O noticiário informa que o governo prepara uma cerimônia oficial de pedido de desculpas à família de Rubens Paiva e às de outros 413 desaparecidos durante o regime militar. A iniciativa ocorre após a retificação da certidão de óbito de Paiva, realizada no mesmo dia em que foi anunciada a indicação ao Oscar do filme Ainda Estou Aqui, baseado na história da viúva Eunice Paiva.
O documento reconhece que a morte de Rubens Paiva foi “não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro no contexto da perseguição sistemática à população identificada como dissidente política do regime ditatorial instaurado em 1964”. Texto retificado, Prêmio Eunice Paiva de Defesa da Democracia, cerimônia agendada para o mês de abril, quando o filme poderá ter obtido o grande reconhecimento dos EUA, mais fotos do casal Lula-Janja com a atriz Fernanda Torres, até aí tudo bem.
Resta saber se a coisa toda é mesmo para valer. Reportagem do Globo afirma que, no dia 30 de agosto de 2023 (que é o Dia Internacional das Vítimas de Desaparecimentos Forçados), Vera Paiva, uma das filhas de Rubens e Eunice, esteve no Palácio do Planalto com uma comitiva de familiares de desaparecidos políticos do regime militar, mas não foi recebida pelo presidente. O jornal dá a entender que, se não fosse o Globo de Ouro e as indicações para o Oscar, o assunto continuaria junto com a poeira, sob o tapete. Será?
Teremos agora uma oportunidade de saber se a mobilização vai além de outro tapete, o vermelho de Hollywood. É que, em 2021, o Ministério Público Federal fez uma denúncia à Justiça Federal do Rio de Janeiro contra militares acusados de participação no assassinato de Rubens Paiva e o caso foi arquivado pelo STJ após recurso da defesa, baseado na Lei da Anistia.
Como o STJ suspendeu o andamento do processo, a família de Rubens Paiva entrou com recurso, a ser julgado pelo STF. O ministro sorteado para resolver a pendenga foi Alexandre de Moraes, que solicitou um parecer à Procuradoria-Geral da República (PGR). Esta emitiu a opinião de que o STJ não tinha competência para sustar o processo e que cabe ao STF o exame de constitucionalidade da aplicação (ou não) da Lei da Anistia nesse caso. Em seu parecer, a PGR afirma que, no caso de Rubens Paiva, “está configurado crime permanente, decorrente da ocultação de cadáver, nunca solucionada”.
Dos militares citados na ação original, apenas dois estão vivos. Caberá agora ao ministro Xandão condená-los ou não. A PGR, de certa forma, facilitou o trabalho dele, sugerindo que a condenação se dê apenas pelo crime de “ocultação de cadáver” – se houver entendimento de que esse não pode ser anistiado, como o foram os crimes de tortura praticados pelo regime. Se a coisa toda só ganhou holofotes por causa do filme, é possível que os militares, mais uma vez, saiam ilesos – afinal, a mensagem da obra é contrária ao “revanchismo” e ao “ressentimento”.
Agora vamos ver se os torturadores da ditadura militar receberão o mesmo tratamento dos “golpistas” de 8 de janeiro, que depredaram prédios públicos e, acintosamente, defecaram nas dependências do STF. Por esses delitos, pessoas do povo receberam penas de 17 anos de prisão; militares torturadores, até agora, não foram incomodados. Que venha o Oscar!