Às 9h46 dessa terça-feira (25), teve início o julgamento do processo-farsa contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete aliados. O julgamento foi aberto pelo presidente da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), Cristiano Zanin.

Logo após iniciar a sessão, Zanin passou a palavra para o ministro Alexandre de Moraes, relator do processo.

Moraes iniciou sua fala se referindo à acusação feita pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra os réus.
“Trata-se aqui de denúncia oferecida em face de Jair Messias Bolsonaro pelos crimes de liderar organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio público, deterioração de patrimônio tombado, observada ainda as regras de concurso de pessoas e concurso material”.
O ministro seguiu lendo seu relatório, lendo de maneira tão entusiasmada as palavras produzidas pela PGR que pareciam ter sido escritas pelo próprio Moraes.
Após resumir a acusação feita pela PGR, Moraes alegou que foram concedidos por ele mesmo os seguintes pedidos feitos pela Procuradoria-Geral da República:
- Concessão das provas à Defesa, incluindo o conteúdo da delação premiada de Mauro César Barbosa Cid
- Notificação dos denunciados com cópias da denúncia e da delação premiada de Mauro Cid com prazo para que a Defesa se pronunciasse no prazo de 15 dias
- Levantamento do sigilo da delação premiada de Mauro Cid
- Disponibilização de “mídias e gravações” concernentes à delação de Mauro Cid
Moraes citou como principais teses da Defesa:
- Impedimento, suspeição e ausência de parcialidade dele mesmo e dos ministros Flávio Dino e Cristiano Zanin
- Incompetência do Supremo Tribunal Federal e incompetência da Primeira Turma
- Aplicação das regras de juízes de garantia
- Nulidade do acordo de delação premiada
- Inépcia da denúncia
- Ausência d e justa causa para o oferecimento da denúncia
Moraes citou como pedidos de nulidade da Defesa:
- Ilegalidade na apresentação de respostas simultâneas entre os acusados e o colaborador
- Ofensa da indivisibilidade da ação penal
- Ausência de amplo e irrestrito acesso aos elementos de prova constantes nos autos
- Existência de documentos dump
- Ilegalidade da decisão que determinou a instalação do Inquérito 487 por existência de prova ilícita e a chamada pesca probatória
Após a intervenção de Moraes, Zanin franqueou a palavra para Paulo Gonet, chefe da PGR, para que pudesse, em um intervalo de trinta minutos, expor a denúncia que Moraes havia acabado de relatar.

Após a fala de Gonet, Zanin anunciou que chamaria os advogados de Defesa, em ordem alfabética, limitando a fala destes em tão-somente 15 minutos. O limite de tempo para Defesa não está previsto em nenhuma Lei. Merece destaque o fato de que a denúncia contra Bolsonaro e seus aliados tem mais de 250 páginas.
A Defesa solicitou que o advogado de Mauro Cid falasse primeiro – afinal, a delação premiada é parte da acusação. Os ministros, no entanto, vetaram a proposta de encadeamento.
O segundo advogado a falar no julgamento foi Demóstenes Lázaro Xavier Torres, conhecido por sua atuação como senador do estado de Goiá entre 2003 até 2012, quando foi cassado por quebra de decoro parlamentar. Logo no início de sua fala, Torres solicitou que o julgamento fosse realizado no plenário, e não na Primeira Turma:
“Primeiramente, gostaria de concordar com veemência com o que disse o procurador-Geral da República a respeito da relevância desta matéria. Nas páginas 6 e 7 da denúncia, ele diz o seguinte: ‘esta denúncia retrata acontecimentos de máxima relevância que entende que sejam expostos ao mais alto tribunal do país’. Então, se a Defesa e a Acusação entendem que a matéria é da mais alta relevância, se muitos estão dizendo que é o julgamento mais importante da história do Supremo Tribunal Federal, e se o regimento interno da Casa prevê que, quando em razão da relevância da questão jurídica, convier pronunciamento do plenário, será afetada essa matéria ao plenário.”
Representando o Almirante Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha, pediu a rejeição da denúncia, destacando as contradições das supostas provas apresentadas contra o seu cliente. Torres apontou que, de acordo com a própria PGR, a acusação de que Garnier havia consentido com um suposto plano de golpe de Estado teria partido de uma pessoa que não poderia estar presente na reunião em que teria havido o consentimento, uma vez que essa pessoa estava em Pirassununga.

