Antônio Carlos Silva, da direção nacional do PCO, representante do Partido no Foro de São Paulo, diretamente da Venezuela
Em direção ao Foro de São Paulo, que se iniciou hoje, em Caracas, atravessamos uma boa extensão de Venezuela, partindo de Boa Vista (RR), viajando por cerca de 20 horas, pelos mais distintos meios de transportes (carro, ônibus e avião), desde a capital do extremo norte brasileiro até a capital venezuelana.
Em primeiro lugar, é importante que se destaque que com a presença de um número significativo de venezuelanos em terras brasileiras (que não se pode dar crédito nenhum aos números divulgados pelo governo golpista brasileiro), a imprensa e setores da direita buscam criar um clima de que, ao se deslocar pela fronteira, encontrar-se-ia uma multidão de bolivianos vagando pelas estradas, famintos ou até “mortos-vivos” como zumbis. Nada disso corresponde à realidade.
É obvio que a crise nesse país vizinho levou e leva a um deslocamento maior de venezuelanos em direção ao Brasil, mas, nem de longe, esse número é sequer próximo daquilo que a campanha da direita faz supor. Taxistas e a própria imprensa local, brasileira, dão conta que há um crescimento no número de brasileiros que se deslocam em direção à Venezuela para turismo e negócios.
A gigantesca desvalorização cambial, provocada pelo bloqueio e sabotagem econômica do imperialismo, apoiados pela direita venezuelana e por outros governos capachos dos EUA, como o de Bolsonaro, fez com que muita gente buscasse, nas cidades próximas à fronteira, seja do lado brasileiro (Pacaraima), seja do lado venezuelano (Santa Elena), dedicar-se a pequenos negócios vinculados à migração, como o Câmbio, transporte e todo tipo de exploração da movimentação de setores afetados pela crise. Então fica claro: nem de longe vê se aqui uma situação de catástrofe total como se quer anunciar.
O que temos é uma situação de crise e pobreza, que por muito pouco se diferencia da situação de miséria comum em muitas regiões mais pobres do Brasil, seja nas periferias das grandes cidades ou mesmo nos grandes centros, onde ha cada vez um número maior de pessoas vivendo da mendicância, sem emprego ou vivendo de “bicos” (mais de 28,5 milhões de desempregados e subempregados em todo o País), ou ainda o que vemos nas regiões mais pobres do interior do País, com um aumento estratosférico da miséria estimulada pela política do regime golpista de ataques a todos os setores mais frágeis e explorados da população como os indígenas, os sem terra, os sem tetos etc.
Conversamos com venezuelanos pobres que trabalham e/ou trabalharam no Brasil e nos chamou a atenção a consciência crescente que se espalha entre muitos deles, de que a miséria no Brasil é ainda mais sofrida do que em terras venezuelanas, uma vez que se sentem totalmente desamparados e são perseguidos, muitas vezes, por elementos de direita (minoria), tratando-os de forma preconceituosa, lhes humilhando e buscando estabelecer uma regime de super exploração, por exemplo, tentando fazer com que trabalhem em troca de um prato de comida ou corromper mulheres para a prostituição.
Como nos disse A., camponês que trabalha como pedreiro no Brasil, tendo documentos brasileiros e família do lado de cá da fronteira , “o povo vai vendo que por mais difícil que esteja as coisas por aqui, ainda é melhor viver aqui do que sair para o Brasil… que aqui há muito tempo temos gasolina, água e eletricidade, praticamente de graça e lá não temos nada e nem os brasileiros pobres têm” [gasta-se menos de R$ 30 por ano com o pagamentos desses serviços públicos no interior Venezuela].
