Em artigo publicado no Brasil 247 e intitulado Fuga de Eduardo Bolsonaro: um tapa na cara da democracia e dos brasileiros, o advogado João Lister sai em defesa de uma tese ultrarreacionária que a esquerda pequeno-burguesa sempre saca da cartola quando lhe convém: a de que “a Justiça” deveria ser mais ágil. Lister desenvolve o seu argumento a partir da recente renúncia do bolsonarista Eduardo Bolsonaro (PL-RJ) ao cargo de deputado federal, seguido por seu autoexílio nos Estados Unidos.
Diz o autor:
“Em meio à turbulência política que assola o Brasil, a ‘fuga’ de Eduardo Bolsonaro – termo que aqui se refere à sua evasão das investigações que poderiam elucidar uma série de irregularidades – revela um abismo institucional que fere o próprio cerne da nossa democracia. Trata-se de um episódio emblemático que demonstra, de forma clara e inaceitável, como a morosidade e a omissão dos órgãos do Judiciário, da polícia investigativa e do Ministério Público podem transformar a impunidade em regra.”
Eduardo Bolsonaro foi morar nos Estados Unidos porque estava com medo de ser preso? É bem possível. Mas isso é seu direito. O colunista pode achar que o deputado não é uma pessoa corajosa, mas não pode querer tornar isso crime. Afinal, é legítimo que qualquer pessoa que se considere perseguida pelo Estado o faça. Se Lula, enquanto estava no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo após o ex-juiz Sergio Moro ordenar sua prisão, conseguisse fugir e se asilar em uma Embaixada, teria todo o direito de fazê-lo.
Mas Lister faz mais do que contestar o direito de alguém procurar asilo diante das arbitrariedades do Estado. Ele faz uma pregação que, no final das contas, é uma pregação contra os direitos democráticos mais fundamentais.
Quando Lister fala em “morosidade” do Judiciário, ele não está criticando o seu espírito burocrático, que é o que há de mais negativo no Judiciário. Ele está, na verdade, criticando os instrumentos democráticos estabelecidos para controlar o Poder Judiciário, que é, por sua própria natureza, o mais propenso a agir de forma autoritária.
Eduardo Bolsonaro não cometeu nenhum crime em flagrante, por exemplo. Por que, então, deveria ir preso? Por que deveria ter seus direitos restringidos? Ele solto obstrui a Justiça de alguma forma? Há indícios de que irá destruir alguma prova?
A resposta para todas as perguntas é uma só: não. Lister quer que Eduardo Bolsonaro seja preso simplesmente por uma divergência ideológica. O autor acha que o ex-deputado é um criminoso simplesmente porque está em um campo político oposto.
Tudo se torna ainda pior quando levado em consideração que o processo no qual Eduardo Bolsonaro foi acusado é extremamente viciado. O ex-deputado é acusado de “tentativa de golpe de Estado”, em um processo no qual não são apresentadas provas, que é baseado no depoimento de um delator publicamente coagido e no qual sequer houve a tal tentativa de golpe.
O que o advogado (!) propõe, no final das contas, é o fim do devido processo legal. A Justiça deve ser rápida! Leia-se, não deve existir direito à defesa. A acusação deve investigar todos em sigilo, o processe deve correr sem que a defesa saiba do que está sendo acusada. E, no dia em que “o juiz” – esse ser divino que seria imparcial na cabeça do esquerdista bem-pensante – decidir dar uma sentença, o réu deve aceitá-la passivamente.
A confusão do autor se repete em trechos como:
“Na esteira dessas denúncias, críticos apontam que a suposta ‘fuga’ de Eduardo Bolsonaro não pode ser vista como um mero acaso, mas sim como a culminância de um sistema que, por vezes, parece proteger interesses políticos privilegiados. Ainda que nenhum processo judicial tenha, até o momento, culminado em condenações – fato que, por si só, não descaracteriza as graves dúvidas que se impõem –, é possível constatar que a inércia dos órgãos responsáveis permitiu que comportamentos incompatíveis com o rigor esperado em um Estado democrático de direito se mantivessem impunes.”
Não, o Estado democrático de direito não é uma forma jurídica que age com “rigor” para punir as pessoas. É o exato oposto disso. Trata-se de um expediente criado para pôr limites ao Estado – isto é, a instituições como a Justiça. Faz parte do Estado democrático de direito, por exemplo, a presunção de inocência, o direito a ampla defesa etc. – coisas que Lister quer negar a Eduardo Bolsonaro só porque é um adversário político.
A esquerda, ao defender esse tipo de política, não está combatendo a extrema direita. Está, na verdade, pavimentando o caminho para uma ditadura total.