O terceiro advogado chamado foi Eumar Roberto Novack, representando Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e Segurança Pública do Brasil. Durante sua sustentação oral, Novack afirmou que o documento conhecido como “minuta do golpe” não teria “valor nenhum”, pois era distribuído livremente a várias autoridades e estava publicado na Internet.

Após Novack, Mateus Maia Milanese, representando o general Augusto Heleno, destacou a necessidade de a Defesa ter acesso à integra das provas, e não apenas aos relatórios produzidos pela Polícia Federal (PF).
“Vejamos rapidamente pela PET 12.100 que há pelo menos 13 termos de apreensão com inúmeros pen drivers, telefones, documentos, agendas, o que quiserem chamar. Vejamos que, destes documentos, o que nós temos nos autos? O que são trazidos aos autos para apreciação, tanto da ilustre Procuradoria-Geral da República, quanto pelas defesas? Informes de polícia judicial. Com todas as nossas forçosas vênias, mas informes de polícia judiciária são análises subjetivas da autoridade policial sobre a prova. Com as mais formosas vênias, mas a formação do opinio delicti, se baseia na prova. Onde está a prova? Cadê a íntegra da suposta agenda? O que foram colecionadas foram páginas da agenda. Vejamos que elas não estão numeradas. Estão na ordem? Não tenho como dizer”.

Ao criticar os procedimentos da PGR, Milanese usou o termo “terraplanismo argumentativo”:
“Aqui, eu me recordo muito, senhoras e senhores, de uma série que está passando em um grande streaming em que cientistas querem chegar a uma conclusão e eles vão construindo provas para se chegar a essa conclusão. Então, o objetivo é: provar que a Terra é plana. Se faz inúmeros experimentos, inúmeros estudos para se provar que a Terra é plana, o que está acontecendo no presente caso. Por isso que falamos em ‘terraplanismo argumentativo’. Se está querendo colocar Augusto Heleno na organização criminosa. O que precisamos produzir de prova? O que nós temos que é possível enquadrar Augusto Heleno aqui?”
Em seguida, foi a vez de Celso Sanchez Vilardi, advogado de Jair Bolsonaro, falar na tribuna. Em uma fala técnica e detalhada, Vilardi destacou a falta de provas concretas que justifiquem a denúncia e questionou a coerência da investigação conduzida até o momento.

O advogado iniciou sua exposição afirmando que Bolsonaro foi o presidente mais investigado da história do Brasil, enfrentando um processo que começou em 2021 e se desdobrou em múltiplas frentes. Segundo a defesa, a origem da investigação remonta a uma live realizada em 4 de agosto de 2021, cuja quebra de sigilo digital do então ajudante de ordens, coronel Mauro Cid, desencadeou uma série de procedimentos investigativos. Contudo, mesmo após meses de diligências, que incluíram buscas e apreensões e o acesso a dados armazenados em nuvem, nada foi encontrado que comprometesse diretamente Bolsonaro. A sustentação também reforçou que a acusação se baseia exclusivamente na palavra do delator, sem apresentar qualquer prova material que corrobore as alegações.
Vilardi também apresentou uma contradição fundamental na denúncia: a acusação de crime contra o governo legitimamente eleito teria começado em dezembro de 2021, mas, naquele momento, o próprio governo de Bolsonaro ainda era o governo legitimamente eleito. A Defesa argumentou que é juridicamente impossível acusar o presidente de atentar contra o próprio mandato, uma vez que as eleições que elegeram seu sucessor ocorreram apenas no final de 2022.
Outro ponto levantado foi a tentativa da PGR de imputar crime por meio de pronunciamentos públicos e lives, atos que não configuram violência ou grave ameaça — requisitos essenciais para os tipos penais em questão. A Defesa enfatizou que tais manifestações não podem ser interpretadas como execução de crime, pois carecem de qualquer elemento que indique ação violenta ou intimidação direta.
