O amor irá vencer o ódio? Para muita gente na esquerda pequeno-burguesa, esse deveria ser um norteador da política dos trabalhadores, uma verdadeira luta contra o “ódio”, seja lá o que isso signifique.
Um bom exemplo disso é o artigo da filósofa Márcia Tiburi, para o Brasil 247, intitulado O amor digital é melhor do que o ódio digital. No texto, a autora defende que a inteligência artificial seria obra do “amor”, mesmo que essas tecnologias sejam manipuladas pela turma do “ódio”.
“Fato é que amor, amor mesmo, qualquer forma de amor, qualquer tanto de amor, sempre será melhor que o ódio. O fascismo e o nazifascismo são cheios de ódio em geral. Verdade que o poder anda junto, o poder sempre está junto, o poder tem a potência do delírio e é ele que estraga o amor, como o gérmen do fascismo estraga a democracia”, escreveu a filósofa.
Na sequência, Tiburi explica que “só o amor pode conter o poder e o ódio”, com essa incrível comparação de que o amor é a democracia, e que essa poderia esmagar o fascismo, ou seja, o amor pode esmagar o ódio.
E a autora defende também que, mesmo com o predomínio do ódio pela direita – ela cita Musk e Zuckerberg como exemplos –, suas tecnologias apontam num caminho contrário ao ódio:
“Mas a inteligência artificial que eles manipulam e administram vêm mandando um recado pelas redes contra eles. Um recado na contramão do seu ódio: amem mais, amem de verdade, amem-se! Mas amem para além do poder, porque o amor ao poder não é amor, é ódio. Amor ao poder é contradição”
Uma declaração que parece ter vindo de algum lunático religioso que fica na rua pregando para o nada, mas é uma linha de raciocínio que acompanha um setor expressivo da esquerda nacional.
A autora conclui seu texto com um apelo ao amor expondo toda a cartilha identitária seguida pela esquerda:
“Mais amor, por favor. Amor na prática: respeito, reconhecimento, justiça social e econômica, segurança, não-violência, antirracismo, anticapacitismo, antimisoginia, antitransfobia e lesbofobia, anticapitalismo, luta por transformações sociais e econômicas, mais arte, mais educação, distribuição de bens, preservação do meio ambiente e da vida de todas as espécies. Mais amor e abaixo o fascismo nas redes!”
São várias palavras-chave contra o racismo, misoginia, etc, que colocam claramente que toda sua filosofia não serve aos interesses dos trabalhadores. A política de pedir mais amor, respeito ou qualquer outra coisa próxima disso é pura balela. Esse “amor” não melhora em nada a vida dos trabalhadores.
Pelo contrário, é um equívoco defender que o “amor” tem alguma coisa a ver com a nossa luta. A história da humanidade é movida pelo ódio entre as classes, pelo ódio da classe oprimida pela classe opressora. As revoluções no mundo foram feitas com esse ódio contra os opressores, uma resposta violenta contra toda a violência já sofrida por anos, décadas e, muitas vezes, por séculos.
Imaginem se os palestinos agora, após mais de 70 anos de massacre, optassem pelo amor e não pegassem em armas para destruir os seus inimigos opressores da ocupação sionista? “Ódio” deve ser um sentimento pequeno para descrever o sentimento de revolta dentro de cada palestino que tem sua família sendo trucidada dia após dia, que vê suas casas e escolas bombardeadas, que vê seu povo perecer de fome.
O ódio é um dos motores para a revolução palestina que ocorre neste momento. Foi esse ódio, de não aguentar mais ver seu povo sofrer, que fez com que soldados extremamente determinados conquistassem um cessar-fogo histórico.
Essa história de ser contra o ódio é ser contra os trabalhadores, contra os oprimidos. Será esse ódio de classe que fará com que os oprimidos se mobilizem para destruir seus inimigos de classe, para destruir o imperialismo, como fazem os palestinos agora. Em outros momentos da história, foram massacres como o do assalto ao quartel de La Moncada, antes da Revolução Cubana, bem como o Domingo Sangrento, antes da Revolução de 1905 na Rússia, que moveram todo o povo a se rebelar contra os seus opressores.
Centenas de milhares são mortos pela política da burguesia desde os primórdios do regime capitalista. Não podemos esperar que o povo seja pacífico com séculos de opressão e violência. O ódio de classe deve ser impulsionado o quanto for necessário para alcançar a vitória dos trabalhadores.