O vice-presidente dos EUA, Mike Pence, está em visita ao Brasil esta semana. Os principais temas são o criminoso encarceramento de imigrantes latino-americanos (entre os quais, brasileiros) na fronteira dos EUA e o aumento do cerco contra a Venezuela.
Na chegada à colônia, Pence (que manda mais no Brasil que o próprio Michel Temer) se reuniu com o “presidente” instalado pela metrópole. Discursando como se estivesse em casa (o quintal é parte da casa), Pence tratou todo o povo brasileiro como um súdito da mais baixa categoria. Disse para não se arriscarem entrando ilegalmente nos EUA e para, ao invés disso, construírem suas vidas no Brasil (como se fosse possível viver em uma terra em que todos os recursos e riquezas são assaltados pelo império).
Ao mesmo tempo em que dizia na cara de Temer que os EUA não aceitarão os imigrantes brasileiros, o representante de Washington anunciou o repasse de US$ 10 milhões para que os imigrantes venezuelanos que cheguem ao Brasil tenham acesso a moradia, e mais de US$ 1 milhão diretamente para o governo brasileiro, por seu trabalho em relação aos venezuelanos.
Ou seja, na prática os EUA estão pagando o governo brasileiro para atrair venezuelanos e pagando venezuelanos para que se transfiram ao Brasil. Para os ingênuos, a primeira vista, pode parecer um “ato humanitário” por parte dos dois governos, mas obviamente não se trata disso. É uma das principais estratégias do imperialismo para intervir militarmente na Venezuela, com a desculpa de “crise humanitária” pela “onda de refugiados”, “fugindo” da “fome” e da “ditadura” de Nicolás Maduro.
A fala de Pence, afirmando que Caracas é uma ameaça para a segurança regional e que o Brasil deve “adotar mais atitudes” para isolar a Venezuela, está diretamente relacionada com os imigrantes que aqui chegam.
O plano é bem simples de se compreender, está sendo aplicado etapa por etapa há pelo menos quatro anos, e já foi revelado publicamente com o vazamento do relatório do Comando Sul. Primeiro, os EUA utilizam seus capachos venezuelanos, a oligarquia reacionária, para boicotar a distribuição e a importação de produtos básicos, causando uma escassez induzida pelo estocamento em redes privadas de supermercados e estabelecimentos comerciais. Com a diminuição artificial da oferta, a burguesia aumenta escandalosamente os preços dos produtos, especulando e contrabandeando por meio de redes mafiosas, gerando uma inflação sem precedentes. A população fica sem acesso a remédios e alimentos, causando enorme crise econômica e social. Depois, a oposição – ricamente financiada pelo governo estadunidense e os milionários corruptos que vivem em Miami – provoca manifestações violentas com dezenas de mortos, vandalismo e sabotagem a instalações vitais para o funcionamento da vida cotidiana do país. Esse cenário de caos induzido leva à procura de alternativas por uma parte da população, como sempre ocorre na maioria dos países quando a situação econômica não é favorável: a emigração.
Mas ela, particularmente, também é fruto de uma ampla campanha de manipulação. Como explica o antropólogo venezuelano José Negrón Valera, pesquisador sobre guerras não-convencionais, contraterrorismo e operações de informação:
Os fatores que servem de ponta de lança para a agressão contra a Venezuela, em primeiro lugar, têm uma dimensão psicológica, que se apoia no conceito de “diáspora venezuelana”. Esta representa uma das maiores campanhas de intervenção psicológica que têm tido lugar e seu enfoque é dirigido à juventude. O chamado é a emigrar como única saída da crise política e econômica que se vive no país. O tom das mensagens que inundam as redes sociais, programas de televisão e de rádio, simplificam a complexa realidade através de um único culpado: Nicolás Maduro.
Nesta campanha propagandística impulsionada através da Internet, foram investidas enormes somas de dinheiro para posicionar nos principais resultados de pesquisas, assim como na publicidade que aparece nos aplicativos e jogos baixados nos celulares, tutoriais, notícias, histórias de êxito que reforçam a ideia de emigrar. Essa tática não é inocente. Tenta-se utilizar esse fenômeno como base para legitimar, como veremos mais adiante, o argumento de intervenção por causas “humanitárias”.
É aí que se encaixa o montante injetado pelo governo dos EUA no Brasil, para, supostamente, melhorar as condições de acolhimento de imigrantes venezuelanos. Trata-se de estimular a vinda de venezuelanos, oferecendo benefícios diretos, pagos pelos EUA. Induzem, assim a “onda de refugiados”, para uma mais profunda desestabilização da Venezuela, inclusive retirando capital humano de alta qualificação técnica e profissional na tentativa de impedir a recuperação do país.
Essa estratégia não é nova. Desde os tempos da Guerra Fria ela vem sendo adotada, com leis especiais e campanhas sistemáticas em meios de comunicação hegemônicos e clandestinos incitando cidadãos da Alemanha Oriental, Tchecoslováquia, Hungria, Cuba e Coreia do Norte (essas duas últimas, ainda em vigor) a emigrarem para o “mundo livre”. Não é a toa que Mike Pence utiliza os mesmos termos de 50 anos atrás para se referir à situação na Venezuela.
PS: O repasse de dinheiro para o governo brasileiro também é uma forma de recompensá-lo por seguir ao pé da letra todas as ordens da Casa Branca em relação à Venezuela, como as votações favoráveis para suspender a Venezuela do Mercosul e da OEA e o desmantelamento da Unasul. “Obrigado pelo apoio aos venezuelanos e pela liderança ao enfrentar regimes autoritários”, disse Pence a Temer.