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E nada de derrubar Bolsonaro

Derrubar monumentos, ação desesperada e uma política identitária

Ao invés de lutar por uma conquista verdadeira, por uma real emancipação da sociedade, os identitários fazem o jogo do imperialismo e pregam uma luta simbólica inócua

Tenho lido muitas bobagens a respeito do debate que se desenvolve graças à onda de revolta popular no mundo que teve seu estopim no assassinato de George Floyd. Manifestantes nos EUA, na Europa, nas Américas derrubam estátuas de personalidades com um passado opressor.

A esquerda pequeno-burguesa brasileira, como sempre, tenta imitar os movimentos desorganizados e espontâneos dos outros países e absorver seus aspectos mais confusos – afinal, ela mesma é extremamente confusa. Logo, temos aqui defensores da destruição de monumentos aos nossos antigos “opressores”, como os descobridores portugueses ou os bandeirantes.

Essa defesa vem acompanhada de um discurso vulgar e identitário. Diz-se que derrubar monumentos é “ressignificar” a história, as cidades, a sociedade. Isso seria algo emancipador, uma vitória contra a exploração e a opressão. Mas a destruição de monumentos não significa absolutamente nada para a luta progressista, em última instância.

Monumentos são símbolos. Símbolos pertencem ao mundo subjetivo. A esquerda pequeno-burguesa, por ser idealista por sua própria natureza de classe, apega-se mais à simbologia do que à realidade material. Para ela, cuja vida material é relativamente confortável, criar ou destruir um símbolo é algo importante, pois pode se preocupar com isso. Para a maioria da população, no entanto, que precisa se preocupar a cada instante com sua sobrevivência material, a simbologia vem em segundo plano, para dizer o mínimo.

É preciso passar do terreno da simbologia, do plano subjetivo e idealista, para o plano material, real. A mudança de verdade se dá derrubando não estátuas, mas regimes; organizando o movimento popular contra seus inimigos atuais, que são muito piores do que os antigos – diga-se de passagem.

A derrubada de estátuas também é um ato irracional, impulsivo, movido por emoções. Não que seja ilegítimo. Pelo contrário: é uma ação legítima e compreensível, quando se dá em uma situação de revolta social em que as massas empobrecidas estão descontroladas e buscam descontar toda a sua ira contra seus opressores em qualquer coisa que possa lembrar essa opressão sofrida. No entanto, como algo calculado, premeditado, é um sério equívoco e até mesmo uma ilegitimidade.

Logicamente, como pode-se depreender analisando o que foi dito anteriormente, existem monumentos e monumentos, destruições e destruições.

Uma rodovia com o nome de um ditador fascista do regime militar é diferente de uma rodovia com o nome de um bandeirante. A ditadura militar ainda exerce grande influência política no atual regime brasileiro que, na prática, é seu continuador. Basta ver o presidente da República, um pupilo dos piores torturadores que já tivemos. Os bandeirantes, os descobridores ou mesmo os jesuítas, no entanto, não influenciam em absolutamente nada na política brasileira. São representantes de um sistema político, econômico e social que pertence ao passado. Os resquícios desse passado, como o latifúndio, o racismo e a religião não estão vivos até hoje por causa de uma relação direta com aqueles. São fruto das contradições do desenvolvimento da sociedade. Essas instituições arcaicas só serão varridas por uma profunda transformação social, uma verdadeira revolução, que nada tem a ver com o que propõem os identitários.

Prova de que essas ações da esquerda brasileira são movidas por um moralismo identitário é a defesa da destruição de símbolos da formação nacional do nosso País, um país oprimido pelo imperialismo, enquanto que os símbolos da dominação imperialista saem ilesos do debate. Não li em nenhum lugar alguém defender a mudança de nome das tantas avenidas Presidente Wilson ou da Praça Roosevelt. Pelo contrário, li um articulista de nome Jean Goldenbaum, que defende a destruição das estátuas aos bandeirantes, ficar em cima do muro sobre o ataque à estátua de Winston Churchill na Inglaterra, justificando que “é fato que ele foi um dos homens que salvou ao [sic] mundo da dominação hitlerista, o que o coloca em um pedestal heroico”.

Pior ainda: ecoando a propaganda anticomunista da imprensa imperialista, li a blogueira Cynara Menezes comparar a derrubada das estátuas de Lênin por fascistas à derrubada das do rei Leopoldo II da Bélgica pelos manifestantes antirracistas. O que mostra que a simbologia que vale, para os identitários, não é qualquer simbologia, é a simbologia de fachada democrática do imperialismo. Para os identitários, o artífice da revolução que emancipou o povo russo e abriu caminho para a emancipação de toda a humanidade seria igual ao monarca responsável por uma das maiores atrocidades do século XX, contra o povo congolês.

A defesa da derrubada de estátuas de Lênin – ou mesmo de Stálin – revela o perigo da ideia da destruição de símbolos no regime burguês. Afinal, dirão os fascistas, se as estátuas de Borba Gato ou Cristóvão Colombo podem ser derrubadas, por que não as obras de Oscar Niemeyer homenageando Luiz Carlos Prestes e a união dos povos da América Latina? Ou pior, por que não proibir os símbolos comunistas, uma vez que Lênin era um comunista opressor comedor de criancinhas (como dizem os que derrubaram suas estátuas)? Logo, proibir os partidos comunistas!

A ideia fica ainda mais perigosa quando vemos o mesmo defensor de Churchill querer colocar nas mãos do Estado o poder de destruir monumentos. É justamente esse Estado, burguês e reacionário, que poderia proibir os símbolos da esquerda e suas organizações com a mesma desculpa.

Sob a tela de um reformismo barato, o identitarismo não passa de uma nociva ideologia reacionária.

Essa é a mesma esquerda que não move uma palha por reivindicações realmente necessárias e concretas, que atendam aos interesses das amplas parcelas da população.

Por estar em uma posição social relativamente confortável e estável, permite-se se preocupar com assuntos supérfluos e distracionistas, buscando levar o resto da sociedade na esteira de suas ideias. Assim, o mais importante seria o jeito de se comportar, o modo de falar, de se expressar. São preocupações morais particulares de sua classe, mas que em sua cabeça deveriam ser preocupações de toda a sociedade.

Enquanto isso, a maioria da população, oprimida e desesperada, preocupa-se em sobreviver. E, para isso, conforme desenvolve sua consciência política, percebe que é necessário remover os verdeiros monumentos grotescos que não apenas simbolizam, mas que materializam a sua opressão: a polícia, a Justiça, o patrão.

Esses são os verdadeiros inimigos do povo, e são reais, estão vivos e trabalhando incansavelmente para destruí-lo como agente social. Atualmente, eles estão representados pelo presidente Jair Bolsonaro e o regime golpista, que também são inimigos materiais. Mas a estes essa esquerda não quer derrubar. Ela, que é tão radical quando quer destruir estátuas inofensivas, nada faz para derrubar Bolsonaro e os golpistas.

A polêmica dos monumentos não passa de um movimento distracionista e confusionista. Deixemos isso de lado. Ao invés de derrubar estátuas, derrubemos Bolsonaro!

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