Na última sexta-feira (4), o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, deu início à cobrança de tarifas recíprocas que abalam as relações comerciais globais. A medida, que começou a valer oficialmente neste sábado (5), impõe uma taxa mínima de 10% sobre importações de mais de 180 países, com tarifas ainda mais altas, variando de 11% a 50%, previstas para entrar em vigor na próxima quarta-feira (9) contra 57 nações específicas. A decisão gerou reações imediatas: a montadora britânica de luxo Jaguar Land Rover anunciou a suspensão das exportações de veículos para os EUA a partir deste mês de abril, enquanto milhares de manifestantes tomaram as ruas de cidades norte-americanas e europeias em protestos contra as políticas de Trump.
Sediada no Reino Unido, a Jaguar Land Rover justificou a pausa nas remessas como uma resposta à tarifa de 25% imposta sobre carros e caminhões leves importados pelos EUA. Em comunicado enviado por e-mail, a empresa declarou: “enquanto trabalhamos para abordar os novos termos comerciais com nossos parceiros de negócios, estamos tomando algumas medidas de curto prazo, incluindo uma pausa nas remessas em abril, enquanto desenvolvemos nossos planos de médio e longo prazo”. A montadora, que vende cerca de 400 mil unidades anuais de modelos como Range Rover Sport e Defender, enfrenta o mesmo percentual de taxação que outras empresas do setor automotivo, o que levou à reavaliação de suas estratégias.
Nos Estados Unidos, uma das respostas do imperialismo foi impulsionar grandes manifestações neste sábado (5), as maiores desde o retorno de Trump à presidência em janeiro. Sob o lema “Hands Off!” (tirem as mãos, em português), milhares se reuniram em locais como o National Mall, em Washington, e em cidades como Atlanta, Boston, Nova Iorque e Filadélfia, exigindo o fim da “corrupção” no governo Trump, a manutenção de programas sociais como Medicaid e Segurança Social, e a proteção de minorias utilizadas pela demagogia identitária.
“É extremamente preocupante ver o que está acontecendo com o nosso governo, e todos os pesos e contrapesos que foram instituídos estão sendo completamente atropelados”, afirmou Jane Ellen Saums, de 66 anos, durante o ato em Washington. O ativista Graylan Hagler, de 71 anos, também discursou à multidão: “eles acordaram um gigante adormecido, e ainda não viram nada”. Os organizadores estimaram mais de 20 mil participantes só na capital, número que pode ser ainda maior.
A onda de protestos ultrapassou as fronteiras norte-americanas. Na Europa, cidades como Londres, Paris, Francoforte e Berlim registraram atos contra as tarifas e as políticas de Trump. Em Londres, a britânico-americana Liz Chamberlin declarou: “o que está acontecendo nos Estados Unidos é problema de todos. É uma loucura econômica. Ele vai nos empurrar para uma recessão global”.
Na capital alemã, manifestantes se concentraram em frente a um showroom da Tesla, pedindo o fim do “caos”. David, cofundador do grupo Indivisible London, reforçou: “há uma longa lista de coisas, mas hoje nós realmente queremos enviar uma mensagem de solidariedade para nossos amigos e famílias na América”.
Do lado dos governos, as reações foram igualmente intensas. O Ministério das Relações Exteriores da China afirmou que “o mercado já deu sua resposta” às tarifas de Trump e anunciou uma retaliação com taxas de 34% sobre todos os produtos norte-americanos, além de restrições à exportação de minerais de terras raras.
“Os EUA deveriam parar de usar tarifas como arma para suprimir a economia e o comércio da China”, declarou o órgão. A União Europeia, que enfrentará uma tarifa de 20% a partir de quarta-feira (9), prepara contramedidas que podem incluir barreiras a serviços, mirando gigantes da tecnologia e do mercado financeiro dos EUA.
