O artigo de Emir Sader Bolsonaro não caiu do céu, publicado no Brasil 247, acerta ao apontar a hipocrisia de setores que agora se dizem antibolsonaristas, mas que o elegeram em 2018. Contudo, Sader usa essa crítica legítima como uma cortina de fumaça para desviar o olhar do próprio oportunismo político de seu campo ideológico.
Ao mesmo tempo em que ele exige “dignidade” e autocrítica do eleitor comum, Sader se revela um crítico profundamente seletivo e inconsequente quando se trata de confrontar os verdadeiros arquitetos do colapso democrático brasileiro.
Sader atribui a ascensão de Bolsonaro à ação deliberada da imprensa, de políticos e, sobretudo, de um Judiciário que se tornou “instrumento do lawfare”:
“Foi preciso que o Judiciário… se tornasse instrumento do lawfare, da judicialização da política, para que o Bolsonaro… se tornasse presidente do Brasil, e o Lula… estivesse preso.”
Se o Judiciário, a grande imprensa e o centro político foram os instrumentos ativos que derrubaram Dilma e prenderam Lula (o que ele chama de “o melhor dos brasileiros”), a consequência lógica de sua análise seria exigir a prisão, o afastamento e a responsabilização de todos os agentes do golpe e do lawfare — da cúpula da Polícia Federal, dos juízes parciais, e dos veículos de comunicação que, segundo ele, orquestraram a criminalização do PT.
Mas Sader não faz isso. Ele se limita a uma mera “reza” por um despertar de consciência:
“Agora todo mundo é anti-Bolsonaro, sem prestar contas das posições que tiveram em um passado não muito longínquo. Nem sequer esboçam alguma autocrítica.”
“Quem votou no Bolsonaro contra o Haddad, com o Lula preso, que tenha a dignidade de levantar a mão. Nem que seja para dizer que não o fariam mais!”
Por que tamanha brandura? Se a impunidade é o mal que permite que “os riscos à democracia sobrevivam” como ele afirma, por que a exigência de punição e rigor se concentra apenas no eleitorado arrependido e em Jair Bolsonaro, e não na cúpula golpista?
A resposta a essa inconsistência reside no oportunismo da frente ampla. Sader adota uma postura que se alinha perfeitamente com a política de conciliação atual do PT com os setores de centro e da direita golpista (MDB, PSDB, etc.).
Ao concentrar toda a fúria em Bolsonaro (o “monstro”), Sader ataca o inimigo que está sendo combatido pelas contradições internas do próprio golpismo. O Judiciário (STF) e a grande imprensa, que participaram da destituição de Dilma e da propaganda lavajatista, agora se opõem a Bolsonaro, pois ele é incapaz de fornecer a estabilidade política que o grande capital precisa.
Sader não pode lutar contra os golpistas de 2016 porque o campo político que hoje governa precisa desses mesmos atores como aliados. Se o preço para ter a Rede Globo, o STF e o centro como aliados é a “impunidade histórica” dos agentes do “lawfare”, Sader está disposto a pagar.
A indignação de Sader contra o “monstro” Bolsonaro, que é um alvo político fácil e já em vias de isolamento, serve como uma manobra diversionista para não confrontar os aliados poderosos do presente, que foram os golpistas de ontem.
A hipocrisia apontada por Sader existe, sim, entre os ex-lavajatistas de 2018. Mas o sociólogo incorre em uma hipocrisia de proporções muito maiores: ele se utiliza de uma retórica de combate à impunidade, mas se torna cúmplice da impunidade de quem considera os maiores responsáveis pelo golpe.
O maior problema dessa aliança, por seu turno, é que se trata de uma aliança com um inimigo mais poderoso. Um inimigo que tem muito mais condições de combater a esquerda e o próprio governo.
O que autor defende não faz sentido, sob nenhum aspecto. Trata-se, na verdade, de uma vergonhosa capitulação. Uma rendição perante os mesmos inimigos que derrotaram o PT em 2016.