A defesa também criticou a fragilidade das provas apresentadas, ressaltando que nem mesmo a Polícia Federal, ao investigar os eventos de 8 de janeiro, conseguiu estabelecer vínculo entre Bolsonaro e os atos violentos ocorridos na data. Segundo o advogado, mesmo com mais de 90 citações de termos como “possivelmente” nos relatórios policiais, nenhuma prova foi encontrada que relacione o ex-presidente diretamente aos acontecimentos.

O advogado também contestou o volume desordenado de documentos anexados pela PGR ao processo — 45 mil arquivos distribuídos em oito petições, liberadas no mesmo dia da apresentação da denúncia. Segundo o advogado, a defesa foi notificada apenas no dia seguinte e já começou a contar o prazo para manifestação, dificultando o acesso e a compreensão dos elementos acusatórios.
A defesa também chamou atenção para a fragilidade das provas apresentadas. Segundo o advogado, a acusação baseia-se em uma “prova negativa”, ou seja, na ausência de elementos concretos que comprovem a participação direta de Bolsonaro nos atos alegados.
Vilardi também alegou que o acordo de delação foi violado e que houve inversão do processo probatório, comprometendo a integridade da acusação. O advogado argumentou que houve um rompimento do acordo de delação quando o conteúdo das declarações de Cid foi vazado para a imprensa, especialmente para a revista Veja. Segundo o advogado, a divulgação não deveria ter ocorrido, e a responsabilidade pelo vazamento deveria recair sobre o próprio delator, já que o contrato de colaboração premiada proíbe qualquer tipo de comunicação sobre os fatos, mesmo com familiares próximos.
Além disso, a defesa ressaltou que a própria Polícia Federal apontou contradições e omissões nas declarações de Mauro Cid, destacando que o delator teria mentido em algumas ocasiões. Isso compromete a credibilidade da delação, que, segundo entendimento consolidado pelo STF, não constitui prova por si só, mas sim um meio que requer corroboração por outras evidências objetivas.

O advogado criticou a forma como a investigação foi conduzida, alegando que o Estado não buscou provas para corroborar as declarações do delator, mas sim trouxe indícios e, a partir deles, conduziu Cid a ajustar seu depoimento às suspeitas já levantadas. Para a Defesa, essa inversão do ônus probatório fere os princípios fundamentais do processo penal, uma vez que o correto seria o Estado comprovar as acusações e não o delator moldar suas falas para se adequar às investigações.
Confira sua fala na íntegra, transcrita com exclusividade por este Diário:
“Excelentíssimo senhor presidente, ministro Cristiano Zanin, da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, excelentíssimo ministro Alexandre de Moraes, eminente relator do presente caso, excelentíssima ministra Cármen Lúcia, decana desta turma e vice-decana do tribunal, excelentíssimo ministro Luiz Fux, excelentíssimo ministro Flávio Dino, cumprimento também o excelentíssimo procurador-geral da República, senhoras e senhores, eu inicio minha sustentação dizendo que o presidente Jair Bolsonaro foi o presidente mais investigado da história do País. Uma investigação que perdurou por anos. Que começa com o objetivo de investigar uma live de 4 de agosto de 2021, em que se autoriza a quebra de uma nuvem do seu ajudante de ordens, o coronel Cid, que hoje é delator, que perdura por meses essa investigação da quebra, com vários objetos diferentes.
No primeiro momento, verificava-se a live numa investigação determinada pelo TSE. No segundo momento, investigava-se o cartão corporativo, os gastos do presidente e da então primeira-dama. Depois, investigou-se até uma questão de emendas, para se chegar numa questão de vacinas. Portanto, não havia um objeto específico. E por que estou tratando disso, senhor presidente? Porque o inquérito das vacinas é a gênese de todo este caso, onde ocorreu a prisão e depois a colaboração do coronel Cid.
E o que se achou, senhor presidente, depois de tudo isso? Que foram determinadas buscas e apreensões, foi feita a quebra de nuvens, o presidente foi investigado, buscas e apreensões. O que se achou com o presidente? Absolutamente nada! E com todo o respeito, com toda a vênia, ilustre procurador-geral da República, eu contesto essa questão do documento achado do Partido Liberal. Há, inclusive, do meu colega Paulo Bueno, uma ata notarial de que ele enviou para o presidente da República aquele documento. Então, esse documento não foi achado. Com o presidente, não se achou absolutamente nada.
