‘Um dos efeitos que a crise do coronavírus e as medidas de contenção da circulação de pessoas em espaços públicos vem ocasionando é o significativo aumento nos acessos aos serviços de streaming, como Netflix, Amazon Prime, YouTube Filmes etc. Tanto assim que algumas dessas plataformas passaram a oferecer preferencialmente a qualidade padrão para seus assinantes, reduzindo a resolução dos filmes com o intuito de diminuir o impacto do aumento de acessos na internet.
Nesta terça (24) saiu uma matéria do crítico e ensaísta Donny Correia, no Estadão, que, de alguma forma, denuncia a quase completa ausência dos clássicos nacionais no cardápio de filmes oferecidos via internet e sua consequência para a perda de memória do nosso cinema.
Um ponto que teria de ser analisado também é a relação entre a economia capitalista de monopólios e a perda da memória cultural de países economicamente colonizados, como o Brasil.
Essas plataformas, a maioria estadunidense, que exercem domínio absoluto nesses serviços, não parecem se preocupar muito com a preservação da cultura local de países fora do eixo imperialista.
Uma das características do imperialismo é a imposição de sua cultura como hegemônica, a principal, a mais desenvolvida. Uma das formas como isso se procede é através da impossibilidade de acesso à memória cultural de um povo, à sua história, pois seria natural um povo se identificar com a própria cultura. Isso ocorreu durante a colonização portuguesa no Brasil através dos jesuítas que logo trataram de impor sua língua, sua religião, seus costumes e seus valores aos povos nativos, os indígenas. Ao mesmo tempo em que os proibia de se manifestar de acordo com os próprios costumes. Esse tipo de colonização continua ocorrendo de uma maneira, mais ou menos sutil, através da monopolização da informação e da cultura local e da imposição de um “esquecimento” de suas origens e sua história.
Pouco a pouco, a cultura dos dominadores passa a ser assimilada de tal maneira pelos dominados que eles mesmos passam a desprezar sua própria cultura, considerando-a como inferior e desprezível e, consequentemente, considerar os valores dos países imperialistas como seus próprios valores, independente disso significar uma completa subserviência, que atenta inclusive, aos próprios interesses dos povos menos desenvolvidos economicamente.
A indústria cinematográfica americana é poderosíssima e altamente lucrativa e, para se manter dominante, necessita eliminar possíveis concorrentes. O despertar de um cinema com características próprias e independentes desse domínio cultural, imperialista, é forte ameaça aos monopólios do cinema.
Quando os meios de acesso ao cinema tendem a ficar muito concentrados, numa única forma de distribuição para sua exibição, como é o caso das plataformas de streaming, esse controle passa a ser muito poderoso. A consequência é a perda da memória de nossa cultura cinematográfica. Ainda que timidamente, as produções nacionais passam a ter como principal referência os filmes estrangeiros, notadamente os hollywoodianos, por sua enorme força e domínio no cenário mundial. Perdemos nossas características próprias, historicamente conquistadas, a partir de uma época em que esse controle se dava de forma mais difusa e impunha menos o seu domínio.
Uma das justificativas para que a grande maioria da produção cinematográfica nacional comercial seja uma cópia “menor” dos filmes de Hollywood é a de que seria isso o que o público brasileiro deseja, o que ele gosta. É que as ideias e a cultura das classes e das potências dominantes precisam se apresentar como sendo as ideias e a cultura daqueles que são dominados explorados, para que a dominação material e econômica se justifique.