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Victor Assis

Editor e colunista do Diário Causa Operária. Membro da Direção Nacional do PCO. Integra o Coletivo de Negros João Cândido e a coordenação dos comitês de luta no estado de Pernambuco.

Guilherme Boulos

Quando as uvas caem no chão, a raposa volta lambendo os beiços

Candidato a prefeito de São Paulo pelo PSOL e partidário da frente ampla foi brindado com uma coluna na Folha de S.Paulo

Em um belo dia de sol, em um tempo tão distante que nem mesmo o mais ancião dos homens saberia determinar com precisão, uma solitária raposa, que se achava mais astuta que todos os outros animais, decidiu ir até um conhecido vinhedo de sua região. Extremamente arrogante, a raposa nunca se juntava com outros bichos para caçar, pois assim não teria que dividir com ninguém seu alimento; por outro lado, estava cada vez mais difícil conseguir alguma comida, pois seres muito mais organizados que a raposa cercaram seus galinheiros de tal forma que já não era mais possível invadi-los. Dessa vez, contudo, após ouvir um boato, a eternamente faminta raposa tinha a esperança de que encontraria uma farta safra de uvas que lhe satisfaria pelo resto da vida.

Ao ver a parreira carregada de cachos enormes, os olhos da raposa brilharam. Só que sua alegria durou pouco: por mais que tentasse, não conseguia alcançar as uvas. O bicho pulou uma, duas, três vezes, mas não teve êxito. Por fim, concluiu: na altura em que os cachos estavam, uma raposa jamais tocaria em uma única uva. Por fim, cansada de tantos esforços inúteis, resolveu ir embora, cabisbaixa.

Mas eis que, ao dar alguns passos, a raposa percebeu que estava sendo observada por uma gigantesca fileira de formigas, que, ao mesmo tempo em que trabalhavam carregando seus alimentos, choravam de tanto rir do fracasso da raposa. O bicho, profundamente irritado, mas mantendo seu ar prepotente, deu as costas para as formigas e gritou, tentando sair por cima:

“Por mim, quem quiser essas uvas pode levar. Estão verdes, estão azedas, não me servem. Mesmo que alguém me desce essas uvas, eu não comeria”.

Mesmo em tempos tão remotos, a raposa nos forneceu uma importante lição, que é válida até os dias de hoje: quem desdenha, quer comprar. Ou, traduzindo para uma linguagem mais moderna, quem desdenha, tem recalque.

Não faço ideia de quantas gerações foram educadas ouvindo fábulas como essa. No entanto, temo que as gerações futuras não tenham tanto acesso à produção cultural da humanidade quanto temos hoje. Na medida em que o capitalismo se torna cada vez mais decadente, a ideologia dominante se torna cada vez mais bárbara. Tanto é assim que até mesmo a obra de Monteiro Lobato — um dos que escreveram sobre a raposa e as uvas — está sob o risco de desaparecer pelas mãos de sua própria neta!

A pequena burguesia, copiando orgulhosamente a decadência da burguesia internacional, está em uma campanha frenética para jogar na fogueira toda a cultura humana em nome de seus preceitos morais malucos. Os escritores, atores, músicos, jogadores de futebol e poetas que não tiverem uma conduta moralmente aceitável de acordo com a pequena burguesia estarão condenados ao ostracismo. E como a esquerda internacional, no atual estado de refluxo, é fundamentalmente pequeno-burguesa, essa ideologia reacionária, bárbara e até mesmo fascista pode ser encontrada no meio da intelectualidade pseudoprogressista.

Se a fábula da raposa e as uvas for julgada pela inquisição identitária — afinal, segundo a ideologia frutariana, arrancar a uva de uma árvore é romper o fluxo de vida do fruto (falo sério, isso existe) —, felizmente, já temos uma adaptação contemporânea do conto. Temos, na verdade, uma versão moralmente correta e ainda melhor que a original. Moralmente correta porque seu protagonista é um dos santos da igreja dos identitários. E melhor porque trata-se de uma versão estendida, que conta o que acontece quando a raposa volta ao vinhedo.

Nossa haddadptação da fábula começa no ano de 2013, quando um desconhecido chamado Guilherme Boulos começa a ser bajulado pela imprensa burguesa como uma nova liderança da esquerda nacional. Boulos, na verdade, não passava de um burocrata do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), vindo de uma tradicional família ligada ao aparato tucano do governo de São Paulo, que serviu de garoto propaganda para uma campanha reacionária contra os partidos políticos, o PT e a CUT. Essa campanha acabou fazendo com que as manifestações de 2013 fossem sequestradas pela direita, abrindo o caminho para que a burguesia organizasse os atos futuros pela derrubada do governo Dilma Rousseff.

