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Suicídio, um novo pretexto da esquerda para manter o monopólio das armas da polícia assassina?

Como se sabe, a política da burguesia sempre foi desarmamentista. Afinal, historicamente, nunca interessou a nenhuma classe dominante o armamento da população. Também é sabido que, como disse Marx, “as ideias da classe dominante são, em todas as épocas, as ideias dominantes”. Na construção da ideologia desarmamentista, a burguesia lança mão de todo tipo de falácia. O debate voltou à tona com a ascensão de Jair Bolsonaro e a demagogia que ele – como bom direitista – faz em torno do tema. Nessa batalha, a esquerda pequeno-burguesa e seu discurso pacifista segue bovinamente a campanha promovida por toda a imprensa golpista em seus diversos meios. Não há dia em que não se noticie um acidente de trânsito seguido de agressão armada – normalmente entre policiais –, uma briga de bar seguida de morte a tiros etc.. Nesse festival de manipulações, não poderia deixar de vir à tona a questão do suicídio por armas de fogo. Já começam a grassar nas colunas dos jornais textos alarmistas, criando uma falsa relação causal entre a posse de armas de fogo e os casos de suicídio.

A esquerda pequeno-burguesa não apenas segue a orientação da direita como também contribui para reforçá-la. É o caso de um artigo publicado na última semana por Beatriz Cerqueira, ex-dirigente da CUT em Minas Gerais e hoje deputada estadual pelo PT. A parlamentar usa como base um o livro Sem tempo para dizer adeus da norte-americana Carla Fine. Motivada pela experiência pessoal da autora, cujo marido se suicidou, a obra se destina auxiliar pessoas cujos entes queridos puseram fim às próprias vidas. Não se trata de estudo sociológico, mas mesmo assim Cerqueira apressa-se a induzir que, se “o uso de armas foi responsável por 65% do total de suicídios”, logo “devemos proteger nossos jovens, dificultar o acesso a armas, não incentivá-lo”.

É sabido que, como fenômeno social, o suicídio decorre sobretudo da incapacidade do ser humano em construir sentido para a própria existência a partir de suas relações com o mundo concreto. Tal relação vai muito além de uma construção individual. É a sociedade que constrói a relação do ser humano com o mundo por meio dos modos de produção. No capitalismo, em que a força de trabalho é vendida como mercadoria, a relação do homem com o mundo é de exploração e dominação – não apenas de si mesmo, mas de grupos sociais inteiros. Se o proletariado alienado da posse e dos meios do produto de seu trabalho deixa de ver sentido naquilo que faz, à classe média pouco resta além de agenciar para a burguesia a exploração do proletariado.

É o capitalismo que aliena a pessoa e a leva à depressão e ao suicídio – e isso não apenas como abstração filosófica, mas também pela escassez real de meios de subsistência para a classe trabalhadora em geral. A política capaz de reduzir as taxas de suicídio, portanto, é aquela que combate o capitalismo. No Brasil, muito acima das taxas de suicídio, estão as taxas de assassinato da população pobre por membros das forças estatais de repressão, que com a política desarmamentista implementada pela própria esquerda hoje detêm o monopólio legal do uso de armas. As forças de repressão não apenas traficam armas para o crime organizado. Elas também se organizam em milícias assassinas e esquadrões da morte que extorquem, torturam e assassinam os trabalhadores do campo e das periferias das cidades diariamente. Foram elas as executoras de Marielle Franco, por exemplo, em plena intervenção militar no Rio de Janeiro. Paradoxalmente, é a elas, as forças de repressão, que todo o um setor da esquerda pequeno-burguesa recorre em busca de proteção. É o caso de Marcelo Freixo (PSOL), que defende a política das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) nas comunidades de nossas metrópoles. Não é o caso de verdadeiras lideranças populares. A própria Marielle, originária da Maré e não do Leblon, combatia tal medida. É evidente: mais policiais nas comunidades significam mais repressão e mais mortes.

