Em oposição ao Marxismo

Valério Arcary e a defesa da religião

Dirigente da corrente Resistência/PSOL publicou artigo recente alegando que a esquerda não deveria defender o ateísmo

No última quarta-feira (25), o portal Brasil 247 publicou uma artigo de título “O olhar da militância socialista para a religiosidade”. Assinado por Valério Arcary, membro da Coordenação Nacional do Resistência/PSOL, o texto defende que a esquerda revolucionária não trave uma luta pelo ateísmo.

Arcary começa seu artigo com uma premissa óbvia: a de que a luta política “se desenvolve na arena da vida pública”. No entanto, utilizando como argumento que a luta política “nāo se resume à luta pelo poder”, o psolista afirma que haveria uma “dimensão pessoal” que deveria ser considerada para se travar a luta política:

Mas todos aqueles que militamos estamos inseridos, também, em variados espaços que definem nossas vidas privadas, e até a dimensão pessoal da existência. Os mais importantes são as famílias e os círculos de amizade. Mas há, também, os espaços que remetem às nossas preferências e escolhas.

O argumento de que existe uma “dimensão pessoal da existência” levantado por Valério Arcary é um argumento que se choca com as teses fundamentais do marxismo. Afinal, para Marx, “os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha, e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”. A “dimensão pessoal” serviria, portanto, para que Arcary justifique que determinados aspectos da vida social não sejam analisados e combatidos sob um ponto de vista científico – isto é, marxista.

Na continuação do artigo, Valério Arcary comprova o que dissemos: a dita “dimensão pessoal” é evocada para que o psolista defenda que o debate sobre a religiosidade seja omitido da luta política da esquerda:

Tem gente que adora demonstrar as virtudes de acordar cedo, dormir tarde, ou de fazer a sesta. Tem muita gente convencida que as dietas são um tema político. Na luta socialista podemos conviver, harmoniosamente, entre não fumantes e fumantes; veganos, vegetarianos e carnívoros; alopatia ou homeopatia; sertanejos, roqueiros e sambistas; cinéfilos ou literatos, românticos ou surrealistas, corintianos, santistas e palmeirenses; sedentários e atléticos, pedestres, ciclistas e motociclistas; etc. Entre todas estas dimensões da vida privada, a mais importante é a da religiosidade ou espiritualidade. Ela ocupa um espaço importante no sistema de valores, apegos, crenças, e esperanças da imensa maioria do povo.

A comparação entre “cinéfilos e literatos” ou entre “corintianos, santistas e palmeirenses” e as diversas manifestações religiosas existentes na sociedade é totalmente descabida. Escolher torcer por um determinado time de futebol ou ter maior apreciação por um determinado tipo de arte são fenômenos relativamente aleatórios, por razões dissociadas dos problemas fundamentais da sociedade. A religião, no entanto, não é assim.

A religião não é uma escolha do indivíduo. É, segundo Karl Marx,

o soluço da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração, o espírito de uma situação carente de espirito. É o ópio do povo. A verdadeira felicidade do povo implica que a religião seja suprimida, enquanto felicidade ilusória do povo. A exigência de abandonar as ilusões sobre sua condição é a exigência de abandonar uma condição que necessita de ilusões.

A concepção de que a religião seria um entorpecente para a miséria da sociedade capitalista é explicada claramente por Lênin:

A exploração económica dos operários causa e gera inevitavelmente todos os tipos de opressão política, de humilhação social, de embrutecimento e obscurecimento da vida espiritual e moral das massas. Os operários podem alcançar uma maior ou menor liberdade política para lutarem pela sua libertação económica, mas nenhuma liberdade os livrará da miséria, do desemprego e da opressão enquanto não for derrubado o poder do capital. A religião é uma das formas de opressão espiritual que pesa em toda a parte sobre as massas populares, esmagadas pelo seu perpétuo trabalho para outros, pela miséria e pelo isolamento. A impotência das classes exploradas na luta contra os exploradores gera tão inevitavelmente a fé numa vida melhor além-túmulo como a impotência dos selvagens na luta contra a natureza gera a fé em deuses, diabos, milagres, etc. Àquele que toda a vida trabalha e passa miséria a religião ensina a humildade e a paciência na vida terrena, consolando-o com a esperança da recompensa celeste. E àqueles que vivem do trabalho alheio a religião ensina a beneficência na vida terrena, propondo-lhes uma justificação muito barata para toda a sua existência de exploradores e vendendo-lhes a preço módico bilhetes para a felicidade celestial. A religião é o ópio do povo. A religião é uma espécie de má aguardente espiritual na qual os escravos do capital afogam a sua imagem humana, as suas reivindicações de uma vida minimamente digna do homem.

