Sob o genérico título de “Unidade”, o ex-deputado e dirigente carioca do PSOL, Chico Alencar, divulgou nas redes sociais artigo em que, diante do que chama “a força do atraso”, defende “uma ampla unidade do campo progressista, a cada ataque aos direitos da população, e no plano da articulação eleitoral”.
Na defesa de sua política, o historiador que construiu sua trajetória político-eleitoral pelo Partido dos Trabalhadores, busca argumentos na pré-história para justificar a criação de uma frente ampla em nome da unidade. Diz ele que “há 70 mil anos, grupos de sapiens só sobreviveram porque, frente às inúmeras adversidades, se juntaram” contra “as forças da natureza e outros animais, mais fortes, [que] representavam um risco constante de morte”. No entanto, propõe uma unidade justamente com os maiores inimigos da sobrevivência da maioria da população pobre e trabalhadora. Unidade com os responsáveis por impor ao País um golpe de Estado, que, em 2016, daria posse ao governo de retrocesso de Michel Temer, retiraria Lula, de maneira fraudulenta, das eleições, abrindo caminho para a eleição de Bolsonaro. E toda essa unidade pela sobrevivência, se daria com aqueles que aprovaram todo tipo de medida contra os trabalhadores, como a “reforma” da Previdência e o recente, “congelamento” dos salários de milhões de servidores públicos por mais dois anos. Só para darmos alguns exemplos.
Na revisão histórica proposta por Alencar, em oposição ao marxismo, a história da humanidade não é a história da luta de classes. Pelo contrário, para ele a história – nos “momentos mais críticos” e, portanto, decisivos, da humanidade seria a história da colaboração de classes, na qual “classes exploradas, sociedades nacionais ou acordos transnacionais articularam pactos para enfrentar inimigos comuns, para não perecer”.
E isso, supostamente, estaria vigente neste momento de “terrível pandemia do novo coronavírus que abalou o mundo, em situação inédita” e que seria, “a ameaça mais ampla desde a Segunda Guerra Mundial”.
De forma confusa e a-histórica, Alencar busca pintar um quadro no qual, diante da calamidade sanitária por que passa o Brasil, teríamos de estar unidos com os representantes dos carrascos da população e com os próprios carrascos que, por exemplo, governam os Estados mais ricos e poderosos da federação, onde há o maior número de mortos e de desempregados.
Para isso, Chico Alencar inventa uma realidade na qual o único responsável por essa situação seria o “filho” parido pelos golpistas, afirmando que “se dependesse do governo irresponsável de Bolsonaro seria muito pior”. O que nos levaria a crer que se estamos “apenas” com 33 mil mortos (oficialmente subnotificados) temos que agradecer e, quem sabe, nos juntar, a genocidas como Doria, Witzel, entre outros, que nada fizeram para combater a pandemia e que, neste momento (de crescimento da matança) tramam, junto com Bolsonaro, o retorno das atividades, distribuição de recursos para os tubarões capitalistas, ataque aos povo trabalhador, etc.
Todo esse malabarismo do autor não se deve apenas a um interesse em uma análise sobre os rumos da humanidade diante da crise. A “unidade” defendida pelo ex-deputado tem objetivos mais concretos e imediatos. Ainda que com rodeios, Alencar – já no final do seu texto – se encaminha para tratar das eleições municipais, introduzindo o tema com a pergunta: “o que a escolha de prefeito(a)s e vereadore(a)s tem a ver com a batalha contra a Covid 19?”
A qual ele mesmo responde: “Muito!”. E explica que o problema estaria na “postura do mandatário maior da nação, já caracterizado como o pior governante do planeta no combate ao vírus”. Mesmo diante do fato de que essas eleições não escolheriam um novo presidente da República, dá de barato que não há nenhuma possibilidade de derrubar o atual presidente, ou seja, que estaríamos condenados a suportar Bolsonaro, pelo menos, até o começo de 2023.
Dessa forma, dá a Bolsonaro uma enorme legitimidade, assinalando que ele “age com a força de um mandato presidencial que lhe foi conferido por quase 58 milhões de patrícios”, sem – em nenhum momento – considerar que o processo de 2018 foi totalmente fraudulento, com a prisão e cassação do candidato favorito, o ex-presidente Lula.
Para o psolista, o que houve foi apenas e tão-somente um “desastre eleitoral” o qual “se enfrenta com… eleições”. E, obviamente, com candidatos e partidos etc. O que, segundo ele, justifica “falar de eleições numa hora dessas? Sim, pois as agudas epidemias, mesmo quando ‘involuem’ para endemias, só são combatidas eficazmente com políticas públicas fundadas na ciência, no planejamento, no empenho articulado de agentes públicos nas esferas municipais, estaduais e federais”.
