Na última semana, o Ministério dos Povos Indígenas do Brasil assinou um protocolo de intenções com a empresa Ambipar durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça. A cerimônia de assinatura contou com a presença do chefe da Ambipar, Tercio Borlenghi Junior, e o secretário-executivo do Ministério, Eloy Terena.
O acordo prevê ações que dizem respeito a “emergência climática e iniciativas de sustentabilidade”. Além disso, ele diz respeito a uma área de um milhão de quilômetros quadrados de territórios que são considerados terras de índios. Isso equivale a 14% do território brasileiro, que é o mesmo do que a soma das áreas de França e Inglaterra.
Respondendo a denúncias que foram feitas logo após o anúncio do acordo, o Ministério dos Povos Indígenas publicou um artigo afirmando serem inverídicas as alegações de que a pasta transferiu a gestão dos territórios em questão ao setor privado. Ele afirma que um Protocolo de Intenções não prevê a “transferência de qualquer verba ou de responsabilidade do Poder Público”, estabelecendo “um compromisso preliminar”.
No entanto, isto é enganoso.
À CNN, Soraya Pires, chefe do departamento de Soluções de Carbono da Ambipar, afirmou que a relação entre o Ministério e a empresa se baseiam em quatro frentes: estruturação para combate a incêndios, destinação de resíduos, ampliar o monitoramento das terras dos índios e facilitar o acesso de insumos demandados pela população.
Ou seja, apesar de ser, formalmente, um protocolo de intenções, o acordo permite, sim, a intervenção direta da empresa Ambipar em 14% do território brasileiro. Mais do que isso, a define como a responsável por implementar estas “quatro frentes” da maneria e com as parcerias que achar necessário. Na mesma entrevista à CNN, Soraya Pires afirma:
“As atividades começam assim que retornarmos para nossas atividades no Brasil. Não esperaremos o plano de trabalho ser concluído, queremos que as atividades já iniciem para que ambas aconteçam em paralelo.
Atividades que a gente já tem mapeadas como prioritárias se iniciam logo na próxima semana, e aí daremos sequência à atividade na construção da robustez desse plano de trabalho, que vai abranger outras atividades.”
Ao ser questionada sobre a inclusão de outras empresas para ajudar no projeto, Pires disse:
“No momento, a gente não tem um desenho de como pode ser melhor estruturado. Inicialmente, é a Ambipar liderando essa presença do setor privado junto ao Ministério, mas nada impede que tenhamos novas parcerias, outras frentes que possam agregar ao projeto” [grifos nossos].
A Veja, que conversou com o vice-presidente de Sustentabilidade da Ambipar, Rafael Tello, ainda afirma que a parceria “faz parte da estratégia do ministério de incluir o setor privado na responsabilização global da preservação das terras indígenas”. Uma defesa da política de que os índios brasileiros e lugares como a Amazônia são, na realidade, do mundo, e não do Brasil.
À revista Exame, a empresa ainda afirma que “a aliança nasce para ser um modelo inovador de integração entre setor público e privado para fortalecer territórios indígenas, promovendo a conservação e também a inclusão socioeconômica”.
Ou seja, diferente do que diz o Ministério dos Povos Indígenas, trata-se, de fato, da entrega de 14% do território brasileiro para uma empresa multibilionária. Afinal, em nome de coisas como sustentabilidade e a proteção dos índios, a Ambipar tem carta-branca para fazer o que quiser nas terras dos índios brasileiros e envolver que outras empresas quiser para fazê-lo.
Sem licitação e sem consulta
Na nota em que acusa seus críticos de espalhar “fake news”, o Ministério dos Povos Indígenas diz:
“Pela primeira vez em mais de cinco séculos, os povos indígenas estão atuando dentro da estrutura do Estado brasileiro na construção e fortalecimento da política indigenista sem representação por terceiros não-indígenas. Estamos conscientes de que essa manifestação concreta da autodeterminação dos povos indígenas provoca parte dos interesses que são contra nossos direitos, mas estamos, junto ao Governo Federal, fortalecendo e ampliando as pautas na defesa dos povos.”
