A violência do aparato repressivo é uma das principais características dos países contaminados pelas políticas neoliberais. Afinal, nem a mais indiscreta das falsificações consegue justificar a concentração de renda, o aumento deliberado da pobreza social e a entrega do patrimônio da população à burguesia e ao imperialismo. Dessa maneira, não há mistério no crescimento da violência contra o povo em um país dominado, por exemplo, pelo fascismo bolsonarista. Só uma polícia assassina consegue amedrontar um povo sofrido a ponto de fazê-lo não reagir.
Entretanto, países cujos governos não se alinham diretamente com as políticas entreguistas também estão sofrendo um surto de violência policial. É o caso da Argentina, presidida por um representante do kirchnerismo. Muito embora seja extremamente moderado, Alberto Fernández é um político burguês ligado aos movimentos de esquerda da América Latina. É progressista, no sentido amplo do termo, e, em tese, não encoraja abertamente a repressão contra o povo. Apesar disso, a violência policial no país cresce a cada dia.
Um passado sempre presente
A Argentina, assim como o Brasil, não debelou o aparato repressivo depois do fim da ditadura militar, em 1983. Muito embora o país tenha punido parte dos assassinos do regime de exceção, a estrutura foi mantida. Assim, já no início da década passada, denúncias apresentadas por entidades de direitos humanos que atuavam no país trouxeram ao público que técnicas de tortura continuavam a ser utilizadas em delegacias e prisões de Buenos Aires. Na época, o governador Carlos Ruckauf havia sido eleito prometendo lutar contra a criminalidade.
Em 2001, um documento divulgado por juízes federais dizia: “Constatamos a prática generalizada da tortura em todas as suas formas de modo sistemático, no âmbito das investigações e no trato com os presos, mais especialmente na Província de Buenos Aires, na qual se registra uma situação de violência estatal de clara posição autoritária”.
A província de Buenos Aires continua sob um governo direitista, opositor do presidente Fernandes, mantendo-se como uma das regiões com maior número de relatos de violências policiais. Segundo o Secretário Nacional de Articulação Federal de Segurança, Gabriel Fuks, isso se deve muito à herança neoliberal deixada Maurício Macri. É fato que Macri atuou, do primeiro ao último dia de seu desastroso governo, a fim de esmagar os movimentos sociais e populares. Enquanto devolvia os grilhões do FMI aos pulsos da economia argentina, reprimia duramente as manifestações da oposição.
Repressão do bem
Além do efeito tóxico do governo Macri apontado por Fuks, a ascensão da extrema-direita no mundo é um fator que açula o monstro que há nas polícias militares. Nesse sentido, é até difícil diferenciar a ação da polícia norte-americana, da israelense, da francesa e da brasileira. Todas aplicam a tortura, a esganadura e a falsificação para acobertar seus crimes como métodos.
Entretanto, há um fator que contribui ativamente para o encorajamento da violência policial que vem sendo aplicado sem moderação por Fernandes. Ele, assim como o governador direitista do estado de São Paulo, João Doria, autorizou a violência para retirar as pessoas das ruas sob o pretexto de garantir a segurança sanitária em meio ao surto da COVID-19. Em um pronunciamento realizado há alguns meses, Fernandes ameaçou “Lo que no entre con la razón, va a entrar con la fuerza”.
Ao fazer tal afirmação, o presidente argentino pavimento a trilha de pretextos para a repressão do povo. Não por acaso, o número de abusos policiais, maus tratos e até homicídios segue alto em meio à pandemia tanto em províncias governadas pela direita quanto nas governadas por aliados de Fernandes.
Em um momento crítico da história latino-americana, onde o imperialismo estimula o crescimento da extrema direita em todo o continente, não há espaços para políticas que aumentam o espaço de atuação repressiva. Um governo de esquerda que se pretenda popular não pode morder a isca de abrir espaço para as forças reacionárias.