A partir daí, restava a versão do delator, como a minuta que estava no seu telefone tratando de uma questão de estado de sítio, e mais absolutamente nada. Então, vem a denúncia, e a denúncia é feita efetivamente com duas novidades porque com o estado de sítio e baseado na palavra exclusiva do delator seria difícil a propositura de uma ação penal, traça-se uma narrativa que vem efetivamente do começo de atos de pronunciamento do presidente da República. Pronunciamentos públicos e depois o 8 de janeiro.
Sobre esse primeiro momento, senhor presidente, me permita até fazer uma digressão sobre o mérito antes de tratar das preliminares, mas é importante dizer que, se houve esse momento, nós temos efetivamente uma acusação do procurador-geral da República de dois artigos gravíssimos do Código Penal que tratam de golpe contra as instituições democráticas e contra o governo legitimamente eleito.
Mas um minutinho só. Estamos tratando de uma acusação que se iniciou em dezembro de 2021 tratando do crime contra o governo legitimamente eleito. Qual era o governo legitimamente eleito? O dele! Então, esse crime é impossível, com todo o respeito. Falar-se em execução de crime contra o governo legitimamente eleito que era o dele! O governo legitimamente eleito veio no final do ano de 2022, com as eleições. Então, como se falar em início da execução?
E mais: como se falar em início de execução por pronunciamentos e lives quando os dois tipos penais têm elementares que implicam em violência ou grave ameaça? Não existiu violência, nem grave ameaça. Então, é impossível falar dessa execução. Como eu disse, é porque não existia nenhum elemento, então começa uma narrativa a respeito de pronunciamentos públicos para terminar no 8 de janeiro.
No 8 de janeiro, nem a Polícia Federal, que utilizou, como lembrou meu colega, mais de 90 vezes a expressão ‘possivelmente’, tinha certeza. Nem a Polícia Federal, que se utilizou dessas possibilidades, afirmou participação dele no 8 de janeiro. Não há um único elemento, nem da delação. Aí me criticam porque eu digo que a delação não vale nada… Óbvio, porque nem o delator que o acusou fez qualquer relação dele com o 8 de janeiro. Não há uma única evidência a esse respeito.
Portanto, apresentou-se uma denúncia com essas duas circunstâncias. E eu não tenho tempo, senhor presidente, tenho de falar rapidamente, mas essa denúncia, quando veio, o ilustre procurador-geral da República liberou oito PETs no dia da apresentação da denúncia. Meu cliente foi intimado um dia depois. No segundo dia, já era prazo. Oito petições, 45 mil documentos, que até agora, senhor presidente, por Deus que está no céu, eu não sei dizer no que esses documentos estão relacionados com a ação penal. Eu não consegui verificar sequer qual é a relação… São 45 mil documentos! Na verdade, é um quebra-cabeça que foi exposto à Defesa.
E aí, na sequência, senhor presidente, eu queria tratar de uma preliminar que meu colega que me antecedeu na tribuna falou da relevância do caso… Não é só a questão da relevância do caso e a questão da competência. A minha questão principal é que o Supremo Tribunal Federal, na portaria do ministro Barroso, que encaminhou para as turmas as ações originárias, faz um destaque a respeito do presidente da República. Então, o presidente da República, se crime houver contra ele, seria julgado pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal.
Ora, se o Supremo Tribunal Federal entendeu agora, em um julgamento que foi concluído recentemente, após a apresentação da denúncia, que a competência se prorroga e que os detentores de foro, ainda que deixem as suas respectivas funções, saiam da prerrogativa de foro e o delito será julgado pelo Supremo, prorrogando a competência que detivera aqui no momento em que ocupava o cargo.
Qual era a competência? Era do Pleno, porque era presidente da República. E chegou a ser investigado como presidente da República. Mas, com base nisso, senhor presidente, o que nós temos nesta denúncia? A prova da defesa substancialmente é uma prova negativa. É uma prova negativa. ‘Não fez, não participou, não aderiu, não autorizou’. É uma prova negativa.