O presidente francês Emmanuel Macron alertou no X: “uma guerra comercial não interessa a ninguém. Devemos permanecer unidos e resolutos para proteger nossos cidadãos e negócios”. Já o primeiro-ministro britânico Keir Starmer escreveu no jornal de seu país Telegraph que buscará um acordo comercial com os EUA para minimizar os impactos, enquanto o premiê de “Israel”, Benjamin Netaniahu, embarca no domingo (6) para Washington a fim de negociar a tarifa de 17% imposta ao enclave imperialista.
Trump, por sua vez, usou sua rede social, Truth Social, para comentar os acontecimentos neste sábado (5): “esta é uma revolução econômica, e nós vamos vencer. Aguentem firme, não será fácil, mas o resultado final será histórico”. Ele também minimizou os prejuízos da China, afirmando: “a China foi atingida muito mais duramente que os EUA, nem se compara. Eles, assim como muitos outros países, nos trataram de maneira insustentavelmente ruim. Isso não vai mais acontecer”.
Horas depois, foi visto em seu clube de golfe em Júpiter, na Flórida, lendo uma reportagem do New York Post sobre a queda dos mercados e a resposta chinesa. A Casa Branca, em nota à Associated Press, defendeu que “a posição do presidente Trump é clara: ele sempre protegerá a Previdência Social, o Medicare e o Medicaid para beneficiários qualificados”, acusando os democratas de quererem “dar benefícios a estrangeiros ilegais”.
Os mercados financeiros sentiram o impacto imediato. O índice S&P 500 perdeu 5 trilhões de dólares em valor até o fechamento de sexta-feira (4), a maior queda em dois dias da história, enquanto as bolsas de Wall Street despencaram 6 trilhões de dólares desde o anúncio das tarifas na quarta-feira (2).
Preços de petróleo e commodities caíram, e investidores buscaram refúgio em títulos governamentais. Isabel Schnabel, dirigente do Banco Central Europeu, declarou no 36º Workshop sobre Economia e Finanças da European House Ambrosetti, na Itália: “vivemos um Liberation Day, que não foi libertador, mas na verdade parece marcar o fim do livre comércio global”. Ela defendeu o fortalecimento do euro como alternativa ao dólar diante da crise.
As tarifas recíprocas, como são chamadas, foram apresentadas pelo governo Trump como uma forma de equilibrar o comércio internacional, cobrando taxas equivalentes ou superiores às que outros países impõem aos EUA.
Na prática, porém, o cálculo não reflete apenas as tarifas aplicadas por essas nações, mas considera déficits comerciais e barreiras não tarifárias, como regulamentações e subsídios, resultando em percentuais como 34% para a China, 24% para o Japão, 46% para o Vietnã e 20% para a União Europeia. A medida, que rompe com o sistema de comércio global pós-Segunda Guerra, isenta produtos como petróleo bruto, semicondutores e farmacêuticos, mas atinge em cheio setores como o automotivo e o agrícola.
A conjuntura se agrava com a possibilidade de uma guerra comercial global. O Vietnã, que enfrenta uma tarifa de 46%, chamou a medida de “injusta” por meio de sua principal autoridade comercial, enquanto o Japão, com 24%, busca diálogo com Trump. Taiuã, com uma taxa de 32%, reuniu executivos de tecnologia para traçar estratégias, e o Brasil avalia retaliações.
A Rússia, curiosamente, foi excluída das tarifas, com o Tesouro norte-americano justificando que sanções já limitam o comércio bilateral, embora dados mostrem exportações russas de 3 bilhões de dólares aos EUA em 2023, como fertilizantes e platina.
Economistas alertam que os preços ao consumidor nos EUA devem subir, com o Yale Budget Lab estimando um aumento médio de 13,5% nos valores de carros novos, cerca de 6.400 dólares por veículo. Ao ser questionado pela rede norte-americana NBC News no fim de semana, Trump disse: “se os preços dos carros estrangeiros subirem, eles vão comprar carros americanos. Eu não poderia me importar menos”.