O papel de um militante revolucionário, portanto, não é o de ignorar o papel que a religião exerce na sociedade capitalista, mas sim o de incorporar o combate ideológico sobre a questão religiosa no seu rol de tarefas fundamentais. Isso, contudo, vai de encontro as teses absurdas levantadas por Arcary, para quem “ser socialista não é a adesão a uma associação de descrentes e incrédulos” e para quem “não é razoável esperar que todos aqueles que querem se organizar para lutar contra o capitalismo tenham que renunciar à sua fé”.

A posição defendida por Valério Arcary é, inevitavelmente, uma posição de colaboração com o regime capitalista. Afinal, se não for a esquerda revolucionária, a quem caberá a missão de denunciar o charlatanismo religioso e educar seus militantes de acordo com o método científico proposto por Marx e Engels? Trata-se, portanto, de uma posição oportunista, que visa a demagogia com o movimento operário. Não é possível alcançar o socialismo sem travar uma luta tenaz contra a direita, tanto contra o seu exército, como contra sua ideologia.

A ideia de que a religiosidade é um assunto privado, por sua vez, é tratada de maneira confusa por Valero Arcary. Essa bandeira deve ser levantada no sentido da defesa integral dos direitos democráticos da população – isto é, a garantia de que todos tenham os mesmos direitos, independentemente da crença religiosa. Nesse sentido, a esquerda deve lutar para que cada um deva ser absolutamente livre de professar qualquer religião que queira ou de não aceitar nenhuma religião. Para o partido socialista, contudo, a luta ideológica não deve ser assunto privado, mas sim de todo o proletariado. O partido deve ser, conforme Lênin, “uma associação de combatentes conscientes e de vanguarda pela libertação da classe operária”.

A posição defendida por Valério Arcary é, inevitavelmente, uma posição de colaboração com o regime capitalista. Afinal, se não for a esquerda revolucionária, a quem caberá a missão de denunciar o charlatanismo religioso e educar seus militantes de acordo com o método científico proposto por Marx e Engels? Trata-se, portanto, de uma posição oportunista, que visa a demagogia com o movimento operário. Não é possível alcançar o socialismo sem travar uma luta tenaz contra a direita, tanto contra o seu exército, como contra sua ideologia.

Valério Arcary conclui seu artigo defendendo que a “a luta pelo ateísmo não deve estar nem no programa, nem nos estatutos de uma organização socialista”. De fato, um partido socialista não precisa colocar no seu programa o ateísmo como uma condição necessária para a militância. No entanto, isso não impede que esse atue, em sua prática, no sentido de superar os preconceitos e atrasos advindos da religião. Segundo Lênin:

Não é com nenhuns livros nem com nenhuma propaganda que se pode esclarecer o proletariado se não o esclarecer a sua própria luta contra as forças negras do capitalismo. A unidade desta luta realmente revolucionária da classe oprimida pela criação do paraíso na terra é mais importante para nós do que a unidade de opiniões dos proletários sobre o paraíso no céu. É por isso que não declaramos nem devemos declarar o nosso ateísmo no nosso programa; é por isso que não proibimos nem devemos proibir aos proletários que conservaram estes ou aqueles vestígios dos velhos preconceitos que se aproximem do nosso partido. Sempre defenderemos a concepção do mundo científica, é-nos necessário lutar contra a inconsequência de quaisquer «cristãos», mas isto não significa de modo nenhum que se deva avançar a questão religiosa para primeiro lugar, que de maneira nenhuma lhe pertence, que se deva admitir a dispersão das forças da luta realmente revolucionária, econômica e política, por causa de opiniões ou delírios de terceira ordem que perdem rapidamente todo o significado político e são rapidamente deitados para a arrecadação dos trastes velhos pelo próprio curso do desenvolvimento econômico.

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