Em artigo recente publicado pelo portal Poder360, o advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, defende abertamente que o Congresso Nacional casse o mandato de Eduardo Bolsonaro e de outros deputados que, segundo ele, “se filiam aos EUA para interferir junto ao Supremo Tribunal Federal”. Como justificativa, afirma que “a Câmara tem que agir com dignidade” e “se dar ao respeito”. O tom moralista e autoritário do texto esconde um veneno político que a esquerda precisa denunciar com firmeza.
A proposta de Kakay é, na prática, que o Parlamento brasileiro tenha a prerrogativa de cassar parlamentares eleitos pelo povo com base em julgamentos políticos. Ora, essa ideia não tem nada de democrática.
Um dos pilares fundamentais de qualquer regime que se diga democrático é o princípio de que só o povo tem o direito de dar e retirar mandatos. O Parlamento é um instrumento da vontade popular, e não uma instância superior a ela. Quando se aceita que deputados sejam cassados por seus pares — por “traição à pátria” ou qualquer questão —, o que se está defendendo é o fim do sufrágio universal como fundamento da representação política.
Não é preciso ir muito longe para entender isso. Há poucos meses, o Conselho de Ética da Câmara aprovou a cassação do mandato de Glauber Braga (PSOL-RJ). O caso ainda não foi votado pelo plenário, mas o mero fato de existir uma ação com este conteúdo já é absurdo. Braga está sofrendo um processo por “quebra de decoro” por um desentendimento com um agitador de extrema direita. O motivo óbvio, no entanto, é político: Braga é oposição ao grupo que domina o Parlamento.
No fim das contas, o que o texto de Kakay escancara é sua política para lidar com o bolsonarismo: ele propõe que se use o Estado — o Judiciário, o Congresso, a Polícia Federal etc. — para esmagar adversários políticos. O bolsonarismo, para ele, não deve ser combatido politicamente, nas ruas, com organização popular e mobilização das massas. Ele quer que a repressão venha de cima: censura, tornozeleira, cadeia, cassação, decreto judicial.
Essa política é a expressão mais pura do pensamento da direita, que prefere confiar no poder repressivo do Estado do que no povo mobilizado — afinal, seu programa é de guerra contra o povo. E aqui está o problema: a esquerda não controla esse Estado. Quem nomeia os juízes? Quem comanda as polícias? Quem redige as leis e controla os meios de comunicação? A burguesia.
Amanhã, essa mesma máquina será usada contra os movimentos sociais, os sindicatos, os partidos de esquerda e toda forma de luta popular. Foi assim em 2016, quando o STF e o Congresso articularam o golpe contra Dilma Rousseff. É assim hoje, quando Alexandre de Moraes censura páginas, prende militantes e suspende direitos civis com medidas “cautelares” que dispensam julgamento.





