No dia 27 de janeiro, o jornal Opinião Socialista publicou o artigo Há 38 anos de sua morte: Nahuel Moreno e a “revolução democrática”. Assinado por Alicia Sagra, o texto procura enaltecer um dos mais nocivos revisionistas do trotskismo, o argentino Nahuel Moreno, de quem o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) é seguidor.
“Nós nos reivindicamos morenistas, o consideramos o maior construtor de partidos trotskistas na classe operária, o consideramos aquele que melhor respondeu aos desafios que surgiram depois da Segunda Guerra Mundial”, diz o artigo, deixando clara a sua admiração por Moreno.
Caso o leitor não faça a mínima ideia de quem o texto está falando, não é de se espantar. Moreno é hoje um nome conhecido apenas por um pequeno nicho da esquerda latino-americana. Ele é um típico representante da esquerda pequeno-burguesa, um ideólogo do oportunismo que lançou as bases teóricas para a formação de grupos como o PSTU, que defendem a mesma posição que o imperialismo em países como Nicarágua, Honduras e Venezuela.
A contribuição de Moreno para a luta de classes é tão negativa que até mesmo o artigo elogioso de Alicia Sagra não tem muita ideia de como falar de maneira positiva sobre o argentino. Na dúvida, ela se dedica a falar de sua suposta humildade:
“Moreno nunca se cansou de insistir que a história da nossa corrente é a história dos nossos erros, de explicar que todos os revolucionários cometeram erros em algum momento, mas que a diferença era que Lênin e Trotsky estavam errados três vezes em dez, e que em ele que a relação estava invertida. Não eram apenas declarações, quando ele via um erro, ele o reconhecia e o corrigia publicamente. Assim, em 1973, ele se autocriticou e corrigiu sua posição sobre a Palestina; também se autocriticou na década de 1970 por suas expectativas em relação à direção cubana; na década de 1980, ele corrigiu definições sobre a ditadura do proletariado. Essa atitude de Moreno, de não se apaixonar por suas ideias, de reconhecer e corrigir seus erros, é um elemento central de sua grandeza e o diferencia da maioria dos dirigentes trotskistas de sua época e também dos de hoje, pois há muito poucos se escuta dizer que se equivocaram.”
Toda a falação acerca da suposta capacidade de Moreno de reconhecer publicamente os seus erros serve, conforme já explicado, para fugir das principais polêmicas acerca de sua contribuição para o marxismo. No entanto, ela também acaba expondo uma dura realidade pelo PSTU: que a política de Moreno é tão tortuosa que sua maior qualidade não seria os seus acertos, mas a forma como lidava com os seus erros. Isto é, que Moreno frequentemente não tinha a menor ideia do que estava fazendo.
Após a confissão de que seu mestre “erra sete em cada dez”, o PSTU procurou se defender da alegação feita por um partido argentino, o Partido dos Trabalhadores Socialistas (PTS), para quem Moreno seria adepto da tese de uma “revolução democrática”. Ou seja, de que Moreno defenderia a ideia de que a burguesia dos países atrasados deveria fazer uma revolução para que, futuramente, a classe operária fizesse a sua própria revolução. Essa ideia foi defendida durante muitos anos pelos partidos comunistas sob a custódia da burocracia stalinista.
Sagra nega que Moreno seja etapista. Para justificar sua posição, apresenta escritos do próprio Moreno:
“A ascensão do fascismo e dos regimes contrarrevolucionários levantou a necessidade de uma verdadeira revolução democrática realizada pelo proletariado acompanhado pelo povo. Esta revolução democrática, cujo conteúdo é derrubar o regime contrarrevolucionário burguês, torna-se, portanto, uma tarefa da classe operária e dos trabalhadores, embora quando o regime contrarrevolucionário for derrotado, serão os partidos burgueses, pequeno-burgueses ou reformistas que irão subir ao governo.”
Apesar de todo o malabarismo teórico, Moreno apresenta aqui a essência do oportunismo: a colaboração com a classe dominante, com a burguesia. Ao dizer que seria necessária uma “revolução democrática” contra o fascismo e que essa “revolução” conduziria partidos burgueses e pequeno-burgueses ao poder, o guru do PSTU está dizendo claramente que a classe operária deveria ficar a reboque da classe capitalista durante o processo revolucionário. É, no final das contas, a mesma política elaborada pelo stalinismo, quando propôs que a burguesia chinesa liderasse o movimento de derrubada do regime, resultando no Massacre de Xangai.