No entanto, e apesar de alegar não se tratar da privatização de 14% do território brasileiro, o acordo entre a Ambipar e o Ministério foi assinado sem qualquer tipo de processo de licitação. Mais importante que isso, o acordo foi feito sem qualquer consulta aos próprios índios, os principais interessados neste processo.
Conforme aponta a Revista Oeste, o secretário-executivo do Ministério, Luiz Henrique Eloy Amado, não possui mandato de porta-voz dos índios, tampouco possui a autoridade necessária para que ele possa autorizar a exploração de serviços nas terras dos índios.
Já a Rádio Yandê denuncia que a parceria ignora a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil em 2002. O texto estabelece que “qualquer decisão ou ação que possa impactar os territórios, os recurso naturais ou a vida dos povos indígenas deve ser precedida por uma consulta prévia, livre e informada”.
Quem é a Ambipar
Em março de 2024, o Ministério da Defesa, controlado pelo entreguista sionista José Múcio, já havia firmado uma parceria com a Ambipar. No dia 18 daquele mês, o governo federal assinou um contrato de R$185 milhões com a Ambipar Flyone Serviço Aéreo Especializado para a distribuição de cestas de alimentos para terras Ianomami. De onde vem o interesse em relação à Ambipar? Uma investigação feita pelo Diário Causa Operária (DCO) pode fornecer a resposta.
A principal atividade da Ambipar, listada na Bolsa de Valores, como AMBP3, é a especulação financeira. Isso pode ser visto pelo fato de que, em junho de 2024, diante de resultados negativos na Bolsa, ela contratou a Itaú Corretora de Valores como “formador de mercado”. Segundo artigo do portal Investidor10, este serviço “tem como principal objetivo aumentar a liquidez das ações da Ambipar no mercado”, o que pode “facilitar o comércio das ações para os investidores e potencialmente estabilizar as variações de preço”. Ou seja, tornar a empresa mais atrativa para a especulação.
Ao que tudo indica, a partir daí, o Itaú investiu muito na empresa, a colocando sob sua tutela para ganhar dinheiro por meio da especulação.
Um artigo do portal Pipeline, da revista Valor, d’O Globo, publicou, em setembro de 2024, um artigo intitulado Uma curiosidade no relatório do Itaú BBA sobre Ambipar. No texto, o sítio aponta que especuladores “viram incoerência entre projeção de preço e recomendação”. Nesse sentido, em relatório financeiro, o Itaú projetou uma desvalorização potencial de 80% nas ações da Ambipar e, apesar disso, manteve para seus clientes uma indicação “neutra” sobre investir ou não na empresa. “Se vai cair tanto, por que ficar no papel ao invés de vender?”, indagou um gestor que, segundo a Pipeline, possui “volume relevante em renda variável”.
Esse tipo de recomendação, que causou estranheza até mesmo a sítios dedicados à análise do mercado financeiro, indica que o Itaú sabia que a Ambipar se valorizaria cada vez mais. Tanto é que, meses depois, em dezembro de 2024, aprofundou sua relação com a empresa, a incluindo no projeto CUBO Itaú, caracterizado pelo banco como “o maior hub de inovação da América Latina”. Poucos dias depois, em 17 de dezembro, a empresa iniciou um projeto de “restauração florestal” no Vale do Paraíba com o Itaú Unibanco.
Não demorou para que a Ambipar se valorizasse na bolsa. No ano de 2024, sob a tutela do Itaú, a empresa se valorizou mais de 730% na B3, alcançando, segundo a E Investidor, do Estadão, valor de mercado próximo a R$22,5 bilhões e atingindo o posto de 36ª empresa mais valiosa da B3. A empresa se valorizou tanto que a Ambipar deixou o índice de empresas menores da Bolsa de Valores brasileira.
Em resumo, o Ministério dos Povos Indígenas, chefiado por Sonia Guajajara que, conforme mostramos neste Diário, é queridinha do Itaú, entregou 14% do território brasileiro para uma empresa multibilionária que é gerenciada, na Bolsa de Valores, pelo banco da família Setúbal. Um dos maiores escândalos do governo até o momento.