Principal vítima da política de rapina movida pela direita, o povo brasileiro tradicionalmente é quem sente com mais peso o esmagamento dos cortes orçamentários e da guerra econômica. Quando as consequências naturais desta política aparecem na explosão da pobreza e da criminalidade, a responsabilidade recai novamente sobre a população pobre, que passa a ser alvo de uma intensa campanha de repressão policial. Tais campanhas abusam de demagogia barata para eximir a burguesia e aumentar os ataques contra a classe trabalhadora. Curiosamente, a esquerda pequeno-burguesa adota uma postura semelhante no que diz respeito à responsabilizar as massas pelo resultado das políticas desastrosas defendidas pelos sábios esquerdistas.
Um exemplo emblemático vem justamente das urnas, campo de luta política favorito destes setores. Desde 2002 o povo brasileiro vem elegendo o PT para a presidência da República, mesmo em eleições tão manipuladas quanto a de 2014. Mesmo tendo manifestado nas urnas o desejo de ter mais um mandato da presidenta Dilma Rousseff (que recebeu pelo menos 54 milhões de votos), uma mobilização golpista derrubou a presidenta, sem que os maiores partidos da esquerda fizessem nada além de assistir o golpe que cassou o voto do povo e impôs a agenda neoliberal ao País.
Um ano após o golpe, em 7 de abril de 2018, o Brasil entrou em estado de suspensão após o golpista Sérgio Moro, então juiz federal, pedir a prisão do ex-presidente Lula. Condenado pelos processos da Lava Jato, Lula se dirigiu ao sindicato dos metalúrgicos, onde milhares de pessoas se reuniram contra a prisão política do principal candidato nas eleições presidenciais que transcorreriam meses depois. Sob a palavra de ordem “não deixar prender”, esses manifestantes expulsaram as forças de repressão que apareceram para dispersar o ato e posteriormente impediram Lula de se entregar. Apesar do impasse causado pela ação do povo, a manifestação fora derrotada pelas manobras da esquerda e Lula acabou preso, sendo solto apenas em novembro de 2019.
Ambos os casos têm em comum derrotas enormes sofridas pelo povo, que pela via das urnas e pela via de manifestações de rua, mobilizou-se para fazer valer seus interesses – a reeleição de Dilma e a liberdade de Lula – porém foram derrotados pela esquerda, que por omissão ou ação, sufocou a luta popular, chamando o povo a depositar uma confiança cega em instituições como o Congresso Nacional e os órgãos do Judiciário, mesmo após ambos terem atuado abertamente contra os interesses populares e na defesa da burguesia.
Seria possível enumerar uma infinidade de erros de cálculo cometidos pela esquerda desde o golpe de 16 e que levaram a desastres, os quais não deixam dúvidas quanto o caráter de péssimos estrategistas (para dizer o mínimo) dos articuladores dos partidos majoritários da esquerda. Curiosamente, a exemplo do que faz a direita, de Guedes a FHC, a esquerda pequeno-burguesa continua responsabilizando o povo.
O voto popular nas eleições de 2014 foi cassado? “A culpa é do povo!” Bolsonaro foi eleito? “O povo não sabe votar!” Ignora-se a gigantesca fraude realizada nas eleições, ignora-se o fato de Lula ter sido preso e proscrito do processo eleitoral justamente por ter apoio popular, ignora-se o fato de mesmo os institutos de pesquisa burgueses reconhecerem que a população poderia eleger Lula ainda no 1º turno, ignora-se um amplo leque de fatos, que comprovam a grande consciência política das massas, para isentar os sábios formuladores das “táticas geniais” da esquerda, expressão surgida quando o PT decidiu não lutar pela candidatura de Lula em 2018 mas substituí-la por Haddad.
Os responsáveis pela eleições ganhas pela direita, evidentemente são os capitalistas, que manipulam o processo eleitoral, sendo portanto os principais agentes diretos. Mas é preciso dizer que as lideranças de esquerda têm sua parte no conjunto da obra. No lugar de organizarem os trabalhadores para lutarem contra a burguesia e defender seus interesses, essas lideranças – políticos profissionais é bom lembrar – tiram de si a responsabilidade pela confusão na classe trabalhadora, culpando as vítimas pela ação predatória da burguesia.