Então, seria muito importante, e eu reconheço, ministro Alexandre de Moraes, Vossa Excelência despachou comigo no Salão Branco, e é verdade que Vossa Excelência coloca que todos os elementos da denúncia citados na denúncia e no relatório da Polícia Federal estão nos autos. A conversa de Mauro Cid citada na denúncia está realmente nos autos. Nós tivemos acesso quando é escrito, por escrito, quando é por áudio, o áudio. O que não está na denúncia é a completude da mídia.
Então, senhores ministros, a pergunta é a seguinte: se eu não tenho a mídia completa, nesse momento de preliminares, não seria o caso de a Defesa poder suscitar, se fosse o caso, a cadeia de custódia da prova? Mas eu não tenho a completude, eu não tenho os telefones, eu não tenho as mídias. Há uma discussão muito grande a respeito desse plano ‘Punhal Verde e Amarelo’. Seria absolutamente imprescindível verificar as demais mensagens que foram passadas naquele dia. As outras mensagens que foram passadas pelo WhatsApp. Os outros documentos que estão na mídia.
Esta é a reclamação da Defesa. O que nós temos, e temos tudo o que a denúncia citou e o que o relatório da Polícia Federal citou, mas este é o recorte da Acusação. Com todo o respeito, a Defesa tem o direito de fazer o seu próprio recorte, e isto poderia impactar. Eu sei, ministro Flávio Dino, Vossa Excelência já falou aqui em outras sessões de julgamento que eu assisti e falou hoje, Vossas Excelências não farão um julgamento aprofundado da denúncia. É óbvio, estamos falando aqui de um standard mínimo, de uma verificação de possibilidades do recebimento da prova. Mas é evidente que, se houvesse uma mensagem comprovando que não há nenhuma relação com o ‘Punhal Verde e Amarelo’, teria muita importância para este momento.
Porque nós estamos falando do recebimento de uma denúncia gravíssima por fatos gravíssimos que o presidente da República não tem nenhuma relação com ‘Punhal Verde e Amarelo’, ‘Operação Luneta’, ‘Copa 2022’, e assim por diante. Então, a verificação das trocas de mensagem a partir do momento em que corréus dizem que falaram com o comando militar, que pediram audiência no Planalto, no Alvorada… O que disseram? Isto não consta.
É essa a importância de verificar toda a questão. Encaminhando para o final, senhor presidente, eu gostaria de tratar da delação premiada. E aqui eu queria tratar de duas questões que inclusive estão sendo confundidas. Aliás, tudo o que fala a Defesa, na imprensa sai de uma forma distorcida. O que foi questionado pela Defesa, ministro Zanin, é o fato de que o relator rompeu com o acordo quando vazou a delação. E saiu na revista Veja. Diz ele que foi um desabafo.
É estranha essa expressão ‘desabafo’ porque no ‘desabafo’ ele diz que não tinha voluntariedade. Se não é um ‘desabafo’ na versão dele atual, isto teria sido uma mentira. Mas vá lá, falou com o primo, com o irmão, com o cunhado. Senhor presidente, a lei não autoriza o delator, o contrato de delação não autoriza o delator a falar nem com o irmão, nem com o cunhado, nem com a mãe. Não autoriza. Ele, inclusive, está proibido de falar com o pai, salvo engano meu, a partir de um determinado momento, que era investigado. Se ele falou com o cunhado e se isto foi vazado, essa é uma responsabilidade dele. Diz-se-á: ‘mas esta é uma questão formal’. É verdade, é uma questão formal.
Só que mais adiante vem uma questão de que a Polícia Federal disse que ele mentiu, omitiu e se contradisse. E aí, senhores ministros, essa é a minha maior crítica à questão da delação. Por quê? O Supremo Tribunal Federal, num voto de grande detalhamento do ministro Dias Toffoli, diz o seguinte: delação é um meio de prova. O delator conta uma história, as autoridades buscarão a corroboração e, só assim, ela poderá ser utilizada.
O que aconteceu neste caso? Ele falou, segundo a Polícia Federal, ele mentiu, omitiu e se contradisse e, então, há uma audiência para que ele tivesse a oportunidade de se corrigir. Mas aí, com todo o respeito, há uma inversão. Porque, na verdade, não é o Estado que foi buscar as provas de corroboração do que ele disse. É o contrário: o Estado trouxe indícios e ele se adequa aos indícios trazidos pelo Estado. É completamente o inverso. Com todo o respeito, senhor ministro, é o inverso. O delator tem que falar e o Estado tem que trazer as provas para condenar alguém.
