O artigo Mais uma geração desperdiçada, assinado pelo israelense Gil Mildar, que diz ter morado por muitos anos no Brasil, é um expressa claramente a hipocrisia do chamado “sionismo de esquerda”. Ao propor uma autocrítica de seus pares, o autor do portal A voz da esquerda judaica, busca sanear a crise moral de um Estado fundado e sustentado pela violência.
Mildar inicia sua peça com um lamento pela juventude que retorna da guerra com os “olhos apagados”, afirmando que a culpa reside na falha da geração anterior por “incompetência, covardia ou egoísmo” em construir um país melhor.
Esse discurso da “incompetência” é uma desonestidade histórica. A violência que quebra a juventude não é um erro de cálculo moral; é a política deliberada e fundacional do projeto sionista. As ações de expulsão (a Nakba de 1948), os massacres e a formulação da doutrina militar foram, em sua maior parte, planejadas e executadas pelo trabalhismo, e não pela extrema direita. Milícias como a Haganá (o principal braço militar do trabalhismo) e outros grupos operaram com a clara intenção de estabelecer um Estado artificial por meio da força. O que Mildar chama de falha é, na verdade, o sucesso brutal de um projeto que exigiu violência para sua realização e exige violência contínua para sua manutenção.
O articulista segue com uma confissão: “Tomamos uma terra que um dia foi nossa, mas já não é. Lá vivem três milhões de pessoas que não pertencem à nossa tribo”. Mildar lamenta que a recusa em ceder algo esteja no centro do conflito, permitindo o crescimento do “fascismo, o extremismo e a violência”.
O problema não é o “fascismo que cresceu”; o problema é o supremacismo que sempre existiu. O regime que “Israel” mantém sobre os territórios palestinos não está “caminhando” para o apartheid, ele é o apartheid, como demonstrado por inúmeros relatórios de direitos humanos internacionais. O sistema opera com duas leis e duas administrações para garantir a supremacia judaica sobre os palestinos em toda a área controlada. A violência que ele condena não é um desvio; é a execução de uma estrutura projetada para controlar o movimento, a terra e os direitos de uma população que “não pertence à nossa tribo”.
Finalmente, Mildar questiona se a geração de adultos tem a energia para mudar, ou se o ciclo de “covardia” e “horror familiar” condenará a próxima geração.
A “recusa em mudar” não é uma falha psicológica, mas uma função ativamente sustentada por interesses concretos. A manutenção do conflito e da ocupação é crucial para o papel de “Israel” como posto avançado do imperialismo no Oriente Médio, garantindo um fluxo ininterrupto de apoio militar e proteção diplomática. O fim da ocupação é, para poderosos atores internos e externos, uma ameaça econômica e estratégica.
O chororô de Mildar, no final das contas, serve como a retórica de absolvição para a classe dominante. Ele permite que seus defensores tenham a consciência limpa, lamentando a “má gestão” da ocupação, enquanto preservam intacta a estrutura política e militar que a sustenta.





