Quando o País pensava que Bolsonaro trazia o fundo do poço da sabujice, eis que o direitista Ciro Gomes escreve uma carta ao candidato do partido Democrata à presidência dos Estados Unidos, Joe Biden, apresentando-se como candidato presidencial em 2022 e congratulando o democrata, apoiado pelo setor mais poderoso e genocida da burguesia americana, por uma vitória fraudulenta e ainda sob contestação.
Sob termos como “sua eleição deu a muitos de nós no Brasil e em toda a América Latina a esperança de poder trabalhar com seu governo”, o coronel cearense repetiu uma bajulação ainda mais vergonhosa do que a vista no último período por Bolsonaro em relação a Trump.
Por mais desprezível que seja a subserviência do presidente ilegítimo do Brasil ante seu colega americano, Bolsonaro poderia argumentar que suas atitudes refletem uma política de Estado. Uma desculpa, mas em todo caso, uma que Ciro Gomes não tem.
Ao apresentar, “com o apoio de meu partido (o Partido Democrático Trabalhista) e do que espero ser uma aliança de partidos progressistas, minha candidatura à Presidência do Brasil”, o oligarca ajuda a derrubar alguns mitos sobre sua natureza política. A primeira, e mais óbvia, é o seu suposto nacionalismo, que cai por terra após a leitura da carta. A segunda, é a percepção de que existem setores da direita democráticos.
“Nacionalismo de goela”
“Vemos espaço vasto para colaboração entre os Estados Unidos e o Brasil: para dar consequência prática ao ideal do desenvolvimento sustentável (o Brasil conserva na Amazônia e em outras partes de seu território o maior tesouro de biodiversidade e água doce do planeta)”.
Tais palavras poderiam estar em uma fala de Rodrigo Maia, Temer, FHC ou qualquer cacique do setor tradicional da direita, mais alinhado ao imperialismo. Mas apareceram em uma carta elaborada por alguém que se reivindica “nacionalista”.
Colaboração com o principal pilar do imperialismo, e particularmente com Biden, um candidato que já nos debates da campanha presidencial manifestou agressivamente os interesses da burguesia americana na Amazônia, expõe uma contradição enorme na política cirista, cuja propaganda tem como carro-chefe o seu “Programa Nacional de Desenvolvimento”.
Para além de todo o palavreado mais ou menos trabalhado, o posicionamento de enaltecer a vitória momentânea do que existe de pior na política americana para oferecer patrimônios nacionais, especialmente a Amazônia e nossas já cobiçadas reservas de água doce, revelam um capachismo que em nada fica devendo a entreguistas tão grotescos quanto FHC, Temer, e obviamente, Bolsonaro.
Genocídio democrático
Há que se destacar também o fato de que quem recebe “as saudações e o respeito de Ciro Gomes” não é outro mas um dos mais destacados articuladores de guerras como a que matou centenas de milhares de pessoas no Iraque, da guerra civil na Síria, dos golpes de Estado no Oriente Médio, na América Latina e, naturalmente, no Brasil.
Com um histórico de genocídios praticados contra o amplo conjunto da humanidade, o pedido para “reerguer ordem internacional baseada em regras” deveria assustar uma pessoa normal, dado que a política demonstrada por Biden enquanto vice-presidente dos EUA deixam claro que as tais “regras”, na prática, são piores para os países atrasados do que o “America First (“América em primeiro lugar”, em tradução livre).
Tendo aparecido nos últimos anos como alguém que reconhece o golpe de 2016 como um golpe, o passo seguinte, para uma política coerente de quem se diz nacionalista e ciente da natureza do golpe que sofreu o País, seria denunciar e agir contra o processo golpista, jamais pedir emprego a um dos organizadores da agressão contra a soberania nacional.
Contudo, Ciro Gomes esclarece, mais uma vez, que ao falar de golpe, nada faz além de demagogia, com intuito de confundir incautos, de modo a facilitar a submissão da esquerda à direita pela via da frente ampla. E para isso vale tudo.