Em 2014, Boulos deu um grande passo para sua carreira e um pequeno passo para a formação de uma frente ampla vindoura: passou a ser colunista da Folha de S.Paulo, um dos principais órgãos da imprensa golpista brasileira. Naquela época, a burguesia estava em ampla campanha contra o governo Dilma Rousseff para garantir que o candidato oficial do imperialismo, Aécio Neves (PSDB), vencesse as eleições. E foi tão somente por isso que Boulos foi convidado para escrever no jornal direitista: o burocrata do MTST foi a principal liderança da campanha golpista “Não vai ter Copa”.

Boulos continuou recebendo seu salário na Folha de S.Paulo para fazer campanha contra o PT até o início de 2017. Naquele ano, como a burguesia já havia derrubado o governo Dilma Rousseff, Boulos foi demitido do jornal golpista. Seus serviços já não eram mais necessários. Quando foi despejado do espaço que ocupava na Folha a pedido de seus próprios donos, Boulos reagiu com o mesmo desdém da nossa quista raposa:

“Não estranhei. Estranhei, na verdade, que essa ligação tenha demorado tanto tempo para acontecer. Tenho posições antagônicas às do jornal e, principalmente, uma militância que incomoda a maior parte dos leitores e anunciantes que o mantém. (…) Saio pela porta da frente, sem ter recuado em nenhuma de minhas posições nesses mais de dois anos escrevendo para o jornal. Devo dizer também que em nenhum momento houve intervenção no conteúdo do que publiquei. (…) A vida é feita de escolhas. Quando um jornal que pretende ser equilibrado toma a decisão de reduzir seu já restrito grupo de colunistas afinados com o pensamento de esquerda e manter um batalhão de colunistas conservadores e de direita, aprofunda sua opção por um certo tipo de público. Sinal dos tempos”.

Boulos nunca havia feito qualquer crítica à Folha de S.Paulo enquanto estava escrevendo para o jornal golpista. Teria, com o impacto de sua demissão, aprendido a lição de que colaborar com a imprensa golpista para atacar a esquerda é uma canalhice? O futuro mostraria que não, uma vez que Boulos continuou sua trajetória de colaboração com a direita golpista em todos os níveis. Mesmo sem ser colunista, continuou sendo promovido pela Folha de S.Paulo, e foi por meio deste órgão que sua candidatura a prefeito foi impulsionada.

A “decepção” dos apoiadores de Boulos foi ainda maior naquele período:

“O diário dos Frias, muito provavelmente sucumbiu à pressão de empresários e associações sediadas na Avenida Paulista, ocupada por 22 dias pelo MTST, e encerrou a sua participação no jornal” (Revista Fórum, 09/03/2017)

“Como bem notou Guilherme Boulos, a demissão até demorou… É hora de construir com mais energia e força a mídia independente e popular. É hora de jogar na lata do lixo da história esse jornalismo elitista, que só fala dos pobres (e com eles) na hora de criminalizá-los (e manipulá-los)” (Jornalistas Livres, 09/03/2017)

Como diz a lição da fábula, quem desdenha, quer comprar. A pseudocrítica de Boulos não passava do recalque por ter sido demitido de sua função de cavalo de Troia na esquerda.

Mais recentemente, no entanto, os destinos de Boulos e da Folha de S.Paulo voltariam a se encontrar. Como a burguesia colocou em marcha uma operação para impedir o PT de lançar uma candidatura própria em 2022 — sendo Boulos uma peça-chave dessa operação —, o burocrata do MTST acaba de ser convidado novamente para escrever na Folha. E pior: em substituição imediata a Fernando Haddad, que foi expulso do jornal golpista porque, mesmo se dobrando à burguesia, carregava em si as contradições de um partido gigantesco como o PT.

Novamente, as críticas à Folha de S.Paulo sumiram. Não se ouve um único pio. O jornal golpista que apoia o governo Bolsonaro, ataca o PT e Lula quase que diariamente e que defende abertamente a política neoliberal, voltou a ser democrático para Boulos e seus apoiadores. Deslumbrado com a possibilidade de comer as uvas podres que encontrou pelo chão, o hoje psolista foi diretamente ao encontro da Folha, como quem lembrasse, com muita saudade, de um bailinho, onde dançava agarradinho com os golpistas. Um bailinho em que o menino Boulos, vendo a Folha com laquê no cabelo, um vestido rodado e anáguas com tantos babados, que ela se sentava só para lhe mostrar, esperava, bestamente, sempre em vão, que a burguesia fosse voltar para casa na garupa de sua lambreta.

Sem notar que, enquanto não sai do bailinho e enquanto deixa sua lambretinha encostada, a burguesia, entre três ou quatro doses, vai levando Boulos a qualquer lugar que quiser.

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