Em comemoração ao bicentenário do nascimento de Friedrich Engels (1820-1895), a editora Boitempo publicou, pela primeira vez no Brasil, a biografia sobre Engels escrita por Gustav Mayer.
O texto publicado no Brasil é a versão condensada, elaborada pelo próprio autor em seu exílio na Inglaterra, em 1936. A primeira versão tinha dois tomos, considerada uma monumental obra de biografia política, descreve os principais acontecimentos da vida de Engels, abordando o desenvolvimento das lutas políticas do século XIX, com ênfase no desenvolvimento do movimento operário na Europa. Em que pese o fato que a versão condensada não tem o esplendor da obra completa, a sua publicação no Brasil é, sem dúvida, uma iniciativa editorial que deve ser saudada.
O livro de Gustav Mayer teve uma importante acolhida quando da sua publicação, entretanto, não teve o alcance almejado, isso devido à desfortuna de ter sido lançado justamente no momento da ascensão do nazismo na Alemanha, que proibiu a circulação da obra e forçou o autor a se exilar.
A versão publicada no Brasil é constituída de capítulos curtos, mas que trazem um panorama econômico e político da Europa, e no capítulo sobre A Guerra Civil Americana, também sobre os EUA. Apresenta uma visão geral do desenvolvimento do capitalismo na Alemanha, abordando, incialmente no capítulo 1 – A Família e Mocidade de Engels, os contornos gerais da região da Renânia alemã, onde se localizava a cidade de Barman, a “Manchester Alemã”, local onde, em 28 de novembro de 1820, Friedrich Engels nasceu. O pai de Engels, que era um importante industrial, que tinha fábricas não somente na Alemanha, era também sócio de empresa na Inglaterra, local onde o próprio Engels foi trabalhar como administrador de empresa, quando teve contato com os efeitos da Revolução Industrial no principal país capitalista do mundo na época.
A entrada de Engels na política é analisada por Gustav Mayer a partir das contradições do movimento democrático da esquerda burguesa. Inicialmente, Engels era simpatizante do movimento “Jovem Alemanha” e posteriormente atuando junto com os jovens hegelianos, que através da crítica filosófica e religiosa se colocavam contra a estrutura de poder conservadora que vigorava na Alemanha, que ainda não era um país unificado politicamente. Essa rejeição dos dogmas religiosos provocou uma profunda crise entre Engels e seu pai, que de forma alguma era adepto de um pensamento progressista liberal, muito pelo contrário, Friedrich Engels pai era conservador, aderente do pietismo protestante.
Em 1842, Engels assume um cargo na empresa Ermem & Engels em Manchester na Inglaterra, quando estuda a situação do proletariado industrial na Inglaterra. Mayer descreve, assim, a importância dessa permanência de Engels no país berço da Revolução Industrial:
“Durante sua estadia na Inglaterra, adquiriu uma profunda compreensão da relação entre as classes e o Estado, um conhecimento especializado das consequências sociais da revolução industrial e uma percepção aguda das tendências do desenvolvimento capitalista.” (MAYER, G. Friedrich Engels, uma biografia. p.65).
O encontro entre Marx e Engels, e a posterior parceria intelectual e política entre os dois fundadores do socialismo científico, é evidentemente uma das temáticas fundamentais da obra de Gustav Mayer. A amizade entre Marx e Engels produziu uma poderosa combinação teórica e de interesses, que repercutiu na construção de uma nova abordagem socialista, vinculada à luta da classe operária.
Marx tem uma vigorosa formação filosófica, e posteriormente como editor do Gazeta Renana atua como jornalista político. Desapontado com o caráter abstrato da crítica filosófica produzida pelos “jovens hegelianos”. A posterior, aproximação com Engels foi crucial para a elaboração das suas concepções sobre a história e a luta política.
O papel de Engels no desenvolvimento do que se chamou de marxismo foi decisiva. A superação da política democrática burguesa, com aproximação com o comunismo, a apreciação das teorias econômicas inglesas e especialmente o conhecimento prático e efetivo da realidade da classe trabalhadora inglesa são aspectos fundamentais que tiveram Engels como importante percursor. Por outro lado,
“Mas foi Marx quem primeiro lhe mostrou que a política e a história são explicáveis apenas em termos de relações sociais- o princípio que se tornou a alavanca apenas em termos de relações sociais.” (idem,65)
Uma questão central na compreensão tanto da vida de Engels quanto da de Marx é o fato que os dois intelectuais não eram “acadêmicos” no sentido de estudiosos afastados da luta política. Marx e Engels eram, sobretudo, militantes políticos comunistas que se vincularam à luta dos trabalhadores, assim, um dos pontos destacados no livro de Gustav Mayer é a participação de Marx e Engels nas lutas do movimento operário internacional, começando com a militância na Liga Comunista, com destaque para a publicação do Manifesto Comunista em 1848.
“No momento em que os conflitos políticos e nacionais estavam por toda parte, o Manifesto proclamava o primado da guerra de classes tanto como fator sociológico quanto como instrumento político.” (idem, p.88)
Os grandes acontecimentos como a Revolução de 1848 na França e na Alemanha, a Comuna de Paris de 1871, as guerras como a da Criméia e a Guerra Franco Prussiana são abordadas a partir do contexto histórico e da síntese das análises de Engels sobre os acontecimentos e personagens. Além disso, a constituição da I e II Internacionais, a formação dos partidos social-democratas de massas, entre outras questões, são assuntos tratados com muita informação na biografia de Engels por Gustav Mayer.