Antônio Carlos Silva

Professor de Matemática. Fundador do PCO, integra a sua Executiva Nacional. Atuou na fundação do Coletivo de Negros João Cândido. Liderou a criação e coordenação dos Comitês de Luta contra o golpe e pela liberdade de Lula. Secretário Sindical Nacional do PCO, coordena a Corrente Sindical Nacional Causa Operária, da CUT.

Coluna

Tribunal de exceção que pisoteia direitos… a esquerda comemora

O  essencial, neste momento, é denunciar o caráter autoritário das decisões judiciais e defender os direitos democráticos e a liberdade irrestrita de expressão e manifestação

Nesta semana, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) votou pela aceitação da denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e mais sete, por tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. Uma formalidade, considerando que a decisão já era pública e notória diante da ampla campanha feita pelos próprios membros da Corte e pela venal imprensa capitalista a favor não só da denúncia, mas da própria condenação dos acusados.

A sessão durou pouco mais de três horas, sob o comando do ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, apontado como uma das vítimas de um suposto plano de assassinato e ainda o condutor do processo de apuração que levou, entre outras, à delação premiada de um dos acusados, apresentada como uma das principais peças da acusação. Seu voto foi seguido pelos demais membros da Turma: Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin, presidente do colegiado.

A denúncia, com mais de 250 páginas, é marcada pela ausência de provas concretas que vinculem Bolsonaro diretamente às acusações. Ela foi criticada pela defesa que — corretamente — a apontou como inepta e incoerente, fruto de uma delação premiada contraditória e construída sob pressão. Foi denunciada como uma acusação meramente política, visando perseguir Bolsonaro e seus aliados.

O documento da Procuradoria-Geral da República (PGR) busca caracterizar as críticas públicas ao sistema eleitoral e discursos políticos como incitação ao golpe. Isso em uma clara afronta ao que estabelece a Constituição Federal no Inciso IV, do art. 5º:

“é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”.

A decisão dá sequência a um conjunto de arbitrariedades das Cortes Superiores, nesta verdadeira operação Lava Jato II. Na primeira, o alvo foi o então ex-presidente Lula, e as lambanças e afrontas à lei foram tamanhas que tudo teve que ser anulado, depois que os perseguidores e seus patronos deixaram Lula preso por 580 dias, levaram ao sofrimento e até à morte familiares do ex-presidente e cumpriram com o objetivo de impedir Lula de participar e vencer as eleições (2018), fazendo as condições de vida do povo brasileiro retrocederem como nunca.

A farsa se repete. Em junho de 2023, por exemplo, o ministro Benedito Gonçalves, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ao votar pela inelegibilidade de Jair Bolsonaro por oito anos, afirmou que a condenação não se baseava em uma “fotografia na parede”, mas em um “contexto”. Dessa forma, ele confessou que não havia um ato concreto que configurasse crime, mas sim uma combinação de fatos interpretados subjetivamente. Tal como nas condenações dos petistas, em que se alegava que “não havia provas, mas evidências”.

Agora, a denúncia apresentada pela PGR ao STF segue a mesma linha. Sem apresentar uma única prova material, a PGR acusa Bolsonaro de liderar uma organização criminosa, mas fundamenta a acusação em um “contexto” construído a partir de discursos políticos e críticas ao sistema eleitoral. Isto é, a partir de uma fantasia criada pelos interessados e seus “donos”.

A acusação se apoia na delação do oficial Mauro Cid, que mudou sua versão repetidas vezes e cuja última versão foi extraída de um depoimento no qual Moraes lembrou a Cid que, caso não colaborasse, ele seria preso e sua família “investigada”, em flagrante caso de coação e tortura, que colocou toda a delação sob suspeita.

Para criar um clima a favor da condenação e como parte do processo persecutório, dias antes, uma cabeleireira foi condenada a 14 anos de prisão por escrever com batom em uma estátua em frente ao STF. Uma decisão tão escabrosa que está sendo revisada para uma prisão domiciliar, por estar desmoralizando a ação arbitrária da Corte Superior.

Na véspera da decisão inicial contra Bolsonaro, a Turma rejeitou todos os pedidos da defesa, mesmo os mais elementares direitos em um devido processo legal, tais como:

  • Que os acusados que não têm foro privilegiado fossem julgados, primeiramente, nas instâncias inferiores;
  • Que os ministros que figuram como “vítimas” no processo ou têm manifesta e pública posição política contra os acusados (como Sérgio Moro contra Lula) fossem considerados suspeitos e afastados do caso;
  • Que o caso fosse julgado pelo Plenário do STF e não por uma das Turmas;
  • Que a defesa tivesse acesso ao conjunto do material que levou às supostas provas das acusações;
  • Que a defesa tivesse um prazo maior para se defender diante das mais de 250 páginas.

Como declarou o presidente nacional do PCO, companheiro Rui Costa Pimenta, em seu programa semanal na COTV: “o julgamento é monstruoso. Eles meio que assim estão determinados a pisar em todos os preceitos de direito dos acusados aí para condenar o pessoal. É um tribunal de exceção e é um tribunal político”.

O julgamento tem caráter político e é conduzido por um tribunal de exceção, cujo objetivo é reprimir os direitos democráticos, utilizando o aparato jurídico para intimidar e punir opositores.

Não há base real para que alguns dos elementos diretamente vinculados ao golpe de Estado de 2016 e 2018 — que resultou na derrubada da presidenta Dilma e na prisão de Lula — condenem pesadamente opositores por um golpe que não aconteceu e promovam o endurecimento das penas contra manifestantes, o que pode abrir precedentes perigosos para qualquer cidadão.

O fortalecimento do poder estatal para reprimir manifestações e opositores políticos é um risco para toda a sociedade.

Ao contrário da política reacionária de setores da esquerda que não só comemoram as punições como defendem penas cada vez mais duras, em um sistema penal que é um verdadeiro “inferno na Terra” — como declarou um ex-ministro da Justiça petista — o essencial, neste momento, é denunciar o caráter autoritário das decisões judiciais e defender os direitos democráticos e a liberdade irrestrita de expressão e manifestação.

Ao contrário do que fazem muitos companheiros desnorteados diante da situação política, sem uma análise própria, materialista, diante dos acontecimentos e que se satisfazem em repetir o que diz a venal imprensa capitalista, não há o que comemorar. Ao contrário disso, é preciso atentar para o perigo que a operação conduzida pelos setores que comandaram o golpe que realmente aconteceu, que derrubou a presidenta Dilma, colocou Lula na cadeia e fez a vida do povo retroceder como nunca, que — agora — vergonhosamente são chamados de heróis; desarmando os trabalhadores e suas organizações para enfrentar a ofensiva em curso contra o governo Lula, que tende a se intensificar, contra a esquerda e contra todo o povo brasileiro.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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