Durante os primeiros anos da União Soviética, o pretexto teórico para que os partidos comunistas se aliassem à burguesia era o de que, uma vez que os países atrasados ainda se encontravam dominados por um modo de produção pré-capitalista, seria necessário aguardar que a burguesia tomasse o poder, realizasse um conjunto de reformas e, assim, criasse as condições para que a classe operária tomasse o poder. Para Moreno, que já viu essa teoria ser completamente destruída pela realidade, surge uma nova muleta: nos países dominados pelo fascismo, seria preciso derrotar o fascismo primeiro para que, então, a classe operária tomasse o poder.
É difícil entender como alguém tenha tido a capacidade de elaborar teses como essas, uma vez que, além de ser um raciocínio idiota, também já foi contestado inúmeras vezes pela realidade. A ocupação fascista da Albânia, por exemplo, foi derrotada por uma revolução proletária, e não por uma revolução da burguesia que, posteriormente, deu lugar a uma revolução proletária. Em Portugal, uma revolução proletária derrotou a ditadura fascista de António de Oliveira Salazar.
Nunca foi necessário, portanto, uma etapa “democrática” na luta contra o fascismo para que as massas tomassem o poder. Mas esse não é o único problema da teoria de Moreno. Ao tratar da tal “revolução democrática”, o argentino procura retirar o caráter de classe da luta do proletariado. Afinal, se o objetivo de Moreno é conduzir outras classes ao poder, o papel da classe operária seria o de formar uma aliança com os seus inimigos.
Se, no passado, a classe operária se unificou em palavras concretas como “paz, pão e terra”, para Moreno, as palavras de ordem do momento deveriam ser aquelas que permitiriam acabar a qualquer custo com um regime fascista – mesmo que isso implicasse na condução de um partido burguês ao poder. Seriam, portanto, palavras como “democracia”, “abaixo o autoritarismo”, “prisão para os corruptos” etc.
Não é preciso muita imaginação para entender como seria isso. Basta analisar a política do partido morenista brasileiro, o PSTU. Diante da ofensiva brutal do imperialismo sobre o povo sírio, o PSTU decidiu estabelecer como centro de sua política a derrubada do regime de Bashar al-Assad, que, para os morenistas, seria uma expressão do “fascismo”. O resultado? O regime caiu e, agora, reina na Síria o caos, permitindo que o imperialismo aumente seu controle sobre o país. Da mesma forma, o PSTU defendeu a derrubada do governo de Dilma Rousseff. O resultado? Os governos de Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL).
A teoria de Moreno não apenas afronta o bê-a-bá do marxismo – isto é, a luta de classes -, como também, naturalmente, se choca com a doutrina trotskista, da qual Moreno se dizia seguidor. Como um bom revisionista que é, Moreno contraria o trotskismo consciente e abertamente:
“As teses sobre a revolução permanente insistiam que as revoluções que seriam combinadas seriam a revolução democrática burguesa antifeudal com a revolução socialista nacional e internacional. O surgimento de um novo tipo de regime burguês contrarrevolucionário, como os fascistas ou semi-fascistas, e a perda de peso do feudalismo nos países atrasados, levaram ao surgimento de um novo tipo de revolução democrática, a anticapitalista e anti-imperialista, não antifeudal. É uma revolução contra um regime político que é socialmente parte do sistema capitalista, e não uma revolução que enfrenta outro sistema pré-capitalista, feudal.”
Para ser preciso, Trótski não falava em “revolução antifeudal”, mas sim em uma revolução contra as formas pré-capitalistas de produção. Além disso, o que é particularmente curioso no texto de Moreno é que, para abandonar a tese da revolução permanente, ele teria que admitir, portanto, que não há mais uma combinação de formas capitalistas com formas pré-capitalistas. Ou seja, que, sabe-se lá como, a etapa democrática de todos os regimes políticos do mundo já estaria cumprida.
Essa conclusão torna o morenismo uma verdadeira aberração, mas também explica bastante as posições bizarras assumidas pelo PSTU no último período. Se todos os países superaram as formas pré-capitalistas de produção, então, necessariamente, não há imperialismo. Isso explica, portanto, por que o PSTU exclui de todas as suas análises esse que é o maior inimigo da humanidade. Da mesma forma, se não existisse mais uma combinação de formas capitalistas e formas pré-capitalistas, não haveria o nacionalismo burguês. É por isso que o PSTU é incapaz de enxergar a diferença de um movimento nacionalista, como o chavismo venezuelano, e o imperialismo.