No artigo Por que a Câmara dos Deputados sabota a PEC da Segurança?, publicado pelo Brasil 247, o advogado Jorge Folena sugere que a esquerda deveria competir com a extrema direita pelo posto de maior defensor do aparato repressivo do Estado. Inicialmente, Folena alega que:
“Nos anos em que governou o Brasil, a extrema direita, além de não apresentar nenhum projeto eficiente de combate ao crime organizado, estabeleceu as facilidades para que ele se espalhasse, ao diminuir a presença do Poder Público na fiscalização federal, e limitou-se a apresentar propostas de eliminação sumária da população pobre.”
Imagina-se que o que o articulista considera como governo de “extrema direita” seja o governo de Jair Bolsonaro (PL), um dos governos mais caóticos das últimas décadas. Ainda que parte da base bolsonarista seja, de fato, de extrema direita, o governo Bolsonaro em si não foi um governo de extrema direita propriamente dito — isto é, um governo de força contra a população. O governo anterior, de Michel Temer (MDB), por exemplo, reprimiu brutalmente uma manifestação em Brasília contra a reforma da Previdência. O mesmo governo decretou uma intervenção militar no Rio de Janeiro.
Curiosamente, foi justamente pelo caráter caótico do governo Bolsonaro que o chamado “combate ao crime organizado” teve dificuldade de se desenvolver. Naquele período, instaurou-se uma crise com o ministro da Justiça, Sergio Moro, porque Bolsonaro não confiava na condução das investigações da Polícia Federal sobre seus familiares e aliados. Também no mesmo período, não foi feito um esforço real para retomar a Operação Lava Jato. Os indicados por Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal (STF), ministros Kassio Nunes e André Mendonça, se tornaram opositores dos métodos lavajatistas herdados por Alexandre de Moraes.
O desmonte do “combate ao crime organizado” realizado durante o governo Bolsonaro é explicado, portanto, pelas contradições entre Bolsonaro e o plano geral do imperialismo para o aparato repressivo do Estado. Bolsonaro era consciente de que a Polícia Federal era dirigida por inimigos políticos seus; por isso, não deu àquele órgão total autonomia. Um verdadeiro governo de extrema direita teria o apoio da burguesia para levar adiante uma política duramente repressiva, o que claramente não era o caso de Bolsonaro. Tanto a burguesia tinha medo de permitir que Bolsonaro utilizasse o aparato do Estado para perseguir adversários, o que teria acontecido, de maneira secundária, segundo as denúncias sobre o caso da “Abin paralela”, quanto Bolsonaro tinha medo de ser perseguido por este mesmo aparato, o que acabou acontecendo com o julgamento da chamada “trama golpista”.
Tomemos como exemplo um governo muito diferente do de Jair Bolsonaro, o governo de Daniel Noboa, no Equador. O país vive sob uma ditadura ferrenha desde 2023. É, portanto, um governo de extrema direita, que conta com o apoio total do imperialismo. E como esse governo implantou a ditadura atual? Fortalecendo o suposto “combate ao crime organizado”.
O autor, em vez de se sentir aliviado pelo fato de o governo Bolsonaro ter sido tão caótico que não permitiu que o imperialismo estabelecesse uma verdadeira ditadura no País, lamenta a atual situação do aparato repressivo brasileiro. Diz o autor:
“Então, fica patente a irresponsabilidade política do presidente da Câmara dos Deputados, ao entregar para a extrema direita a relatoria do projeto de lei, de iniciativa do governo do Presidente Lula, sobre o combate às facções criminosas. O relator, policial que se orgulha de ser matador, foi escolhido a dedo, sendo pessoa sem capacidade para compreender e formular uma política de segurança pública eficaz. Na realidade, ele foi colocado na relatoria do projeto de lei para impedir a expansão do uso de inteligência pela Polícia Federal contra o crime organizado e as milícias, uma vez que investigações qualificadas podem expor a ligação das forças criminosas com os poderes políticos locais; é por temer essa exposição que os governadores de extrema-direita boicotam qualquer proposta legislativa séria de mudança na segurança pública no país.”
De fato, o relator escolhido para o Projeto de Lei (PL) Antifacção é um fascista, responsável por centenas de mortes no estado de São Paulo. Mas se de fato é assim, por que o autor e o governo Lula concordam com quase todos os pontos do referido projeto de lei?
O autor não questiona, por exemplo, que o PL torna crime qualquer manifestação com piquete ou mesmo a ocupação de terras. Tanto o relator fascista quanto o governo “responsável” estão de acordo com esta política indiscutivelmente de extrema direita. A preocupação de Folena é, no final das contas, com um único detalhe: o relator do processo, Guilherme Derrite (Progressistas-SP), seria contra uma maior autonomia para a Polícia Federal, enquanto o governo federal defende dar plenos poderes para a polícia mais infiltrada pelo imperialismo de todo o País.
Trata-se de uma corrida para ver quem defende mais o aparato repressivo do Estado. A Polícia Federal nada tem de “inteligência”. Ela é uma polícia como qualquer outra. Sua grande diferença está no fato de que ela tem uma integração maior com os serviços de espionagem estrangeiros. É daí que vem a sua “inteligência”.
A competição em torno da questão da Polícia Federal, além de ser incrivelmente reacionária, é também um desastre como política – até mesmo do ponto de vista eleitoral. Ao defender amplos poderes para a polícia responsável pela prisão de Lula em 2018, o Partido dos Trabalhadores (PT) está fortalecendo um inimigo que inevitavelmente se voltará contra ele. Ao mesmo tempo, perde o apoio dos setores mais avançados de sua base, que serão vítimas das medidas repressivas do PL Antifacção.





