Estados Unidos

Vazamento de mensagens expõe desprezo de Trump pela Europa

Enquanto Trump quer transações com a Europa, Vance sonha com um divórcio total

Um vazamento de mensagens do governo Trump revelou não só o desprezo da equipe do presidente pelos aliados europeus, mas também uma falha grave na segurança nacional dos Estados Unidos. Conversas privadas no aplicativo Signal, que incluíram o jornalista Jeffrey Goldberg, editor-chefe da revista The Atlantic, expuseram planos detalhados de ataques contra o governo revolucionário no Iêmen e críticas abertas à Europa por parte de figuras como o vice-presidente J.D. Vance e o secretário de Defesa Pete Hegseth. A denúncia, publicada nesta semana, gerou alvoroço no país imperialista e reacendeu debates sobre a condução da política externa norte-americana.
O grupo no Signal, batizado de “Houthi PC small group”, reunia nomes de peso do governo, como Vance, Hegseth, o conselheiro de Segurança Nacional Michael Waltz e o conselheiro sênior Stephen Miller. As mensagens, trocadas antes dos ataques de 15 de março contra alvos no Iêmen, detalhavam alvos, armas e a sequência da operação, que começou às 14h (horário local). Goldberg recebeu os planos às 11h44, quase duas horas antes, após ser adicionado por engano por Waltz em 11 de março. Ninguém notou ou removeu o jornalista até o fim da ação, o que levanta sérias questões sobre o controle de informações sigilosas.

Vance foi o mais vocal contra a Europa. Ele questionou o ataque, alertando: “acho que estamos cometendo um erro. Só 3% do comércio dos EUA passam pelo canal de Suez, mas 40% do comércio da Europa dependem disso”. Para ele, o público norte-americano não entenderia a necessidade da operação, e o motivo mais forte seria “enviar uma mensagem”, como Trump já havia dito. Ele também mostrou desdém por aliados como Reino Unido e França, chamando-os de “algum país aleatório que não luta uma guerra há 30 ou 40 anos” – ignorando que ambos estiveram no Afeganistão e o Reino Unido no Iraque. “Não tenho certeza se o presidente sabe o quanto isso contradiz sua mensagem sobre a Europa agora. Há ainda o risco de uma alta moderada a severa nos preços do petróleo”, escreveu, sugerindo adiar o ataque em um mês para “explicar por que isso importa”.

Hegseth, por sua vez, defendeu a ação, mas compartilhou o desgosto com os europeus: “se você acha que devemos ir, vamos. Só odeio salvar a Europa de novo”. Ele completou: “concordo plenamente com seu desprezo pelo parasitismo europeu. É PATÉTICO. Mas somos os únicos no planeta, do nosso lado, que podem fazer isso”. Waltz, mais pragmático, disse: “terá de ser os Estados Unidos a reabrir essas rotas marítimas”, mas sugeriu cobrar o custo dos europeus depois. Miller encerrou o debate: “luz verde, mas logo deixaremos claro ao Egito e à Europa o que esperamos em troca”.

O porta-voz do Conselho de Segurança Nacional Brian Hughes, admitiu a autenticidade das mensagens e disse que estão investigando como um “número errado” entrou no grupo. “O sucesso contínuo da operação contra os houthis [Ansar Alá] prova que não houve ameaça às tropas ou à segurança nacional”, afirmou, tentando minimizar o caso, mas especialistas discordam. Ex-diretor de litígios dos Arquivos Nacionais, Jason R. Baron lembrou que leis federais proíbem o uso de aplicativos como Signal para assuntos oficiais sem registro em sistemas governamentais.

Algumas mensagens tinham autodestruição ativada, o que viola regras de preservação de documentos. O escândalo abalou a Casa Branca (sede do governo federal dos EUA). O presidente da Câmara, Mike Johnson, chamou o erro de “grave” e cobrou correções rápidas, mas evitou pedir demissões. Internamente, porém, a pressão é forte. Um funcionário anônimo disse à revista Politico que metade dos assessores acha que Waltz “não deveria sobreviver” ao vexame. “Foi imprudente não checar quem estava no grupo e usar o Signal para isso. Não dá para ter imprudência como conselheiro de segurança”, declarou. Outro foi mais duro: “Todos na Casa Branca concordam em uma coisa: Mike Waltz é um idiota”. A porta-voz Karoline Leavitt defendeu o time: “Trump mantém total confiança em sua equipe de segurança, incluindo Waltz”. Mesmo assim, fontes dizem que o destino dele depende da reação dos meios de comunicação nos próximos dias.

A alegação do governo norte-americano é de que a operação no Iêmen visava proteger rotas comerciais no Mar Vermelho, alvos de ataques do governo revolucionário iemenita desde 2023, que forçaram 75% dos navios norte-americanos a evitarem a região, segundo Waltz. Trump justificou os ataques como resposta à influência do Irã, principal apoiador do grupo, e exigiu que Teerã cortasse laços com o Ansar Alá. Após o sucesso inicial, Waltz comentou: “trabalho incrível”, ao passo que a chefe de gabinete Susie Wiles, escreveu: “parabéns a todos, especialmente aos que estão em campo e no CENTCOM! Deus abençoe”. O vazamento, porém, expôs mais do que o plano militar: revelou um governo que vê a Europa como peso morto. Steve Witkoff, enviado de Trump, disse em podcast que as economias do Golfo podem substituir a Europa “hoje disfuncional”. Tucker Carlson foi além: “seria bom pro mundo, porque a Europa está morrendo”.

O caso provocou a reação de líderes europeus. Chefe de política externa da UE, Kaja Kallas acusou Vance de “querer briga” com aliados. Um diplomata alertou: “ele é muito perigoso para a Europa, talvez o mais perigoso do governo”. Outro disse que Vance parece “obcecado” em dividir o Atlântico. Nos EUA, críticos de Waltz, como isolacionistas nas redes sociais, questionaram por que ele tinha o número de Goldberg, sugerindo laços neoconservadores do passado – ele já aconselhou Dick Cheney.

William Martin, porta-voz de Vance, negou racha com Trump: “o vice-presidente apoia plenamente a política externa do governo e já conversou com o presidente sobre isso”. Enquanto Trump quer transações com a Europa, Vance sonha com um divórcio total. A falha da segurança somada à guerra no Iêmen – que já deixou 50 mortos em ataques recentes –, mostra uma cisão no governo Trump que deverá ser acompanhada.

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