito se o “povo invadisse e desse uma surra nos deputados”. Um deputado da direita pediu ao STF que Gentili fosse preso. Embora o humorista não esteja preso, fato é que a lógica é a mesma da prisão de Silveira, falou vai preso.
Nos dois casos, trata-se de um atentado à liberdade de expressão. No caso de Silveira, o atentado se agrava por se tratar de um deputado que deveria ter assegurado seu direito de emitir opinião política e o direito de não ser preso por isso, nem por outros crimes. Em última instância, por mais absurdas que possam ser as ideias políticas de Silveira, ele está sendo vítima de perseguição política.
Ironicamente, Danilo Gentili estava contra a votação na Câmara que procurava resguardar os deputados do tipo de perseguição sofrida por Silveira. E ele mesmo, Gentili, está sofrendo da mesma acusação.
Para dissimular o fato de que está se agindo contra a liberdade de expressão, os ministros do STF e os deputados que querem prender Gentili alegam que, tanto num caso como no outro, as opiniões são um “atentado contra a democracia”. Ou seja, a prisão não é por causa da opinião deles, mas por um suposto crime contra as instituições ditas democráticas.
À parte o cinismo, nota-se que existe uma substituição da democracia em seu conteúdo, ou seja, as garantias democráticas do povo, pelas instituições do regime político. O STF não é a democracia; este tribunal não é nada mais do que um instrumento antidemocrático, que não foi eleito por ninguém, que toma decisões de acordo com os interesses dos poderosos. O Congresso Nacional também não é a democracia, ou melhor dizendo, só é na medida em que de fato representa o povo. Mas independente disso, é parte dos direitos da população concordar ou não com essa instituição.
A democracia, portanto, não são as instituições, mas os direitos democráticos. E foram justamente esses direitos que foram suprimidos nos dois casos acima.
A esquerda pequeno-burguesa, em sua maioria, iludida com o regime político, defendeu a prisão de Daniel Silveira. No caso de Gentili, não houve grandes manifestações por parte da esquerda, talvez porque, na falta de princípios, a esquerda tenha se perdido nesse caso. Afinal, Danilo Gentili atacou a sagrada instituição democrática da Câmara, mas era para criticar a política que visava proteger os deputados em relação ao que houve com Daniel Silveira.
Na realidade, falta princípios por parte da esquerda, que abandonou a defesa incondicional dos direitos democráticos, como a liberdade de expressão, para adotar a defesa religioso e reacionário do regime político burguês.
Agora, uma notícia vinda de Uberlândia, deve deixar a esquerda ainda mais confusa. Um rapaz foi preso em flagrante na sua casa por ter comentado e insinuado alguma manifestação contrária na cidade diante da presença de Jair Bolsonaro. A Polícia Militar, que nós sabemos, é um “exemplo de defesa da democracia”, decidiu prender o cidadão.
E agora, fica a pergunta: se Daniel Silveira deve ser preso por falar contra o “democrático” STF, por que o rapaz de Uberlândia também não deve ser preso por “falar contra o presidente”? Afinal, Bolsonaro não foi eleito “democraticamente”?
Para nós, Bolsonaro é um efeito da fraude, mas para a direita, não. Quem tem mais poder? O caso de Uberlândia responde essa pergunta.
Como se não bastasse, o ativista André Constantine foi levado preso em manifestação no Rio de Janeiro por pedir o fim da polícia. O pecado dele foi falar mal de uma instituição tão democrática quanto o STF; não teria Constantine cometido um atentado contra de democracia?
Chegará a hora, se nada for feito e se a esquerda continuar com a política de defender os ataques às liberdades democráticas, que falar fora Bolsonaro pode ser considerado crime. Por que não?
Eis uma amostra crua e cruel dos rumos da política antidemocrática que setores da esquerda estão apoiando.