Um novo nível de entreguismo
Apresentando-se ao “mestre” como quem pede emprego enquanto oferta as riquezas nacionais, que diz defender, Ciro Gomes não poderia ter feito melhor na tarefa de esclarecer sua natureza política. Um oportunista, com um português melhor do que o de Bolsonaro, fruto de suas experiência em partidos da direita burguesa, como o PDS (Arena), PSDB, PFL etc., mas que na prática, não é diferente do fascista.
Sua política pode, inclusive, ser até mais danosa à classe trabalhadora e ao País, haja visto a disposição em ofertar o patrimônio nacional ao candidato presidencial americano mais interessado no Brasil. A opção de prontamente dirigir-se a Biden é cômica pela forma e preocupante pelo conteúdo.
Os trabalhadores devem ter especial atenção aos próximos movimentos do aprendiz de Bolsonaro cearense, com a certeza de que só a mobilização da classe operária, em defesa dos seus interesses e do patrimônio nacional, podem impedir os graves ataques que ameaçam o País. Seja com Bolsonaro ou com o novo sabujo do imperialismo, Ciro Gomes.
Abaixo, a carta publicada nas redes sociais:
7 de novembro de 2020
Presidente eleito Joseph R. Biden
Caro Presidente eleito Biden,
Escrevo do Brasil para parabenizá-lo por sua eleição e para manifestar a esperança de que sua Presidência venha a marcar virada para melhor nas relações entre os Estados Unidos e o Brasil.
Dediquei minha vida à ação pública e a lutar para que meu país siga rumo de desenvolvimento que sirva aos interesses e às aspirações do povo brasileiro. Agora trato de organizar, com o apoio de meu partido (o Partido Democrático Trabalhista) e do que espero ser uma aliança de partidos progressistas, minha candidatura à Presidência do Brasil. Sua eleição deu a muitos de nós no Brasil e em toda a América Latina a esperança de poder trabalhar com seu governo e com americanos de todos os quadrantes da vida nacional, dentro e fora dos cargos públicos, para empoderar os homens e as mulheres comuns.
Os Estados Unidos e o Brasil são as duas maiores democracias do hemisfério ocidental e duas das três maiores democracias do mundo. Governos recentes em ambos nossos países rebaixaram nossa relação ao nível de negociações comerciais de curto prazo e de expressões de afinidade ideológica entre líderes direitistas lá e cá.
Vemos espaço vasto para colaboração entre os Estados Unidos e o Brasil: para mobilizar tecnologias e práticas de produção avançadas por formas que tornem a maioria trabalhadora e as pequenas empresas nos nossos países mais produtivas e prósperas; para compartilhar experiências na melhora da educação nos nossos países extensos, desiguais e federativos; para dar consequência prática ao ideal do desenvolvimento sustentável (o Brasil conserva na Amazônia e em outras partes de seu território o maior tesouro de biodiversidade e água doce do planeta); para reerguer ordem internacional baseada em regras que não mais se cinja a acertos estabelecidos no rescaldo de uma guerra mundial concluída há setenta e cinco anos; para afastar risco de outro conflito global ainda mais terrível; e, sim, para comerciar de maneira livre e equitativa sob termos que beneficiem a maioria de americanos e de brasileiros. Para este fim, queremos ver não apenas nossos governos nacionais mas também nossos cidadãos, nossas empresas e nossas universidades se darem as mãos. Não temos inimigos no mundo. Estamos determinados a trabalhar com outros países grandes — inclusive aqueles que nos acompanham na organização BRICSA: a Rússia, a Índia, a China e a África do Sul, bem como nossos vizinhos sul-americanos e os Estados Unidos, para resolver problemas globais por meio de iniciativas conjuntas de nações soberanas.
Ao parabenizá-lo por sua eleição, reitero minha fé no potencial do que podem nossos países fazer juntos.
Com as saudações e o respeito de Ciro Gomes