Em 2019, os direitos autorais sobre a obra de Monteiro Lobato passaram ao domínio público. Como consequência, várias editoras se lançaram a tarefa de publicar as obras do escritor brasileiro, que estão enchendo as prateleiras das livrarias país afora. No entanto, alguns livros importantes de Monteiro Lobato, como é o caso de Negrinha, acabaram sendo deixados de lado.
O abandono de Negrinha não é o resultado do desinteresse dos leitores pela obra de Lobato, o que deveria ser a única justificativa para que a obra não fosse republicada. A ausência do livro nas prateleiras se apresenta como o desdobramento de uma intensa luta da direita, apoiada pela própria esquerda pequeno-burguesa, contra a cultura nacional.
Há vários anos, Negrinha tem sido chamada de uma obra racista pela direita e pela esquerda pequeno-burguesa. Em 2012, o Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (Iara) já havia entrado com uma representação para a Controladoria Geral da União (CGU) contra o uso da obra nas escolas. O embasamento para tal representação seria o uso de termos como “mulatinha escura, de cabelos ruços e olhos assustados” ou “uma negrinha, magricela, um frangalho de nada”.
Seja qual for o argumento utilizado para retirar a obra das escolas, estantes das livrarias ou catálogos das bibliotecas, iniciativas como a da Iara são nada menos do que censura à produção cultural. Em primeiro lugar, critérios como o uso de “termos racistas” não podem ser utilizados para determinar se uma obra será disponibilizada ao público ou não, uma vez que esse tipo de interpretação é essencialmente subjetivo. Se esse critério for levado em consideração, alguém que use, em sua obra, o termo “denegrir” ou diga que “a coisa aficou preta” estaria, portanto, vulnerável a uma intervenção em nome da luta contra o racismo. Os próprios termos citados da obra de Monteiro Lobato, como “mulatinha escura”, não são um ataque ao povo negro, mas sim a expressão da língua corrente na época.
Em segundo lugar, se a decisão do que é uma obra racista ou não for levada às instituições burguesas – isto é, ao Supremo Tribunal Federal (STF), à CGU ou à própria polícia -, o que irá acontecer, inevitavelmente, é que a burguesia terá ainda mais força para reprimir e censurar a população. Afinal, sob o argumento do racismo, a burguesia poderá censurar tudo o que não lhe convir. Cinicamente, um funcionário da Rede Globo de Televisão, uma das instituições mais racistas da América Latina, processou Paulo Henrique Amorim, falecido jornalista ligado à esquerda nacional,por racismo.
Se o movimento negro acha que uma determinada obra contribui para aumentar a desigualdade entre brancos e negros, é necessário organizar uma imprensa negra forte, que consiga se impor em relação à toda a literatura reacionária da burguesia branca, e lutar, nas ruas, para que a extrema-direita não consiga propagar seu programa de ataques às liberdades democráticas.
Os ataques à obra de Monteiro Lobato, no entanto, não representam apenas uma investida em favor do fortalecimento da censura do Estado. Lobato é um dos mais importantes escritores de toda a literatura brasileira – e foi, inclusive, uma figura engajada na política nacional. O autor foi um dos principais entusiastas do movimento “O petróleo é nosso”.
Assim, pouco a pouco, por meio da mais intensa demagogia e de pretextos morais de quinta categoria, a direita está conseguindo jogar ao relento todo o patrimônio cultural do povo brasileiro, o que o torna ainda mais vulnerável às investidas do imperialismo.