Política internacional

Uma vez mais, o ‘trotskismo’ em favor do imperialismo na Turquia

WSWS apoia com entusiasmo manifestações da OTAN

Esta é a terceira parte de uma polêmica com o texto A crise na Turquia e a luta pela direção revolucionária, publicado pela versão brasileira do portal World Socialist Web Site, organização norte-americana autodeclarada trotskista.

Na primeira parte, explicamos como o atual prefeito de Istambul, que é apresentado como a liderança de um movimento progressista por parte do WSWS, é um servo da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Na segunda parte, demonstramos que a acusação de “governo islâmico” parte dos inimigos da classe operária turca – o imperialismo.

Agora, discutiremos a fundo as características do governo turco. Segundo o WSWS,

“A democracia na Turquia, que tem sido extremamente frágil desde a fundação da república em 1923, está se deteriorando sob a pressão da escalada da guerra imperialista global e da crescente desigualdade social. Os direitos democráticos básicos, como o direito de voto, o direito ao devido processo legal, a liberdade de expressão, a liberdade de reunião e de manifestação e a liberdade de imprensa estão sob grave ameaça.”

É curioso, em primeiro lugar, uma organização que se diz trotskista iniciar a sua análise tratando da “democracia” de um determinado país. A “democracia” em qualquer lugar do mundo é “frágil”, pois ela é, naturalmente, uma ditadura de classe. A “democracia” é a ditadura da burguesia – uma classe exploradora, reacionária e contrarrevolucionária. Mais ainda em um país atrasado como a Turquia. Isto é, um país que combina formas capitalistas e formas pré-capitalistas.

Não existe “democracia” na Turquia. O que existe é uma dominação das grandes potências – como a Alemanha, o Reino Unido e os Estados Unidos – e a luta do povo turco contra essa dominação. As instituições turcas são, neste sentido, um reflexo desta luta.

Ao ignorar esse problema, o WSWS procura apresentar o regime turco de um ponto de vista moral. Se há repressão, seria um governo reacionário. Se há ataques à liberdade de expressão, deveria ser derrubado. E assim por diante.

“Uma repressão maciça do Estado policial foi lançada para reprimir os protestos. Até quinta-feira, cerca de 2.000 pessoas haviam sido detidas e pelo menos 260 delas haviam sido presas ilegalmente. Entre os presos estão líderes e membros de muitos partidos de esquerda, incluindo o Partido Trabalhista (EMEP), o Partido da Democracia dos Trabalhadores (İDP), o Partido de Esquerda, o Partido dos Trabalhadores da Turquia (TİP), o Movimento Comunista da Turquia (TKH) e o Partido Comunista da Turquia (TKP). Levent Dölek, vice-presidente do Partido Revolucionário dos Trabalhadores (DİP) e acadêmico da Universidade de Istambul, foi preso por participar de uma ação em solidariedade ao boicote estudantil. O Sosyalist Eşitlik Grubu (Grupo Socialista pela Igualdade), a seção turca do Comitê Internacional da Quarta Internacional, independentemente de suas diferenças políticas com esses grupos, exige a libertação de todos os presos políticos e convoca as massas de trabalhadores e jovens a defender os direitos democráticos básicos.”

Parte do trabalho de um partido revolucionário consiste, sim, na defesa dos direitos democráticos. É preciso, no entanto, acima de tudo, analisar qual o sentido geral do regime político em questão.

O governo venezuelano de Nicolás Maduro, por exemplo, prendeu mais de duas mil pessoas pelo seu suposto envolvimento em uma tentativa de golpe contra o chavismo. É possível que, rigorosamente falando, o governo tenha cometido algum ataque aos direitos democráticos de seus adversários? Sim, é possível. Esses ataques seriam necessários? Provavelmente não. No entanto, muito mais importante do que isso é a analisar: a serviço de que está a repressão do governo venezuelano?

Não é preciso ir muito longe para perceber que a repressão vem da luta do regime venezuelano contra o imperialismo. É um regime que, apesar de suas limitações, está tentando por um freio à ofensiva do grande capital contra o seu governo. Um regime que, inclusive, é apoiado por uma ampla mobilização popular, de características revolucionárias.

O fundamental na Venezuela não é a crítica de eventuais erros do governo no que diz respeito aos direitos democráticos, mas sim a mobilização do povo venezuelano contra o imperialismo. Os erros do regime chavista, neste sentido, devem ser tão-somente apontados quando conveniente para impulsionar uma luta ainda mais decidida contra os grandes inimigos da humanidade.

