O artigo Os crimes de Bolsonaro: a disputa de narrativa se faz necessária, de Oliveiros Marques, publicado pelo Brasil247 nesta terça-feira (2), começa mal já no título com a conversa de “disputa de narrativa”. Esse conceito falacioso voltou à moda e se popularizou com a infiltração do identitarismo na esquerda. A verdade fica em suspensão, deixa basicamente de existir, tudo passa a ser uma “disputa de narrativa”. A boa argumentação, um pensamento rigoroso, a observação da realidade, deram lugar a uma “disputa”, e quem a vencer passa a deter a verdade.
Do alto de suas certezas, ou de sua ‘narrativa’, Marques diz o seguinte: “Já destaquei neste espaço a importância de recorrer a esquemas, desenhos e ilustrações para facilitar a compreensão dos fatos. O julgamento que começa hoje – o primeiro de um ex-presidente no banco dos réus por crimes contra a democracia – é uma dessas situações que exige a exposição do óbvio, para não permitir margem para tergiversações ou versões fantasiosas”. Talvez o autor não tenha se dado conta, mas não desenha tão bem quanto imagina.
Para começar, como ex-presidente, Bolsonaro não deveria ser julgado pelo STF. E essa corte não poderia ter provocado o processo da fantasiosa tentativa de golpe. Não deixa de ser estranho, nem dá para acreditar, que uma corte que avança sobre as atribuições do Legislativo e até do Executivo, que distorce a Constituição, como na liberdade de expressão, esteja protegendo a democracia.
Não há proteção da democracia quando não se respeita o devido processo legal, ou quando um juiz investiga, relata e julga um processo em que ele próprio figura como vítima. Mas, sim, deve-se acreditar que este será imparcial nessa “Operação Lava Jato – 2”.
Boa memória
Oliveiros Marques achou conveniente lembrar que “Jair Bolsonaro já havia sido condenado e se encontra inelegível por oito anos, em razão do abuso de poder político e do uso indevido dos meios de comunicação durante a reunião com embaixadores estrangeiros realizada no Palácio da Alvorada, em 18 de julho de 2022, quando mais uma vez espalhou mentiras sobre o sistema eleitoral e a segurança das urnas eletrônicas”. Outra condenação absurda, “criativa”, que se apoia na antidemocrática Lei da Ficha Limpa.
A Lei da Ficha Limpa é uma aberração jurídica, fere a Constituição, pois um processo contra um político não precisa ter seu trânsito em julgado no STF ou STJ, basta apenas que algum tribunal o condene.
Fica claro que a burguesia quer Jair Bolsonaro fora das próximas eleições; o ex-presidente “passa a responder por cinco crimes ainda mais graves: organização criminosa armada, dano qualificado contra o patrimônio da União, deterioração de patrimônio tombado, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e tentativa de golpe de Estado”.
Inventividade
Em seu texto, Oliveiros diz que “o roteiro identificado pela Polícia Federal e corroborado pela Procuradoria-Geral da República demonstra, sem margem de dúvida, a construção planejada e sistemática da trama golpista.”. Roteiro é um termo bem apropriado para essa obra de ficção que criaram contra Bolsonaro. Nada que realmente surpreenda em um país que já presenciou verdadeiras façanhas jurídicas como o Mensalão e a Operação Lava Jato.
O articulista lista uma série de “evidências” como “o chamado Plano Punhal Verde e Amarelo, que previa o assassinato de Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes; as barreiras da Polícia Rodoviária Federal que tentaram impedir eleitores de Lula de votar no Nordeste; a minuta de golpe que previa a instalação de um poder ditatorial; as manifestações em rodovias e diante de quartéis; e, por fim, os atos terroristas de 8 de janeiro de 2023 contra a sede dos Três Poderes”.
As barreiras da Polícia Federal, por exemplo, que ocorreram quando o paladino da Justiça, Alexandre de Moraes, presidia o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), uma espécie de puxadinho do Supremo, foram à época objeto de um pronunciamento do magistrado, que considerou, apesar do atraso na chegada dos eleitores, que não aquelas não teriam impedido que o voto fosse exercido, e sequer cogitou prorrogar o horário de votação. No entanto, como Moraes poderia garantir que eleitores não teriam desistido de votar por conta dos bloqueios?
Manifestações em rodovias, se passarem a ser tratadas como crime, é melhor a esquerda começar a se preocupar com o que acontecerá com o MST e outras entidades populares na luta por seus direitos.
Os “atos terroristas” de 8 de janeiro são os mais curiosos. Os bolsonaristas, que supostamente estavam ali para dar um golpe de Estado, invadiram alguns prédios públicos desarmados e, por algum motivo misterioso, não se encastelaram e nem deram continuidade à tomada do poder, foram embora.
Ainda que Marques diga que existem “provas materiais e irrefutáveis: mensagens trocadas, documentos impressos e digitais, depoimentos de participantes das reuniões golpistas. A robustez da evidência é tamanha que há até desavisadas admissões de culpa em declarações de acusados”. A defesa de Bolsonaro alegou apropriadamente que tudo não passa de pesca probatória.
Segundo o articulista, a condenação de Bolsonaro “não é apenas provável – é inevitável”. Na verdade, a condenação já estava decidida desde o início, trata-se agora de dar um ar de legalidade para a farsa jurídica.
Finalizando, Oliveiros Marques sustenta que “tudo é claro, tudo é objetivo. Mas a história nunca se escreve apenas com objetividades. Daí a necessidade da disputa de narrativas”. Apesar de que nada esteja claro, objetivo, e se sustente basicamente em delação premiada, o mesmo expediente que vimos sendo utilizado na Lava Jato.
Vale lembrar que ficou famoso o vídeo postado pelo próprio Moraes “convencendo” o delator Mauro Cid a dizer coisas aceitáveis, ou voltaria para a prisão e veria responsabilizados seu pai, sua esposa, e sua filha maior.
A necessidade de “disputa de narrativa” é uma exigência nesse caso, pois a verdade está posta de lado.
Para o autor, “cabe ao campo democrático reafirmar, sem hesitação, que houve sim uma tentativa de golpe contra a democracia brasileira”. Faltou afirmar que o caso está sendo julgada por uma corte que não apenas tentou, mas foi peça fundamental no golpe efetivamente dado em 2016.