O que aconteceu aqui é que ele mentiu e o Estado tinha indícios, e aí ele se adequa ao Estado. E aí, com todo o respeito, inclusive, nesta versão, o colaborador corroborou a versão da Polícia Federal. É exatamente o inverso disso. E numa audiência que se traduziu numa coleta de provas. E essa é a insurgência da defesa, porque neste momento esta coleta só poderia ser feita, com todo respeito, pelo procurador, pela polícia, e não pelo Poder Judiciário.
Então, senhores ministros, para terminar, eu quero dizer o seguinte: eu entendo a gravidade de tudo o que aconteceu no 8 de janeiro. Mas, não é possível que se queira imputar a responsabilidade ao presidente da República ou colocá-lo como líder de uma organização criminosa quando ele não participou dessa questão do 8 de janeiro. Pelo contrário, ele a repudiou.
E mais do que isso: neste tempo, que não é possível discutir a questão aprofundada de provas, é importante dizer, senhor presidente, que, enquanto a Polícia Federal fala ‘possivelmente’, enquanto a denúncia traz conjecturas como a impressão de um documento no Palácio que teria o conhecimento dele, o fato concreto é que o acusado de liderar uma organização criminosa para dar golpes socorreu o ministro da Defesa nomeado pelo presidente Lula porque o comando militar não atendia. Foi o presidente que determinou a transição, foi o presidente que determinou que eles atendessem ao ministro da Defesa que assumiu em primeiro de janeiro.
Portanto, encerrando, senhor ministro, não é possível dizer que se queira afirmar que é compatível com a tentativa de golpe, com o uso do comando militar, quando o presidente da República autoriza a transmissão do poderio militar no começo de dezembro. No começo de dezembro, antes da data do dia 15, antes do dia 11. E, portanto, senhores ministros, eu ratifico as nulidades que foram colocadas na minha peça apreciada por Vossa Excelência e peço a rejeição da denúncia. Agradeço a atenção, muito obrigado, senhor presidente.”
Após as falas dos advogados de Paulo Sérgio Nogueira e de Walter Braga Netto, a sessão foi conclusão pela parte da manhã.
Voto das preliminares
Às 14h, o julgamento da denúncia contra Bolsonaro e seus aliados foi retomado, com a apreciação dos ministros sobre as preliminares. Foi estabelecido que Moraes, na condição de relator, iria informar o seu voto sobre cada liminar e submeter cada uma delas aos demais ministros.
A primeira preliminar votada foi a tese defensiva de impedimento, suspeição e ausência de competência de Moraes, Dino e Zanin. O relator refutou a tese simplesmente alegando que ela já havia sido derrubada em sessão plenária do Supremo anteriormente.
Dino acompanhou o voto de Moraes, apresentando uma verdadeira pérola. Em vez de entrar no mérito da Defesa, que apresentou questões concretas como o fato de Zanin ter sido advogado pessoal do presidente Lula e que Moraes seria uma das vítimas do suposto plano “Punhal Verde e Amarelo”, fez um discurso citando uma fala de John G. Roberts, Jr, presidente da Suprema Corte dos Estados Unidos, publicada no jornal norte-americano The New York Times! A fala, em resumo, indica que os ministros seriam pessoas divinas, neutras, sem qualquer interesse político – exatamente o que diria qualquer ditadura.
“Não temos juízes Obama, ou juízes Trump, ou juízes Bush ou juízes Clinton. O que temos é juízes dedicados a fazer o melhor que podem para fazer o mesmo direito àqueles que comparecem diante deles. Este Judiciário é algo pelo qual todos nós deveríamos ser gratos.”

Fux, Cármen Lúcia e Zanin também seguiram Moraes.
A segunda preliminar votada foi a tese defensiva de que o julgamento deveria ser votado pelo Pleno do STF, e não pela Primeira Turma. Moraes não entrou no mérito do que foi alegado pela Defesa, alegando apenas que outros milhares de casos foram julgados pela Primeira Turma, e não pelo Pleno. O ministro, então, aproveitou o seu tempo para fazer propaganda de si mesmo, procurando se defender de acusações que nada tinham a ver com a tese. Incomodado com críticas públicas sobre o tratamento degradante dado aos manifestantes de 8 de janeiro de 2023, o ministro apresentou uma planilha que mostrava que a quantidade de mulheres idosas presas teria sido uma minoria.