Da mesma forma, é preciso analisar o governo de Recep Erdogan. Qual o sentido geral da repressão do regime? O WSWS não responde, substituindo uma análise real por chavões pseudorrevolucionários:

“Os protestos em massa de estudantes e trabalhadores em Istambul e em quase todas as cidades do país, desafiando as proibições inconstitucionais de manifestações e a repressão policial, constituem um dos maiores movimentos antigovernamentais do mundo no último período.”

Muitos protestos recentemente desafiaram “proibições inconstitucionais” e a “repressão policial”. É o caso das manifestações em curso na Sérvia, das manifestações recentes na Geórgia, nas manifestações recentes em Bangladexe. E o que todos esses casos têm em comum? São manifestações impulsionadas pelo imperialismo para que servissem de cobertura para um golpe de Estado – as chamadas “revoluções coloridas”.

“A crise revolucionária que eclodiu na Turquia é um prenúncio do futuro de outros países. As causas objetivas que estão mobilizando as amplas massas – a defesa dos direitos democráticos, a raiva contra a impressionante desigualdade social e a oposição à guerra imperialista sem fim – são globais. A questão premente que a classe trabalhadora enfrenta na Turquia e internacionalmente é o desenvolvimento de uma perspectiva política e de uma direção revolucionárias.”

Se isso fosse verdade, as manifestações seriam dirigidas por organizações de fato revolucionárias, e não por um partido cooptado pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), o Partido Republicano do Povo (CHP).

A análise do WSWS parte de uma concepção verdadeiramente infantil da luta de classes. Para a organização, o simples fato de haver massas nas ruas já seria o indicativo de uma revolução em curso. O motivo disso, por sua vez, seria a ideia de que o governo turco seria a representação da “classe dominante”:

“O estabelecimento de um regime autoritário na Turquia, assim como nos EUA, não se deve às intenções deste ou daquele político, mas às necessidades objetivas da classe dominante. A ditadura da oligarquia capitalista sobre a economia e a sociedade traz consigo um regime de ditadura política.”

O raciocínio é o seguinte: o governo turco é um governo “capitalista” e que, portanto, deveria ser imediatamente derrubado, uma vez que é tão nocivo quanto o governo norte-americano. O problema dessa análise, no entanto, é que ela ignora que a burguesia turca é completamente diferente da burguesia norte-americana.

A burguesia turca, como a burguesia de qualquer país atrasado, é uma burguesia semi-opressora, semi-oprimida. É uma burguesia que, ao mesmo tempo em que oprime a classe operária, é oprimida pelo imperialismo. E que, por isso, a depender da situação política, pode atuar de maneira bastante progressista ou de maneira bastante reacionária.

O governo Erdogan, conforme a própria análise do termo “governo islâmico” já indicou, é um governo com uma série de contradições com o imperialismo. É um governo, por exemplo, que constantemente tem atritos com o Estado de “Israel”. Ao mesmo tempo, é um governo com relações próximas com a Rússia. Neste sentido, é um obstáculo à política de dominação do imperialismo sobre o Oriente Médio e o Leste Europeu.

A Turquia, além de ser um país atrasado, é um dos territórios com localização mais estratégicas do mundo. Está próxima à Rússia, aos Bálcãs, à Europa Central, ao Oriente Médio e ao Cáucaso. Por isso mesmo, é membro da OTAN.

Para o imperialismo, uma Turquia completamente alinhada aos seus interesses poderá ser um fator decisivo nos conflitos militares futuros. Por outro lado, uma Turquia rebelde poderá ser o fiel da balança para a luta dos países oprimidos. É por isso que o governo de Erdogan, na medida em que aumenta a crise do imperialismo, é um governo bastante perigoso para a dominação mundial.

A prisão de Imamoglu é, independentemente de seu mérito jurídico, uma medida defensiva de Erdogan. É a tentativa do governo de impedir que um preposto do imperialismo seja vitorioso nas próximas eleições, o que configuraria um golpe de Estado contra o povo turco. Neste sentido, as manifestações em reação à sua prisão têm um caráter pró-imperialista. Não há nada de revolucionário nelas. Pelo contrário, são manifestações que servem aos interesses daqueles que querem dominar a Turquia.

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