Neste dia 15, o portal Brasil247, publicou uma matéria intitulada “’Cessar-fogo em Gaza é apenas prelúdio para novo genocídio’, afirma presidente da Fepal”. O artigo se refere a entrevista ao programa Brasil Agora, da TV 247, concedida pelo presidente da Federação Árabe Palestina do Brasil (FEPAL), Ualid Hussein Ali Mohd Rabah.
O que é a Fepal?
A Fepal, segundo o seu sítio, “é a entidade que representa a diáspora palestina no Brasil, constituída por ao menos 200.000 imigrantes e refugiados e seus descendentes.” Ainda “afiliada à Confederação Palestina da América Latina e do Caribe (COPLAC) e reconhecendo a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) como única e legítima representante do povo palestino” (grifo nosso).
Em 14 de outubro de 1974, a Assembleia Geral da ONU, como representante do Povo. Esse é ponto comum entre a ONU, a Fepal, e “Israel”, que também reconhecer apenas a OLP com a única representante legítima do povo palestino.
A OLP foi fundada em 1964, declarando que a “Palestina, com as fronteiras que existiam no tempo do Mandato Britânico, é uma unidade regional integral”. Uma organização que a sua época recorreu à luta armada para atacar o sionismo, e considerada até 1991 como terrorista pelos países imperialistas.
Entretanto, no ano de 1988 há uma mudança significativa de política, com a OLP passando a apoiar oficialmente uma solução de dois Estados para o conflito “Israel” – Palestina. Com a descaracterização de outro de seus preceitos a partir do reconhecimento do Estado de “Israel”, pelo então presidente da OLP, Yasser Arafat, em 1993.
No mesmo ano era celebrada a primeira versão dos Acordos de Oslo, e criada a Autoridade Nacional Palestina (ANP), como governo provisório de 5 anos. Essa tornou-se um “governo” de cooperação com o Estado sionista, que em 2005, recebeu assistência financeira da ordem de 1 bilhão de dólares da União Europeia e dos Estados Unidos.
Todavia, essas ajudas do imperialismo à ANP foram suspensas em 7 de abril de 2006, com a vitória do Hamas nas eleições legislativas, elegendo Ismail Hanié, como primeiro-ministro da Autoridade. Em uma coalizão conjunta entre o Estado de “Israel”, os países imperialistas, e o então presidente da ANP, Mahmoud Abbas, deram um golpe e impediram que Hanié assumisse o cargo.
Logo os escritórios de Abbas, na Cisjordânia, voltaram a receber “ajuda” direta do imperialismo, e não se realizaram mais eleições na Faixa de Gaza. A submissão do Fatah, braço armado da Autoridade Nacional Palestina, ao enclave imperialista fez eclodir um conflito armado entre combatentes palestinos em Gaza e a ANP, representados, respectivamente, por Hamas e Fatah.
Desde o fim do mandato de Abbas em 9 de janeiro 2009, que o Hamas não reconhece mais a sua presidência. Sob direção de Abbas, a ANP 2013 utiliza o nome “Estado da Palestina” desde 2013.
Apenas prelúdio para um novo genocídio?
Voltando à entrevista para o sítio Brasil 247, dada por Ualid Rabah, que possui ligações com a Autoridade Palestina – conforme demonstrado. O veículo de comunicação destaca que Rabah declarou que “Todos os cessar-fogos anteriores serviram como prelúdios para o próximo experimento genocida”. Uma tese importante do interlocutor exposta em outras manifestações da Fepal, apontando limitações do cessar-fogo.
Antes de questionar as limitações do cessar-fogo, é preciso observar que a matéria destaca que os acordos de cessar-fogo citados por Rabah como limitados são os feitos após 2008, período em que a resistência palestina era liderada pelos Hamas. Segundo a matérias, estes são “ignorados”. Mas nada é dito sobre as limitações de acordos e erros políticos anteriores, principalmente os 28 anos sob orientação do Fatah.
Agora analisando o momento específico, “Israel” nunca sofreu tamanho número de baixas, prejuízo econômico, ou desgaste político – haja visto que o governo Netaniahu está diante da possibilidade de cair. Esse acordo se dá em uma situação diversa às anteriores, não se trata de um acordo para uma cooperação com o regime sionista, mas de uma imposição do Hamas e da Resistência palestina diante do sionismo.
Essa caraterística torna o acordo um reconhecimento da capacidade do povo palestino, com armas nas mãos, de defesa daquele território. Sendo uma vitória memorável, a maior do povo palestino até o momento, e inédita desde a ocupação sionista.
Há vantagens para os palestinos?