A verdadeira esquerda, a defensora da classe trabalhadora, defende o direito ao armamento do povo. As armas de fogo são instrumentos que colocam a população em condição de reagir minimamente à altura dos arbítrios da polícia assassina. Trata-se de uma questão de direito fundamental de autodefesa da classe trabalhadora frente ao genocídio estatal em nome da lei e da ordem, e não de uma política de segurança pública a ser analisada sob uma ótica individualista. Se disponíveis, é natural que armas sejam usadas por suicidas – o que não significa que deixariam de cometer suicídio caso não as tivessem em mãos.

Vejamos alguns dos números distorcidos ou omitidos pela parlamentar esquerdista em seu afã de defender seu pontos de vista. Em 2016 por exemplo, houve quase 12 mil suicídios no Brasil, uma taxa de 5,5 indivíduos para cada 100 mil habitantes. A taxa é maior que a de 4,5 registrada pelo IBGE nos anos que antecederam o estatuto do desarmamento em 2003, o que sugere que não há relação entre o armamento da população e o número de homicídios.

Já nos Estados Unidos, país central do capitalismo global, cerca de 45 mil pessoas se suicidaram em 2016. A taxa é de 13,42 indivíduos para cada 100 mil habitantes (50% deles cometidos por armas de fogo, ou 15% a menos do afirmado por Cerqueira). E mais que o dobro da taxa brasileira. Os índices de suicídio se mantiveram relativamente estáveis nos Estados Unidos até a virada do século – na casa dos 30 mil por ano – iniciaram uma vertiginosa ascensão após a virada do século. Foi justamente quando a crise do capitalismo voltou a intensificar-se, redundando nas guerras no Oriente Médio. Há diversos estudos relacionando crises econômicas aos índices de suicídio. São os chamados “suicídios econômicos”, que aumentaram sensivelmente nos países centrais do capitalismo sobretudo após a crise de 2008.

Vejamos agora alguns números relativos aos homicídios. No Brasil, em 2016, um total de 62 mil pessoas foram assassinadas – uma aterradora taxa de quase 30 indivíduos por 100 mil habitantes. Cerca de 71% do total (43 mil pessoas) foram mortas por armas de fogo fornecidas quase que exclusivamente pelas forças de segurança, detentoras do monopólio legal de sua posse. Além disso, 4,2 mil pessoas foram diretamente assassinadas pela polícia no Brasil: uma estatística evidentemente mascarada sob a rubrica mortes a esclarecer, com mais de 9 mil vítimas. Por outro lado, os norte-americanos registraram naquele ano 17 mil homicídios – ou 5,35 indivíduos para cada 100 mil habitantes. É quase um sexto da taxa brasileira. Os norte-americanos matam muito menos que os brasileiros, mas suicidam-se muito mais.

Suicídios e Homicídios nos Estados Unidos e no Brasil em 2016. Fonte: IPEA e CDC.
Mortes Total Índice (/100mil) Com arma de fogo Índice (/100mil)
Suicídios EUA 44.965 13,9 22.938 7,1
Suicídios Brasil 11.433 5,5 950 4,6
Homicídios EUA 19.362 6 14.415 4,5
Homicídios Brasil 62.517 30,3 44.475 21,5

As estatísticas globais mostram que o número de homicídios está relacionado sobretudo à desigualdade social do país, o que redunda numa maior brutalidade da classe dominante por meio das forças de repressão estatal que, mais armadas, induzem a uma maior violência. Não se trata absolutamente algo relacionado à posse de armas de fogo, como a campanha da burguesia quer fazer crer, e na qual apressadamente a esquerda pequeno-burguesa pega carona.

Frente a esses números, conclui-se primeiramente que quanto mais capitalista o país, maior o número de suicídios. Conclui-se ainda que quanto maior a desigualdade social, maior o número de assassinatos. E pode-se argumentar que, entre nós, tais assassinatos são promovidos pelo monopólio do uso de armas pelas forças de segurança, o que tem levado a violência a níveis altíssimos. Ao contrário do que defende a esquerda pequeno-burguesa, não é pela redução na disponibilidade dos instrumentos de suicídio que se combate essa prática, mas na suplantação do capitalismo.

 

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