A planilha do ministro, no entanto, revelou que um total de 102 foram condenadas a 14 anos de prisão, sendo 15 delas idosas, e que 43 manifestantes foram condenados a 17 anos de cadeia, sendo 5 idosos.
Moraes gastou mais de 22 minutos para tratar especificamente desta preliminar. O tempo, irrestrito ao relator, contrasta com os 15 minutos limitados à cada advogado de Defesa para abordar todas as preliminares e nulidades e para discutir o mérito da denúncia.
Cármen Lúcia, Dino e Zanin acompanharam Moraes. Fux, surpreendentemente, se colocou contra o relator. Em sua justificativa, o ministro esclareceu que, menos de duas semanas atrás, o mesmo STF julgou uma questão semelhante e, embora a tese de Moraes tenha prevalecido, o assunto não foi ponto pacífico. Fux e Cármen Lúcia, por exemplo, haviam votado, na época, por remeter o tema ao Pleno.
Enquanto Fux manteve sua coerência, Cármen Lúcia reconheceu que sua posição anterior foi a de remeter um tema para o Pleno, mas afirmou que, “pelo princípio da colegialidade”, iria votar com o relator.
A sessão seguiu com a votação das demais preliminares e nulidades, que foram todas refutadas pelos magistrados.
Entenda a acusação
No dia 18 de fevereiro, a Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentou ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por suposta tentativa de golpe de Estado em 2022. Além de Bolsonaro, outras 33 pessoas foram denunciadas, incluindo nomes do alto escalão do governo e das Forças Armadas, como Augusto Heleno e Braga Netto. A acusação alega que Bolsonaro liderava uma organização criminosa armada, com o objetivo de abolir violentamente o Estado Democrático de Direito.
A denúncia, que tem mais de 250 páginas, é marcada pela ausência de provas concretas que vinculem Bolsonaro diretamente às acusações. A defesa do ex-presidente criticou a denúncia, considerando-a inepta e incoerente, fruto de uma delação premiada contraditória e construída sob pressão. Para os advogados, a acusação é meramente política e visa desestabilizar Bolsonaro e seus aliados. O documento da PGR busca caracterizar críticas públicas ao sistema eleitoral e discursos políticos como incitação a golpe, um grave ataque à liberdade de expressão garantida pela Constituição Federal.
Em junho de 2023, o ministro Benedito Gonçalves, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ao votar pela inelegibilidade de Jair Bolsonaro por oito anos, afirmou que a condenação não se baseava em uma “fotografia na parede”, mas em um “contexto”. Em outras palavras, confessou que não havia um ato concreto que configurasse crime, mas sim uma combinação de fatos interpretados subjetivamente.
A denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) ao Supremo Tribunal Federal (STF), conduzida por Paulo Gustavo Gonet Branco, segue a mesma linha. Sem apresentar uma única prova material, a PGR acusa Bolsonaro de liderar uma organização criminosa, mas fundamenta a acusação em um “contexto” construído a partir de discursos políticos e críticas ao sistema eleitoral. Isto é, a partir de uma fantasia criada pelo próprio Gonet.
A acusação também se apoia na delação de Mauro Cid, que mudou sua versão após repetidas negativas de colaboração.
No momento em que Bolsonaro foi acusado pela PGR, Alexandre de Moraes divulgou a delegação de Cid. A divulgação pretendia gerar comoção pública contra Bolsonaro, mas acabou expondo a ilegalidade de suas ações.
Antes do depoimento, Moraes lembrou a Cid os termos da delação premiada, ressaltando que, caso não colaborasse, ele seria preso e sua família “investigada”. A ameaça direta colocou toda a delação sob suspeita, configurando coação explícita para obter acusações contra Bolsonaro.
Áudios vazados já indicavam que Cid havia sido pressionado anteriormente para fornecer declarações que incriminassem o ex-presidente. A divulgação forçada do depoimento não só não comprovou as acusações, como até inocentou Bolsonaro em alguns pontos, expondo o autoritarismo do ministro.