A entrevista segue com Rabah, que, ao considerar as mais de 18 mil prisões políticas do sionismo, teria ainda questionado “Que vantagens os palestinos estão tendo?”. É possível citar algumas: o fim dos bombardeios sobre Gaza, a libertação de diversos prisioneiros, o fim de um cerco criminoso que impedia a chegada de remédios, comida e água para os palestinos residentes em Gaza, o reconhecimento de uma vitória colossal sobre um dos exércitos mais poderosos do planeta etc.
O entrevistado segue criticando o acordo de cessar-fogo como “cômico”, afirmando, não sabemos ao certo com que intuito, sobre o fato de que as mulheres e crianças todas seriam libertadas pelos sionistas, que “Mulheres e crianças não devem ser trocados, devem ser libertados incondicionalmente”. É verdade, mas “Israel” não ia libertar ninguém se não fosse pela intensa luta protagonizada pelo Hamas.
As diversas manifestações publicadas nas redes sociais do povo palestino, principalmente os residentes em Gaza, comemorando o cessar-fogo são um testemunho dos beneficiados. É inquestionável o apoio dos residentes de Gaza na luta pela independência e sua compreensão da vitória que o acordo significa.
O questionamento que precisa ser feito é: quem são os prejudicados com o cessar-fogo? Aqui, podemos responder de imediato que os principais ofendidos são os sionistas, que têm seu Estado ameaçado pela simples existência da resistência armada.
Um próximo lesado óbvio são os monopólios imperialistas que têm ameaçado o seu enclave no Oriente Médio. E consequentemente, os seus interesses econômicos e dominação em uma região de gigantesca importância energética.
Contudo, um afetado, não tão obvio, é o Fatah e as gestões das organizações sobre seu domínio, a ANP e OLP. Esse interesse diverso ao da população Palestina acaba expresso em diversas esferas, até na Fepal.
Destruição sionista
A certa altura, Rabah denuncia a existência de “torturados até a morte”, e os frutos da intervenção sionista, dizendo que “82% do PIB de Gaza já foi destruído e 80% da população está desempregada”.
Essa é uma triste realidade da ocupação sionista, que se intensificou agora sobre Gaza, mas perdura há mais de 7 décadas. Essa colocação, no contexto de crítica ao cessar-fogo, dá a sensação de uma correspondência do mesmo com a destruição, ignorando o histórico da ocupação.
Se a denúncia dos crimes sionistas é sempre oportuna, a declaração aí colocada contribui para uma confusão difundida pelo sionismo de atrelar ao “terrorismo” do Hamas, o ônus de sua violência.
Fuga do criminoso de guerra
Referindo-se ao possível envolvimento do deputado Eduardo Bolsonaro na recente fuga de um militar israelense acusado de crime de guerra, Rabah afirmou: “O que Eduardo Bolsonaro fez é traição ao Brasil. Ele deveria perder o mandato e ser investigado”.
Temos que concordar sem qualquer margem de erro que Eduardo Bolsonaro, e familiares tiveram posturas caracterizadas como lesa-pátria. Essa, inclusive, não é uma prática exclusiva da extrema-direita; a direita “civilizada” e parte da esquerda, principalmente a identitária, a tem como hábito.
Também não restam dúvidas de que as suspeitas devem ser investigadas, mas a perda de um mandato não deveria ser levada como algo trivial. Um mandato advindo do voto popular, por menos que gostemos de seu detentor, representa a vontade dessa população e não deveria sofrer intervenção de poderes externo, seja qual for o motivo.
Ademais, a facilitação da fuga certamente foi, mesmo que não oficialmente, uma ação institucional, e não uma atuação individual. Seria uma ação impraticável sem envolvimento do poder judiciário, principalmente da Polícia Federal.
Biden vs Trump
Ao mencionar o apoio internacional a “Israel”, criticando a política de Trump, Rabah, afirmar que “Trump teria dado sinal verde para novos ataques israelenses a Gaza”. Complementando que: “É preciso repensar o papel da comunidade internacional diante desse genocídio e cobrar responsabilidade de Israel pelos crimes cometidos”.
Sem favoritismo por uma vertente do imperialismo, deve-se ter consciência dos interesses distintos entres as correntes políticas, imperialismo e suas consequências. Trump, com interesses mais próximos ao cinturão da ferrugem (Rust Belt, em inglês), diverge da orientação política do ramo principal do imperialismo, mais próximo do setor especulativo.
Essa divergência expressasse na preocupação de Trump de assumir o governo com um cessar-fogo e dar nova orientação no governo do país que é o lastro atual do imperialismo. Portanto, embora não se possa considerá-lo como um “pacifista”, não é absurdo inferir que ele tem uma tendência menos belicista do que Biden, apenas com essa primeira ação.