O artigo de Lênio Streck, O Brasil vive um “estado de coisas golpistas”, publicado no Brasil 247 nesta sexta-feira (12), mostra o esforço de setores ditos de esquerda que fazem malabarismos retóricos para justificarem tudo o que sai do Supremo Tribunal Federal (STF).
Streck está reagindo ao que chama de projeto golpista da dosimetria, que, por sua vez, é uma reação da direita ao julgamento-farsa produzido pelo Supremo, sob aplausos da “esquerda”, que condenou o ex-presidente Jair Bolsonaro e alguns generais de pijama à prisão. A direita tenta reduzir as penas, o que tem causado uma certa gritaria.
Lênio Streck enumera alguns pontos, e os quatro primeiros são os seguintes:
1. “Na América Latina já não ocorrem golpes de Estado; é a democracia que vai se deteriorando por dentro”, disse o jurista argentino Roberto Gargarella – e essa tese foi e é festejada.
2. Além de ter sido dito antes da tentativa de golpe no Brasil, a tese falha também nas críticas ao poder judiciário – de que ali está um foco de autoritarismo (ou golpismo silencioso – algo nesse sentido).
3. Portanto, está errado Gargarella. E se a tese é correta, o Brasil é, então, o cisne negro da tese popperiana: se todos os cisnes são brancos, quando aparece um cisne negro…”. O resto é sabido.
4. Indo mais longe do Brasil, ouso dizer que, na América Latina, os legislativos são golpistas. E explico: é neles que se ENCASTELAM AS OLIGARQUIAS. Todas as grandes transformações sociais da A.L. vieram do executivo”.
A primeira tese é fácil de refutar, pois falar em democracia na América Latina é muito mais um gesto de boa vontade que realidade.
No ponto 2, não fica claro a que Streck se refere. Estará se referindo apenas ao 8 de janeiro de 2023? Ou a frase terá sido dita antes de 2016, do golpe contra Dilma Rousseff, do qual o STF é peça-chave?
Para Streck, a tese de Gargarella “falha também nas críticas ao poder judiciário – de que ali está um foco de autoritarismo – ou golpismo silencioso”. Mas a verdade é que o judiciário é um foco de autoritarismo e golpismo. Isso ficou mais do que evidente desde 2009, com o golpe em Honduras, que serviu como laboratório para uma modalidade de golpes que depois foi exportada para outros países da região e do mundo.
No Brasil, no entanto, a tese falha porque o golpismo do judiciário é ruidoso. Desde a aberração jurídica que recebeu o nome de Mensalão, os juízes se tornaram verdadeiras estrelas midiáticas, viraram até tema de marchinha de Carnaval. O ministro Alexandre de Moraes, por exemplo, é considerado o pai da democracia no País. Esse monarca de toga tem a maioria de seus súditos na esquerda (se é que se pode chamar de esquerda).
Karl Popper argumentava que a teoria universal de que todos os cisnes eram brancos foi derrubada com a descoberta de um único cisne negro. Talvez Strek tenha se deixado levar pela cor negra da toga dos ministros do STF, mas aquilo ali lembra mais Nosferatu que cisne, qualquer um pode ver.
Como Streck precisa defender o supremo cisne negro do golpismo brasileiro, joga a bola para o outro lado e diz que não: na América Latina, os legislativos são golpistas. Para ele, é neles que se ENCASTELAM AS OLIGARQUIAS. Pois bem, mas o judiciário responde aos interesses de quem? Das oligarquias e, atualmente, principalmente do grande capital e do imperialismo. Ou devemos acreditar que o Judiciário paira no ar, acima do bem e do mal?
No ponto 5, Streck afirma que “aqui o centrão (sic) subverteu o presidencialismo. TOTALMENTE. Isso não é parlamentarismo. Porque mesmo no parlamentarismo o executivo não perde o controle sobre o orçamento. AQUI, SIM. Por isso tanto ódio ao STF, que questiona o orçamento secreto e o ‘paraíso das emendas’ sem fundo”. Será isso mesmo?
O STF subverte o Legislativo, ou melhor, passa por cima do Congresso; legisla, cassa mandatos, anula leis, mas o problema é apenas que a corte questiona o orçamento secreto? E nem é bom falar em orçamento, dadas as relações estranhas do escritório da esposa de um certo ministro com um certo banqueiro.
Em seguida, o jurista diz que “O CENTRÃO SE UNE COM A EXTREMA DIREITA E SUBVERTE A DEMOCRACIA. Afinal, como disse o Flávio 01, tudo tem um preço. Ah, isso tem, mesmo. Paulinho da Força assinou o cheque”. O que Streck se “esquece” de dizer, é que o preço foi estipulado justamente por aqueles que prenderam Bolsonaro.
Já não é segredo para ninguém que a prisão teve como intuito, além de tirar Jair Bolsonaro da próxima corrida eleitoral, forçar uma negociação, seu apoio à candidatura de Tarcísio de Freitas em troca de benefícios. A choradeira começou porque Flávio Bolsonaro dobrou a aposta.
Lamentos
O texto de Streck é um interminável Muro das Lamentações. Fala em “calada da noite”, anistia x dosimetria, traz tecnicalidades sobre cumprimentos de prisão domiciliar. Apesar das flagrantes violações de direitos promovidos pelo “julgamento”…
Deixando tudo isso de lado, o que interessa, é que “O QUE IMPORTA É QUE ESTAMOS EM MEIO A UM ESTADO DE COISAS GOLPISTA. Um golpismo permanente. O golpe cotidiano. Que não vem mais do executivo; que não vem do judiciário (que, ao contrário, está do lado da lei e do Estado Democrático) E, SIM, DO LEGISLATIVO. É ali que está o ‘é da coisa’ ou ‘a coisa do que é’”.
É isso, uma defesa do Judiciário. Temos de repetir pela milésima vez.
No entanto, é verdade que vivemos o golpe cotidiano, permanente. Alexandre de Moraes acaba de anular uma decisão do Legislativo. Isso, na prática, é o mesmo que fechar o Congresso. Para todos os efeitos, trata-se de um golpe de Estado.
Não adianta falar juridiquês para tentar enganar os leigos. Alexandre de Moraes, ao interferir no Congresso, não está ao lado, está acima da lei, não dá a mínima para a Constituição, republicanismo, o que seja.
O pior disso tudo é o estado de degradação ao qual chegaram esses setores da esquerda. Defendem apaixonadamente uma instituição golpista até a medula e que tem praticado as maiores aberrações jurídicas que este País já assistiu.





