Na última quinta-feira (4), o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635 — conhecida como ADPF das Favelas —, que trata da regulação de operações policiais em comunidades periféricas do Rio de Janeiro. Embora apresentada como uma limitação à violência policial, a decisão da Corte, na prática, reforça os instrumentos de repressão contra a população pobre.
A ação foi proposta em 2019, com análise iniciada apenas em 2024. Determinações provisórias começaram a valer em 2020, mas a decisão final foi tomada apenas agora, em 2025. Apesar de normatizar procedimentos das polícias, a decisão do STF amplia seus poderes de repressão e consolida práticas autoritárias.
O presidente da Comissão de Igualdade Racial do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), Humberto Adami, classificou a decisão como “uma vitória dos movimentos sociais, embora nem todos os pedidos tenham sido atendidos”. Uma avaliação completamente desconectada da realidade. A resolução não representa uma conquista dos movimentos populares, mas um duro golpe contra as favelas, que continuarão sofrendo com o aumento da letalidade policial.
O relator da ADPF, ministro Edson Fachin, tentou justificar o veredito: “diante de qualquer narrativa com o sentido de imputar às decisões do STF a responsabilidade por problemas graves, crônicos e em muito preexistentes à ADPF, o que dizem os fatos é que, no período das medidas cautelares, caíram significativamente os índices de letalidade policial, bem como o de vitimização policial e outros diversos índices de criminalidade”.
Outro argumento falacioso foi o de que a ADPF teria restringido a ação das polícias. Segundo Adami, “muito se falou que a ADPF atrapalhava o trabalho da polícia (…). Hoje foi dito isso com todas as letras que é mentira”. A realidade, no entanto, é que a decisão do STF não apenas mantém, mas aprofunda o poder das forças de repressão, fornecendo novos instrumentos como a criação de comitês de inteligência — eufemismo para legalização da espionagem contra as favelas.
Além disso, seguem autorizadas operações sem aviso prévio e a expedição de mandados genéricos, sem indicação precisa de local, motivo ou objetivo — uma violação às garantias jurídicas mínimas previstas no Estado de Direito.
A atuação do STF indica uma deformação institucional do regime político brasileiro, em que o Judiciário toma para si o papel de formular políticas públicas, função que deveria ser exclusiva do Poder Executivo. Adami chegou a levantar essa contradição: “Cabe ao Poder Judiciário ditar políticas públicas no lugar do Executivo?”. No entanto, preferiu encerrar o debate com uma ambiguidade preocupante: “Só com o tempo a gente vai conseguir avaliar se foram medidas negativas ou positivas”.
A natureza das polícias no Brasil é estruturalmente voltada para a repressão da classe trabalhadora. Com fama internacional de brutalidade, essas instituições não deveriam ser reguladas, mas sim dissolvidas. No lugar de debater o fortalecimento das corporações, o país deveria discutir sua substituição por mecanismos de segurança popular sob controle da própria população.
A falsa ideia de que essas ações protegerão os moradores das periferias é insustentável. Tampouco contribuirão para o “combate à criminalidade”, que, na realidade, é fruto direto da desigualdade social.
Outro ponto importante é o discurso do “combate ao crime organizado”, cada vez mais cooptado pela direita. O narcotráfico é, antes de tudo, uma engrenagem capitalista mantida ilegal para aumentar lucros. Caso o Estado realmente quisesse combater esse setor, bastaria legalizá-lo e regulamentar suas atividades, como já faz com o álcool e outras drogas.
Veja as normas definidas pela ADPF 635 para as operações policiais:
- Buscas domiciliares devem ocorrer exclusivamente com mandado judicial e durante o dia;
- Operações com risco de confronto armado devem contar com ambulâncias próximas;
- Policiais envolvidos em ocorrências com morte devem preservar o local e informar seus superiores;
- A comunicação das ocorrências será feita aos comandos das corporações e às corregedorias;
- Delegados deverão colher provas e identificar testemunhas após liberação dos peritos;
- O Ministério Público deverá ser comunicado imediatamente e poderá enviar promotor ao local;
- Corpos devem ser fotografados no local e ter todas as lesões registradas;
- Corregedorias terão 60 dias para concluir apurações em casos com morte;
- Autópsias deverão ser feitas em até 10 dias;
- O Estado deverá reunir dados detalhados sobre mortes causadas por policiais, especificando as circunstâncias.