O médico e pesquisador Tawfiq Canaan nasceu em 24 de setembro de 1882, na cidade palestina de Beit Jala, região de Belém, sob domínio otomano. Filho de Bishara Canaan, o primeiro pastor árabe da Igreja Luterana Árabe, e de Katrina, Canaan pertencia a uma família cristã local profundamente envolvida com a cultura e os problemas do povo palestino. Mais tarde, viria a se tornar um dos nomes mais importantes da medicina, da etnografia e da resistência cultural nacional da Palestina.
Formação médica e início da carreira
Canaan iniciou os estudos em sua cidade natal e depois foi para Jerusalém, onde concluiu o ensino médio na Escola Alemã Schneller. Em 1899, mudou-se para Beirute, no Líbano, onde ingressou no Syrian Protestant College, atual Universidade Americana de Beirute.
Mesmo diante da perda do pai pouco após sua chegada, o jovem Canaan manteve os estudos enquanto trabalhava para se sustentar, e se formou em Medicina em 1905 com distinção. Foi orador da turma, e seu discurso de formatura foi publicado no jornal científico árabe al-Muqtataf.
Retornou à Palestina para atuar em hospitais de Jerusalém: primeiro no hospital alemão, depois no hospital britânico e, por fim, no hospital judeu-alemão Shaare Zedec. A partir de 1910, assumiu a chefia de um ambulatório municipal e abriu também o primeiro consultório privado árabe no bairro de Musrara, área de maioria judaica à época. Entre 1906 e 1914, dedicou-se à pesquisa em microbiologia e doenças tropicais, publicando artigos científicos em revistas médicas e realizando especializações na Alemanha, em Hamburgo e Berlim.
Serviço militar e atuação no pós-guerra
Com a entrada do Império Otomano na Primeira Guerra Mundial, Canaan foi incorporado ao Exército como médico militar. Atuou em diversas frentes de combate: no sul da Palestina, no deserto do Sinai, em Amã, Damasco e Alepo. Chefiou laboratórios médicos militares em várias cidades e, durante as campanhas, contraiu cólera e febre tifoide.
Após o fim da guerra, tornou-se diretor do Hospital dos Leprosos no bairro de Talbiyya, em Jerusalém, criado pela comunidade protestante alemã local. Nesse período, obteve notáveis resultados no tratamento da hanseníase, além de seguir realizando pesquisas em parasitologia. Em 1924, foi nomeado chefe do setor de medicina interna do Hospital Alemão, cargo que ocupou até 1940.
Intelectualidade, cultura e luta política
Paralelamente à medicina, Canaan dedicou-se profundamente à pesquisa sobre a cultura popular palestina. A partir da década de 1920, passou a estudar sistematicamente as crenças, práticas e símbolos do campesinato palestino.
Em 1927, assumiu a presidência da Sociedade Oriental da Palestina e tornou-se editor do periódico científico da entidade. Foi também membro da American Schools of Oriental Research e presidiu a Associação Cristã de Moços (YMCA) de Jerusalém por três mandatos, sendo posteriormente nomeado presidente honorário vitalício.
Seu ativismo político o tornou figura conhecida das autoridades britânicas. Canaan se opunha abertamente à política colonial do mandato britânico e à colonização sionista.
Foi preso pelos britânicos em 3 de setembro de 1939, no mesmo dia da declaração de guerra à Alemanha, e permaneceu encarcerado por nove semanas na prisão de Acre. Mesmo após a prisão, manteve sua atuação pública contra o sionismo e as políticas do imperialismo britânico.
Em 1944, participou da fundação da Associação Médica Árabe da Palestina, tornando-se seu presidente. A entidade teve papel decisivo na assistência médica aos combatentes da resistência palestina, e publicava um periódico bilíngue (em árabe e inglês), do qual Canaan foi membro do conselho editorial.
Nakba e reconstrução
Em maio de 1948, durante a guerra de ocupação promovida pelas milícias sionistas, sua casa em Jerusalém foi atingida por bombas lançadas a partir dos bairros judeus da cidade. A família refugiou-se no Mosteiro Ortodoxo Grego do lado oriental de Jerusalém, onde permaneceu por mais de dois anos. Da janela do mosteiro, Canaan presenciou o saque e a destruição completa de sua casa, biblioteca e manuscritos prontos para publicação.
Mesmo diante da tragédia, não interrompeu sua atuação. Em 1949, foi nomeado chefe do departamento médico da Federação Luterana Mundial na Jordânia. Por sua iniciativa, clínicas médicas foram estabelecidas em Jerusalém, Beit Jala, Hebron e nas vilas de Taybeh e Azariyya.
Em 1950, liderou o processo de criação do Hospital Augusta Victoria, em Jabal al-Tur, com apoio da ONU e da Federação Luterana. Tornou-se diretor médico da instituição até se aposentar em 1955.
Legado cultural e científico
Tawfiq Canaan publicou mais de 60 artigos científicos em periódicos europeus, em inglês e alemão, especialmente na área da medicina tropical e microbiologia. Além disso, escreveu cerca de 45 estudos sobre o folclore palestino, crenças sobrenaturais e medicina tradicional camponesa.
Entre 1920 e 1938, mais de 30 desses estudos foram publicados na Journal of the Palestine Oriental Society. Ainda em 1905, Canaan começou a colecionar amuletos e artefatos ligados às crenças populares; em 1947, sua coleção somava cerca de 1.400 peças. Posteriormente, sua família doou o acervo à Universidade de Birzeit.
Foi o primeiro intelectual palestino a consolidar uma etnografia nacional, tratando os palestinos como uma unidade histórica e cultural, em oposição à divisão sectária imposta pelo colonialismo. Em seu artigo Light and Darkness in Palestine Folklore (1931), combinou referências do Alcorão, da Bíblia e da literatura árabe clássica, mostrando a continuidade da identidade cultural palestina desde a Antiguidade.
Foi também uma das primeiras figuras palestinas a escrever amplamente em línguas estrangeiras, com o objetivo de apresentar a causa palestina a leitores internacionais. Na década de 1930, destacou-se entre os que denunciavam os perigos da imigração judaica, exigindo o fim imediato dessa política, a garantia de terras aos camponeses árabes e a proibição dos despejos promovidos pelas autoridades britânicas e pelos colonos sionistas.
Reconhecimento e morte
Recebeu diversas condecorações por sua atuação, como a Cruz de Ferro, a Ordem do Crescente Vermelho e a Cruz do Santo Sepulcro com Fita Vermelha, concedida pelo patriarca ortodoxo em 1951. No mesmo ano, foi agraciado com a Cruz Federal do Mérito da então recém-criada República Federal da Alemanha.
Mesmo com a saúde fragilizada, seguiu publicando seus estudos até o fim da vida. Seu último artigo, Crime nos Hábitos e Tradições dos Árabes da Jordânia, publicado em alemão após sua morte.
Tawfiq Canaan foi um dos maiores nomes da medicina, da ciência e da cultura palestina. Como médico, pesquisador, colecionador e defensor da identidade nacional de seu povo, sua vida sintetiza a luta pela soberania da Palestina — tanto nos campos da ciência quanto na resistência à dominação estrangeira.