Chico apresenta então a “vacina” para curar a crise atual: URNAS. Não seria preciso lutar, sair às ruas, enfrentar e derrotar a direita por meio da mobilização do povo, arma decisiva em todos os momentos de crise para impor uma saída em favor dos interesses dos trabalhadores e da maioria dos explorados. Tratar-se-ia apenas de tirar proveito da situação, uma vez que, nas suas palavras, “o pleito municipal, seja lá quando se realizar, acontecerá sob o impacto tremendo do novo coronavírus no Brasil”.
A questão não seria enfrentar, por meio da luta do povo, os interesses irreconciliáveis dos trabalhadores e da maioria do povo com os interesses dos banqueiros e monopólios capitalistas e suas máfias políticas, mas um debate e uma consequente disputa eleitoral sobre “como fazer a máquina estatal funcionar com transparência, eficiência e atendimento dos secularmente marginalizados? Como prover bem a saúde pública, direito de tod@s (sic)? Como assegurar outras iniciativas em áreas fundamentais ao bem estar da população (que é saúde!), como saneamento básico, moradia, educação, transporte, coleta e processamento do lixo e meio ambiente? Como confrontar a cidade das pessoas, tão vital e esquecida, com a cidade-mercadoria, das negociatas imobiliárias e dos monopólios lucrativos de tantos serviços, em detrimento das maiorias?”
Isso quando as estimativas apontam que mais de 100 mil brasileiros devem ser levados à morte, dezenas de milhões condenados à fome e ao desemprego etc… “Esperemos pelas eleições”. “Deixemos Bolsonaro”, propõe-nos, de fato, com sinuosas curvas e retórica, o professor psolista.
Como muitos setores do seu partido e de toda a esquerda pequeno-burguesa, ele busca argumentar que isso seria necessário para derrotar o “fascismo”. Seria a primeira vez na história mundial que o fascismo seria derrotado nas urnas. E o seria pela suposta sabedoria eleitoral do Psol, cujo principal candidato em todo o País, o deputado federal Marcelo Freixo, retirou-se das eleições para apoiar uma ampla frente com setores da direita golpista, abrindo caminho para uma possível vitória do ex-prefeito golpista Eduardo Paes (DEM).
Para essa empreitada, que Chico Alencar chama de “diálogo franco”, o autor aponta que é “hora de cartas na mesa (virtual), olho no olho (remoto)” e propõe um “encontro de presidentes regionais ou municipais e pré-candidato(a)s. Nesse encontro devem estar PT, PDT, PSB, PSOL, PCdoB, Rede, PCB, PSTU, PCO e UP”.
No momento em que desponta em todo o País e no mundo – destacadamente nos EUA – um movimento de luta contra a ofensiva da direita, o ex-deputado do partido que disputa o “campeonato mundial” de ações no judiciário, na Comissão de Ética da Câmara, no MP etc., quer que os partidos de esquerda se sentem à mesa (virtualmente) para colocar como centro as eleições e, nestas, uma política de alianças dos “progressistas” em torno da “avaliação dos nomes que têm melhores chances para os Executivos”. E dá como exemplo, as fracassadas Frente Ampla do Uruguai e a “Geringonça” portuguesa, que analisamos aqui em vários artigos neste Diário. E propõe o “Vamos juntos!”, não por coincidência, de forma semelhante ao Manifesto que os parlamentares psolistas assinaram com FHC, Luciano Huck, Marina Silva e muitos outros golpistas, com apoio explícito da Globo, Estadão e outros integrantes do PIG (Partido da Imprensa Golpista).
De nossa parte, dizemos, Não obrigado!
Repetimos as lições do grande revolucionário russo, Leon Trótski, que – como outros marxistas – ensinaram e praticaram a necessária unidade para impulsionar a luta da classe trabalhadora por seus interesses e não na defesa de mesquinhos interesses de políticos reacionários, da direita ou da esquerda.
“Estamos unidos por uma decisão livremente tomada, precisamente para lutar contra os inimigos e não cair no pântano vizinho, cujos habitantes, desde o início, nos censuram por nos termos separado num grupo à parte e por termos escolhido o caminho da luta e não o da conciliação. E eis que alguns de nós começam a gritar: “Vamos para o pântano!” E quando procuramos envergonhá-los replicam: “Que gente tão atrasada sois! Como é que não tendes vergonha de nos negar a liberdade de vos convidar a seguir um caminho melhor!” Oh!, sim, senhores, sois livres não só de nos convidar, mas também de ir aonde melhor vos parecer, até para o pântano; até pensamos que o vosso verdadeiro lugar é precisamente o pântano e estamos dispostos a ajudar-vos […] a irem para lá. Mas nesse caso largai-nos a mão, […] nós também somos “livres” para ir onde melhor nos aprouver. Livres para combater não só o pântano como os que se desviam para o pântano!”