O deputado federal e líder do governo na Câmara dos Deputados José Guimarães (PT-CE), publicou um artigo no portal de esquerda Brasil 247, intitulado A união e o diálogo fazem a força da democracia, estabelecendo um alargamento expressivo da política derrotista de frente ampla para abarcar também bolsonaristas, como os presidentes do Senado Davi Alcolumbre (UNIÃO) e da Câmara Hugo Motta (REPUBLICANOS). É como se Sergio Moro (UNIÃO) e o ex-vice-presidente de Jair Bolsonaro (PL), general Hamilton Mourão (REPUBLICANOS) estivessem, de repente, unidos em prol do Brasil, para ficar em apenas dois exemplos de notórios delinquentes de cada uma das agremiações enaltecidas por Guimarães em dizeres como:
“O compromisso público assumido pelos chefes dos poderes da República, de defesa do Estado democrático de direito e do desenvolvimento do país, marca um segundo momento de força da democracia, depois da tentativa de golpe do dia 8 de janeiro de 2023.”
Ora, assumindo-se como verdadeira a teoria aloprada de que a manifestação bolsonarista de 8 de janeiro de 2023 foi uma tentativa de golpe de Estado, a última coisa a ser dita pela esquerda sobre os dois partidos bolsonaristas é que com eles Lula defenderá a “democracia”. É uma contradição em termos, mas, além disso, é também uma insistência na divulgação de ilusões com consequências perigosas para a luta política, no País, em especial na esquerda.
Seria ingênuo ou desonesto acreditar que figuras como Alcolumbre e Motta representam qualquer tipo de “compromisso público” com os menores interesses da população trabalhadora. O que o deputado Guimarães esquece convenientemente de mencionar é que, quando falamos no União Brasil, estamos falando de um partido que abriga não só o golpista Sergio Moro, mas também Ronaldo Caiado, Kim Kataguiri, Mendonça Filho e Mauro Mendes, todos notórios fascistas e muito próximos do bolsonarismo, além de abertamente hostil ao governo Lula. O mesmo vale para o Republicanos, legenda que conta com figuras como Damares Alves, Marcelo Crivella e Celso Russomano, expoentes da extrema direita e frequentemente apresentados como verdadeiros demônios fascistas na agitação da esquerda pequeno-burguesa. Quando isso mudou?
Como esse time se tornou repentinamente um pilar da “democracia”? Isso, Guimarães deveria explicar. Em vez disso, ele vende a ideia absurda de que Motta e Alcolumbre atuam isoladamente, como indivíduos apartados das bancadas de seus partidos – uma loucura que ignora o funcionamento real da luta política e abre caminho para mais confusão no campo da esquerda.
Se a análise política de Guimarães já parte de uma premissa falsa, sua conclusão é ainda pior. O deputado petista trata como um avanço o que, na realidade, tem sido um desastre: a submissão do governo Lula a um Congresso hostil, que, ao longo de dois anos, bloqueou qualquer chance de o presidente governar conforme seu programa, impôs sucessivas derrotas ao Planalto e fez da barganha parlamentar uma arma para a sobrevivência momentânea e a desmoralização do PT a longo prazo.
Em vez de reconhecer essa realidade, Guimarães tenta reescrever os fatos, criando a ilusão de que o Parlamento tem sido um espaço de “fortalecimento democrático”, quando, na verdade, tem sido um importante instrumento do imperialismo para disciplinar Lula e impedir que o presidente da República de impulsionar uma política verdadeiramente desenvolvimentista, melhorando as condições de vida do povo trabalhador e fortalecendo assim sua liderança junto aos trabalhadores. O fato do líder do governo na Câmara recorrer a fantasias em choque frontal com a realidade, não apenas revelam a fraqueza da articulação governista, como também desmoralizam da própria esquerda, que se vê forçada a assistir a esse teatro de capitulação sem qualquer estratégia para sair da situação perigosa em que se encontra.
“O Congresso Nacional”, continua Guimarães, “tem sido parceiro desde a aprovação da PEC da Transição, um momento elevado da capacidade de negociação; na aprovação de projetos estruturantes como o Regime Fiscal Sustentável, que resultou na redução do déficit primário de 0,1% do PIB, em 2024, dentro da meta; na aprovação da Reforma Tributária, construída com participação do Congresso, do governo e da sociedade, num amplo debate democrático”. Ora, nada mais natural do que um Congresso de picaretas a serviço do imperialismo, em primeiro lugar, atenda projetos que beneficiem os interesses da ditadura mundial.
O fato de o petista se vangloriar por “projetos estruturantes como o Regime Fiscal Sustentável”, por exemplo, diz muito mais sobre a desorientação de um governo tão emparedado que não sabe para onde ir, do que talvez Guimarães gostaria. Se esses são os eventos que o deputado petista consegue destacar para referendar a tese de que o Congresso “tem sido parceiro”, o governo então está muito perto de sua liquidação total.
Longe de criar uma realidade paralela, o governo precisa ser honesto, em primeiro lugar, para conseguir sair das cordas. Em seguida, precisaria se apoiar onde realmente tem força, que é na mobilização popular. Demonstrações de fraqueza como as dadas pelo parlamentar só podem ser superadas com demonstrações de força que imponham medo à direita, algo que nem o PT e nem o governo conseguem fazer hoje.