Em sessão realizada nesta quarta-feira (10), o Senado Federal aprovou por unanimidade o PL 5.582/2025, apelidado de PL Antifacção, que cria o chamado Marco Legal do Combate ao Crime Organizado e amplia significativamente os poderes do aparato repressivo do Estado. A proposta foi relatada pelo senador Alessandro Vieira (MDB-SE), que alterou pontos centrais do texto aprovado anteriormente na Câmara dos Deputados. Por ter sido modificada, a matéria retorna agora para nova análise dos deputados.
A votação no plenário ocorreu sob regime de urgência, aprovado mais cedo pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, que analisou o projeto na manhã do mesmo dia. Os senadores também rejeitaram, por maioria, um destaque apresentado pelo líder do PL, Carlos Portinho (RJ), que pretendia equiparar os crimes atribuídos a facções a atos de terrorismo, o que manteria no texto um dos pontos mais polêmicos aprovados pela Câmara.
Segundo o relator, o substitutivo aprovado no Senado resgata propostas originais do governo federal, autor do projeto de lei, e reverte trechos incluídos pelo deputado Guilherme Derrite (PP-SP), relator na Câmara. Vieira afirmou que as mudanças foram discutidas com Derrite antes da votação. Já o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, declarou que a nova versão “recuperou 90%” da proposta enviada pelo Executivo.
Financiamento com taxação das apostas on-line
Uma das principais inovações do relatório de Alessandro Vieira é a criação da Cide-Bets, uma contribuição sobre as apostas de quota fixa, que passa a ser a principal fonte de financiamento do chamado combate ao crime organizado. Segundo dados citados do Banco Central, a tributação das plataformas de apostas esportivas teria potencial de arrecadar até R$30 bilhões por ano, volume que o relator apresenta como “o maior investimento em segurança pública já feito na história do País”.
De acordo com o texto aprovado, os recursos dessa contribuição serão vinculados a ações de repressão às “organizações criminosas” e à ampliação do sistema prisional, inclusive com construção e expansão de unidades. Empresas do setor de apostas criticaram a medida, alegando que a taxa poderia estimular a migração de apostadores para plataformas ilegais.
O projeto também determina que o governo federal apresente, em até 180 dias, uma proposta de reestruturação dos fundos de segurança pública, como o Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), o Fundo Penitenciário (Funpen), o Fundo Nacional Antidrogas (Funad) e o Fundo para Aparelhamento e Operacionalização das Atividades-fim da Polícia Federal (Funapol). A justificativa oficial é reduzir sobreposições e concentrar a gestão dos recursos em um planejamento considerado mais “coordenado”.
Spywares, espelhamento de aplicativos e identidades falsas
Outro eixo central do PL aprovado pelo Senado está na ampliação das ferramentas de espionagem digital. O texto regulamenta o uso de spywares, programas espiões capazes de acessar e monitorar dispositivos eletrônicos, em interceptações, desde que com autorização judicial e sob regras específicas.
A proposta também autoriza o espelhamento de aplicativos de mensagens, inclusive em “modo ativo”, quando houver infiltração formal de agentes, permitindo a visualização em tempo real das conversas. Além disso, as gravações de conversas realizadas por apenas um dos interlocutores passam a ser aceitas como prova na acusação, deixando de ser um instrumento exclusivo da defesa.
O substitutivo ainda disciplina a criação de identidades fictícias, inclusive com a possibilidade de constituição de pessoas jurídicas falsas, para atuação de agentes infiltrados em investigações de facções e milícias. A justificativa apresentada por Vieira é de que o Estado “falhou durante décadas” no enfrentamento a esses grupos e que seria necessário combinar “repressão qualificada, sufocamento financeiro e integração das forças de segurança” para alterar esse quadro.
Bloqueio emergencial de bens e dados sem ordem judicial
No campo patrimonial, o projeto reforça mecanismos de bloqueio de bens e acesso a informações financeiras. Delegados de polícia e integrantes do Ministério Público passam a poder requisitar diretamente Relatórios de Inteligência Financeira ao Coaf, sem a intermediação de outras instâncias.
O texto cria ainda a figura do bloqueio emergencial de ativos, que poderá ser determinado por até cinco dias quando houver risco iminente de ocultação de bens. Em situações consideradas “excepcionais”, será possível requisitar imediatamente dados de geolocalização e registros de conexão de investigados, mesmo sem ordem judicial prévia, desde que o juiz seja comunicado em até 24 horas.
Os prazos para decisões judiciais também foram enrijecidos. Juízes deverão decidir pedidos de medidas cautelares em até 15 dias e, nos casos classificados como urgentes, em até 24 horas. Outra alteração estabelece que investigados, seus parentes ou sócios ficam proibidos de atuar como depositários de bens apreendidos. A alienação antecipada de bens passa a ser ampliada, permitindo a venda antes do fim do processo sempre que houver risco de deterioração ou forte desvalorização.
Tribunal do Júri mantido em casos de homicídio
O Senado também alterou pontos processuais relacionados ao Tribunal do Júri. Ao contrário da proposta aprovada pela Câmara, que restringia a competência do júri popular em homicídios relacionados a facções, o substitutivo mantém esses casos sob responsabilidade do Tribunal do Júri.
Novos tipos penais e penas mais altas
O endurecimento das penas aparece com mais força nos dispositivos relacionados ao uso de armas de guerra e à definição de facções. O texto cria tipos penais específicos para a fabricação clandestina de armas automáticas e fuzis, tipifica a posse de blueprints, arquivos digitais usados para impressão em 3D de armas, e dobra as penas de posse, porte ou comércio quando o armamento for considerado de alto poder ofensivo.
O projeto também modifica a Lei de Organizações Criminosas ao instituir o crime de “facção criminosa”, com pena de 15 a 30 anos de prisão, e ao equiparar milícias a facções para todos os efeitos legais. Crimes como homicídio, roubo e extorsão terão acréscimos de pena quando praticados por integrantes desses grupos.
Por fim, o texto reforça o papel das Forças Integradas de Combate ao Crime Organizado (FICCOs), estruturas que reúnem polícias federal e estaduais e outros órgãos para ações conjuntas. Para o relator, o conjunto das medidas pretende “integrar, modernizar e fortalecer” o sistema repressivo brasileiro.
Com a aprovação no Senado, o PL 5.582/2025 volta agora à Câmara dos Deputados, que precisará decidir se mantém as alterações, propõe novos ajustes ou tenta restaurar parte do texto anterior.





