No último dia 21 de julho, o jornalista Fernando Gabeira publicou um texto no jornal O Globo com o título Tarifaço nos diz que é hora de ser brasileiro, no qual analisa algumas possíveis ações que, em sua opinião, os brasileiros de modo geral poderiam realizar após as tarifas de 50% sobre produtos brasileiros por parte de Donald Trump.
O título, no entanto, não deixa de ser cômico, já que, de uns bons anos para cá, Gabeira realmente não havia percebido que já era hora de ser brasileiro. Quando os Estados Unidos decidiram que o Brasil não deveria mais ser governado pelo PT, por exemplo, dando um golpe de Estado contra Dilma Rousseff, Gabeira foi um dos mais pró-Estados Unidos.
No entanto, deixando de lado o fato do apoio ao golpe de 2016, vamos ao texto de Gabeira, que se inicia assim:
“Isso de ser brasileiro é estranho porque, às vezes, passa um tempo esquecido; às vezes, uma certa decepção com as elites políticas aborrece. Mas, ao contrário do verso de Drummond, há um momento em que todos os bares se abrem, e todas as virtudes se afirmam. A carta de Trump fixando uma tarifa absurda sobre os produtos brasileiros é um desses momentos. Como assim, logo o Brasil, que tem déficit comercial com os Estados Unidos?”
O leitor atento deve perceber que o “nacionalismo” de Gabeira não dura um parágrafo e, após conclamar a todos que “é hora de ser brasileiro”, o jornalista termina o parágrafo com “como assim, logo o Brasil, que tem déficit comercial com os Estados Unidos?”.
Ou seja, se coloca contra a taxa imposta por Trump com o argumento de que ela não faz sentido, mas não por conta de o Brasil ser um país soberano, mas sim tentando mostrar uma espécie de bom mocismo brasileiro. O Brasil, portanto, não deveria ser taxado pois se trata de uma colônia que não levanta sua cabeça, diferentemente de outras como Rússia e China.
A proposta para lidar com a situação, aliás, segundo Gabeira, estaria em tentar convencer os norte-americanos de que o Brasil não é um país tão soberano assim e que nada fará contra os EUA, como vemos no parágrafo a seguir:
“Creio que, apesar de certo conformismo nos Estados Unidos, ainda existe capacidade crítica no país. Dentro de nossos limites, precisamos despertá-la por meio de microiniciativas que podem ser cartas, mensagens, conversas em fóruns internacionais. Temos algo a dizer: somos um exemplo singular de injustiça e de truculência de Trump.”
Engana-se, no entanto, quem realmente acredita no nacionalismo que chegou atrasado a Gabeira. Sua posição não é contra o imperialismo e a favor do Brasil, sendo, na realidade, justamente a posição oposta. As críticas a Trump só existem, pois o setor dirigente do imperialismo está em luta contra Trump dentro dos Estados Unidos.
Ou seja, não se trata de uma posição anti-imperialista, mas sim de uma posição anti-Trump. Prova disso é o gancho que o jornalista utiliza em sua matéria para criticar o governo Lula e sua política externa, mais especificamente, as alianças do Brasil com os BRICS, principalmente Rússia e China, como podemos ver em:
“Isso não significa que se deva concordar com tudo. Já fiz críticas à política externa de Lula, argumentando que não expressa a frente democrática que o levou ao poder. É algo dele e do PT. Mas essa é uma questão que tem de ser resolvida no debate democrático interno. Parceiros de Lula na frente, Alckmin e Simone Tebet jamais se pronunciaram, pois estão satisfeitos em seus cargos e não querem transtornos, como criticar Putin e sua política nefasta na Ucrânia.”
E em:
“Da mesma forma, a cruzada para desbancar o dólar parece um pouco voluntarista. O que mantém o dólar como padrão são fatores econômicos e políticos desde 1944, com o Acordo de Bretton Woods. Discretamente, em vez de discursar, a China criou um banco de pagamentos e negocia em sua própria moeda. Já alcança 4% do movimento mundial. Se, de um lado, não se derruba o dólar apenas com discurso, de outro, não se mantém o dólar na base da repressão, como quer fazer Trump. É algo que desafia a vontade de um governante.”
O mais interessante das críticas do jornalista é que ele parece justificar a ação de Trump na política dos BRICS de tentar acabar com a hegemonia do dólar. Ou seja, Gabeira é tão nacionalista, tão brasileiro, que gostaria de manter o dólar como padrão internacional.
Também chama atenção o fato de que estamos assistindo ao maior genocídio do século na Palestina, com transmissão ao vivo para todo o mundo através da Internet. O Brasil, conforme muitos relatórios, contribui com o genocídio fornecendo petróleo a “Israel”. Mas Gabeira resolve criticar o governo de Lula por sua proximidade com a Rússia e, por conta disso, coloca em xeque, inclusive, a “hora de ser brasileiro”:
“A unidade nacional implica usar toda a nossa imaginação. Mas não pode se tornar um mecanismo de unanimidade forçada, sobretudo porque não há concordância total com a política externa do PT.”
Uma real política nacionalista não cobraria soberania do país somente contra Trump, mas se dedicaria a rever as privatizações feitas desde a década de 90, a recuperar a Base de Alcântara entregue por Bolsonaro aos EUA, se colocaria contra o controle da CIA, do FBI e do Mossad sobre a Polícia Federal e o STF, que pretendem controlar as eleições do ano que vem para eleger algum neoliberal.





