Na última quarta-feira (9), os vereadores do Partido Liberal (PL) Zoe Martínez e Lucas Pavanato protocolaram projetos de lei na Câmara Municipal de São Paulo que tornam obrigatório o sepultamento de fetos nascituros e natimortos, sem distinção de idade gestacional, peso ou tamanho. A proposta proíbe qualquer descarte que não respeite a “dignidade da pessoa humana” e prevê a cremação como alternativa, a critério da família, além de exigir a entrega de atestado de óbito. Apresentados separadamente, os textos devem tramitar juntos e intensificam a repressão ao aborto na cidade, somando-se a outras iniciativas do PL com o mesmo objetivo.
Atualmente, uma portaria do Ministério da Saúde estabelece que, em óbitos fetais, a declaração de óbito é obrigatória apenas quando a gestação ultrapassa 20 semanas ou o feto pesa 500 gramas, ou mais. Para casos abaixo desses limites, os hospitais encaminham o material biológico para incineração
O projeto dos vereadores, porém, elimina essa diferenciação, forçando o sepultamento em todas as situações. Na justificativa, Martínez e Pavanato alegam que a medida protege “a dignidade da vida humana desde a concepção” e oferece “respeito e empatia” às famílias que perdem um filho.
Pavanato já havia apresentado outro projeto que dificulta o acesso ao aborto legal, exigindo boletim de ocorrência para comprovar estupro em procedimentos autorizados. À imprensa, ele negou que o novo texto vise restringir direitos, afirmando que busca apenas “ressaltar a dignidade do ser humano”.
Já Martínez declarou: “enquanto o País discute o direito de interromper a vida, eu proponho que a gente comece respeitando quem já a perdeu”. Ambos os projetos seguem modelo semelhante ao do vereador Sérgio Camargo (PL), de São José dos Campos, que também defende restrições ao aborto.
Os textos ainda precisam passar por comissões e votação na Câmara. Segundo informações da Casa, a tramitação conjunta foi um pedido dos autores, que contam com apoio da bancada conservadora.
Dados do IBGE mostram que, em 2023, cerca de 1,2 milhão de abortos espontâneos ocorreram no Brasil, muitos sem registro formal, o que pode ampliar o impacto da medida, caso aprovada. Organizações como a Frente Nacional pelo Direito das Mulheres já manifestaram repúdio, apontando que a proposta sobrecarrega famílias e viola a autonomia feminina.
A campanha do PL reflete uma ofensiva nacional contra direitos reprodutivos. Em 2024, o partido tentou aprovar no Congresso o Projeto de Lei 1904/24, que equipara aborto após 22 semanas a homicídio, mas a proposta foi arquivada após pressão popular. Especialistas consultados pelo jornal Folha de S. Paulo como a advogada Mariana Lopes, afirmam que essas medidas criam barreiras burocráticas e emocionais, afetando sobretudo mulheres pobres.
A obrigatoriedade de sepultamento ignora a realidade de quem enfrenta perdas gestacionais e reforça o controle estatal sobre o corpo feminino. As organizações de esquerda e entidades de luta pelos interesses das mulheres precisam se mobilizar para barrar essa ofensiva, que ameaça os direitos democráticos de mais da metade da população brasileira.