Contra a campanha feita pela impressa burguesa, de que “é preciso tomar cuidado”, pois estaríamos “ingressando no fim do mundo”, “uma terra tomada por “zumbis”’ e/ou por assaltantes, na realidade, fomos muito bem tratados. As companheiras que me acompanhavam eram muito simpáticas e, não foram poucas as vezes que “nos sentimos em casa”, tamanha a hospitalidade e camaradagem. Havia pobreza sim, mas nada de “bandos famintos errantes”, de “gente brigando por comida”, “bandos assaltando à luz do dia”, ou algo do tipo – como divulga a venal imprensa golpista e muita gente, inclusive da esquerda, dá crédito do lado brasileiro.
Viajamos por mais de 15 horas de carro e ônibus, desde Boa Vista, e enfrentamos estradas muito esburacadas em alguns trechos, a maior parte do tempo em um ônibus onde muita gente transportava mercadorias, como pneus e todo tipo de utensílio, algo que presenciei muitas vezes no interior do Brasil e como se costuma ver em todas as regiões pobres do planeta. Em nenhum momento faltou a camaradagem e quase sempre se ouvia (em alto volume) música rural venezuelana – o povo é teimoso, como no Brasil, não perde sua fé e sua esperança.
A marca da religiosidade se fez muitas vezes presente, como nos diversos camelôs que se apresentaram no ônibus para vender balas, doces, biscoitos, em quase nada diferente do que se vê nos trens da Central do Brasil, no Rio, ou mesmo – clandestinamente – no metrô de São Paulo. Uma diferença é que aqui, quase todos eles, clamavam a Deus, pediram bênçãos ao final e eram respondidos com um “amém” por quase todos os passageiros.
No aeroporto de Puerto Ordaz, um problema. A empresa aérea, em um claro sinal da pressão do imperialismo e do apoio de setores golpistas da burguesia nacional, não aceitava pagamento em moeda (nacional – bolívar – ou estrangeira, qualquer que fosse); nosso cartão apresentou problemas e não tínhamos como comprar a passagem, que tinha um preço bem reduzido em relação aquele das monopólios que controlam transporte aéreo no Brasil. A viagem até Caracas (cerda de 1h) custava o equivalente a cerca de R$ 150 reais. Mesmo tendo dinheiro não tínhamos como pagar. Imediatamente um senhor, de classe média, que viajava com sua família e que havia nos dito – desconhecendo a situação política brasileira – “o Brasil precisa ajudar a Venezuela”, se dispôs a nos socorrer e sacou do seu cartão de credito. Para nosso azar, a máquina acusou algum problema, já que ele havia acabado de pagar as passagens de sua família. Nova demonstração de urbanidade, incomum nesses dias, na classe média brasileira, pediu o cartão de sua esposa e, finalmente realizou o pagamento, sem nem mesmo ter certeza ou perguntar, se tínhamos mesmo condições de lhe devolver o valor pago, o que só o fizemos algum tempo depois quando voltamos a nos encontrar na fila do aeroporto – e vale ressaltar, com ele nos cobrando menos do que havia sido pago, por pura gentileza.
Em todos os lugares, há escassez de certos produtos, pois a Venezuela é uma país capitalista atrasado – mais do que o Brasil -, que depende (há muito) da exportação de petróleo, frente ao embargo e o cerco norte-americano, houve um necessário aumento dos gastos com defesa (não se pode deixar o País à mercê das provocações do imperialismo e da direita), levando a situação a piorar e resultando hoje em enormes dificuldades em várias áreas. Mesmo com toda essa sabotagem dos EUA, que a imprensa deixa de lado, sempre foi possível obter a preços módicos, boa comida, e muita atenção de um povo que luta contra o imperialismo diariamente.
Chegamos a Caracas, com aeroporto em condições semelhantes aos da maioria das capitais brasileiras e melhores do que muitos do interior do País. Milhares de habitações nos morros, como se vê no Rio de Janeiro, trânsito intenso. Nada que não se veja em nenhum parte do nosso País. Era feriado, celebração do nascimento de Simon Bolívar, herói da independência nacional e de toda a América Latina e a maior parte do comércio estava fechado.
Mas isso fica para a próximo relato, que publicaremos aqui em nosso Diário.